Adriano Machado/CrusoéPassageiro que disse "o STF é uma vergonha" para o ministro foi detido pela PF em 2018

Ricardo Lewandowski e a treta do avião

Um incidente menor na carreira do agora ex-ministro do STF antecipou, em germe, as contradições dos barulhentos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes  
13.04.23

Ricardo Lewandowski aposentou-se do Supremo Tribunal Federal. Indicado para a corte pelo mesmo presidente que indicará seu sucessor, o agora ex-ministro proferiu 200 mil atos judiciais em seus 17 anos na casa. Sua atuação “garantista” no julgamento do mensalão e em casos da Lava Jato dá farta matéria para discussão, mas não vou por essa seara. Quero falar de um episódio menor na carreira de Lewandowski – um caso pitoresco que oferece pistas interessantes sobre o modo como os ministros percebem a si mesmos e sobre como são percebidos por seus opositores.

Em 4 de dezembro de 2018, uma terça-feira, Lewandowski tomou um voo comercial de São Paulo para Brasília. Antes da decolagem, foi interpelado por um passageiro: “Ministro Lewandowski? O Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês”. A resposta do então ministro do STF foi dura: “Vem cá, você quer ser preso?”. A ameaça seria cumprida: ao desembarcar em Brasília, o passageiro foi detido pela Polícia Federal, para prestar depoimento.

Esse negócio de assediar figuras públicas em situações privadas é, para usar um termo suave, uma cretinice (já tratei do tema em Sobre a moda de acossar políticos, texto publicado em novembro do ano passado). Mas a PF teria de aumentar exponencialmente o número de agentes se fosse interrogar todo mundo que age como um cretino neste país. Que crime, afinal, cometeu o passageiro? Na época, a assessoria do ministro mandou uma nota à imprensa argumentado que “o passageiro começou a injuriar o STF como instituição, não pessoalmente ao ministro Lewandowski”. A polícia, portanto, teria sido chamada para defender uma delicada instituição do Estado brasileiro, que se põe trêmula ao primeiro xingamento de um guerrilheiro de poltrona de avião.

Três meses depois, o STF abria o inquérito sobre fake news, que mais tarde se fundiria ou confundiria com o inquérito dos atos antidemocráticos. Sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito logo tornou-se mais um assunto que divide as pessoas da sala de jantar: o tio reaça acha que vivemos sob a ditadura do Supremo, o sobrinho antifascista diz que Xandão é a última barricada da democracia. Os inquéritos de Moraes não foram montados em torno de fantasias: os gabinetes do ódio, as usinas de mentiras divulgadas por WhatsApp, a pregação e a ação golpista – tudo isso realmente existia. Mas com muita facilidade a crítica dura mas civilizada foi colocada sob o conceito mal delineado de “ato antidemocrático”, e o jornalismo embasado em fatos foi tomado por fake news.

Esses problemas já apareciam, em germe, na atitude de Lewandowski no avião. Já vemos ali a crença cega na intimidação policial como modo de coibir ataques – reais ou percebidos, perigosos ou pífios – às instituições democráticas (especialmente ao STF). E também a falta de distinção fina para identificar o que da fato constitui um “ataque à democracia“.

Por disposição pessoal, eu defenderia até o direito de propor o fim do STF (mas não, bem entendido, de tramar o fechamento da corte, nem de promover a depredação e a defecação em sua sede, como fez a Horda Canarinha). Liberdade de expressão, já ouviu falar? Mas só por hoje vou aceitar que o STF é uma frágil flor do Cerrado que fenece sob o bafo de barra de cereal de um passageiro da Gol. Seria o caso de perguntar, então, se a asserção “o STF é uma vergonha” constitui mesmo um ataque a essa fragilidade institucional. A resposta não é tão óbvia quanto parece.

Especula-se que Lewandowski possa ser substituído pelo advogado de Lula. Ou por uma jurista negra. Se Bolsonaro houvesse vencido a eleição, o sucessor do ministro aposentado teria perfil muito diferente. A composição do STF muda com as circunstâncias políticas. É preciso considerar, portanto, que “o STF é uma vergonha” pode ser um ataque não à instituição como um todo, mas à sua configuração do momento. De certo modo, o próprio passageiro circunscreveu sua crítica. “Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês”, disse ele. Vocês”, supõe-se, são os onze ministros que compunham a corte então. Para comparar com outra atividade que exige onze pessoas em campo: o torcedor que considera vergonhosa a atuação da seleção brasileira no Kuwait está criticando – ou atacando – apenas o time de Tite, não a seleção como “instituição”.

Desconsiderar essa distinção fundamental pode ser cômodo para os atuais ministros, que assim se dispensam de autocrítica. Pois a falta de confiança de tantos brasileiros no Judiciário bem pode ter sido cultivada pela inconstância da corte máxima em decisões cruciais como a que diz respeito à prisão após condenação em segunda instância. O caso de maior visibilidade pública que passou pelo Judiciário neste século tampouco ajuda a assegurar o cidadão da imparcialidade política da Justiça brasileira. Falo, claro, do julgamento de Lula. As idas e vindas do processo – da condenação em 2017 até a declaração de incompetência da vara de Curitiba em 2021 – são bizantinas. O caso semeou o descrédito no Judiciário nas duas trincheiras ideológicas: petistas acreditam que Lula foi preso para abrir caminho a Bolsonaro em 2018; bolsonaristas acreditam que Lula foi libertado para barrar o caminho de Bolsonaro em 2022. Suspeitas e desconfianças dessa monta não se desfazem pela mão dura da repressão.

O passageiro inconveniente no voo de Lewandowski é advogado. Chama-se Cristiano Caiado e em 2022 saiu candidato a deputado distrital em Brasília, pelo PTB. Não se elegeu: obteve só miseráveis 485 votos. Na campanha, usou a hashtag #STFéUmaVergonha.

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

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  1. Alguém aí me responda: por que a toga é preta? No império romano, que inventou o direito, era Branca, imaculadamente branca...

  2. Não há mal que sempre dure. Lewandowski foi estafeta do PT e de Lula no STF. Defendeu políticos e empresários com graves suspeitas de corrupção. Com certeza inclui-se entre os piores ministros do STF e que são responsáveis pela descrença popular na atual composição do STF. Já vai tarde. Aleluia.

  3. O charlatão Lewandowiski foi uma piada, principalmente, quando travestido de juiz, deu um jeitinho para não cassar os direitos políticos de Dilma após o impeachment, algo fora das regras .. mas ele pode …

    1. E mesmo atacado pelo corrupto que disse que o Impeachment foi golpe e ele que presidiu a sessão, não teve coragem de tomar uma atitude, e nem seus pares. O Xandão que gosta de instaurar inquéritos por qualquer coisa, nada fez. Essas atitudes do STF deixam dúvidas no ar.

  4. Neste país bananeiro nada é sério. Por que o STF fugiria à regra? A causa disso tudo é a natureza da maioria dos seus cidadãos, muitos analfabetos e ignorantes, outros indiferentes ao que acontece, e, pior de tudo, indivíduos aproveitadores, desonestos e mal intencionados.

  5. Ministros seguros de si e de suas decisões, e de consciência tranquila, se lixam pra esse tipo de manifestação e seguem a vida.

  6. Nossa Cleptocracia vem investindo pesado em formar a pior composição do Supremo Tribunal Federal Mas não a nada aqui no Brasil que não possa piorar... - Prisão em segunda instância já! - Voto distrital misto Já!

  7. Ocupar um cargo como o de ministro exige um sentido de responsabilidade e uma humilde que é impossível de extrair com esse sistema de nomeação que prima pela promiscuidade e ultraje. Assim, o resultado não são ministros discretos, imparciais e com absoluto sentido da sua maiúscula responsabilidade, mas sim seres arrogantes, vaidosos, que não aceitam escrutínio, ostentando um poder quase totalitário. A reforma necessário do sistema judiciário deve começar logo pelo sistema de nomeação pro STF

  8. Os 11togados do stf são uma vergonha! Também é uma vergonha o Bolsonaro e a família. Manobraram para soltar luladrão, traiu todas as promessas da campanha de 2018, Fávio rachadinha recolocou Pacheco na presidência do senado com seu voto secreto. Enfim, o Brasil é uma vergonha

  9. Se fosse sério o STF não poderia ser indicado pelo presidente da República, e sim por meritocracia.. por carreira.. isso sim que dá vergonha viver num país onde as leis são somente para os pobres.

    1. Artigo corajoso, bem lembrado ,bem escrito como todos os seus artigos,Obrigada,

  10. c. O STF julga segundo as circunstâncias e os atores envolvidos. A Constituição? Ora, às favas a Constituição!

  11. Esse velho era realmente vergonhoso, parcial e incompetente igual ao chefe que o indicou! Já vai tarde. Mas sai um monte de lixo e no lugar certamente entrará outro!

  12. Serei breve por não querer perder tempo com lixo ... no caso o passageiro mentiu? se tem dúvidas perguntem ao povo e terão a dura resposta o STF que deveria ser o equilíbrio do Estado se tornou seu algoz e curador, isto leva o país ao cais e haverão consequências.

  13. Parabens a Cristiano Caiado, falou o que qualquer cidadão mesmo pouco esclarecido tem como certeza, que a composição do STF em sua maioria constitui uma verdadeira vergonha para o pais. Este Levandowsky então, macomunado com Renan Calheiros não caçar os direitos politicos da Dilma, o que dizer ?

  14. Se todos os brasileiros que questionam o STJ fossem presos não haveria cadeia suficiente para os verdadeiros bandidos: políticos e empreiteiros....todos soltos graças ao STJ...

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