Exército BrasileiroGeneral Dutra de Menezes resistiu três vezes à ordem dada pessoalmente pelo chefe do governo pelo telefone

A ditadura acabou, viva o califa

A exoneração do comandante militar do Planalto encerrou a submissão na democracia aos fardados, substituída pelo califado da gravata
13.04.23

Tudo indica que, até que enfim, a ditadura militar instituída no golpe de 1964 terminou. O marco histórico da publicação da exoneração do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes no Diário Oficial de terça-feira, 11 de abril de 2023, tornou a data histórica.

O general estava à frente do Comando Militar do Planalto no domingo 8 de janeiro. Como esclareceu com lucidez e precisão o jurista Joaquim Falcão, da Academia Brasileira de Letras, o vandalismo dos bolsonaristas revoltados com a posse do vencedor da eleição de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, não foi uma tentativa golpista, mas, sim, um golpe malogrado.

Segundo relato publicado no O Estado de S. Paulo, no dia e no teatro dos acontecimentos, o general resistiu três vezes à ordem dada pessoalmente pelo chefe do governo pelo telefone. Ou seja, prender os vândalos que saquearam as sedes dos três Poderes da República. Dutra telefonou ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Marco Dias, e recebeu a ordem do presidente, que estava ao lado deste, de prender os “criminosos”. “Vai dar merda”, respondeu Dutra a Dias naquela linguagem suja de cantina. “O presidente está aqui do meu lado. Fala você pra ele“, respondeu Dias. “General, são todos criminosos e têm de ser presos”, disse Lula a Dutra, que respondeu: “Concordo plenamente com o senhor, mas essa é uma operação complexa, que precisa de planejamento”. Ao ouvir a ordem repetida, o general disse a Lula que era melhor adiar a prisão dos golpistas. “Concordo com o senhor, mas, até o momento, nós só lamentamos danos materiais, ao passo que, se entrarmos sem planejamento, vai morrer gente”. Lula retrucou: “Isso seria uma tragédia, general. Cerque todo mundo. Não deixe ninguém sair e prenda todo mundo amanhã.”

O general Dutra ficou afastado do comando desde 16 de fevereiro, mas só deixou oficialmente o posto um dia antes de seu depoimento à Polícia Federal (PF), previsto para a quarta-feira 12 de abril, quando 89 militares do Exército estavam convocados para prestar depoimento sobre o golpe que gorou. Os depoimentos desde o início da manhã na Academia Nacional da PF. A exoneração seguiu o processo iniciado por Lula com a substituição do general Júlio César de Arruda pelo general Tomás Paiva no comando da Força. A troca sucedeu à escolha de um civil, José Múcio Monteiro, para chefiar o Ministério da Defesa, repetindo uma prática que vinha sendo seguida desde a democratização, mas que foi abandonada pelo antecessor do ex-sindicalista no Planalto, o capitão Jair Messias Bolsonaro, cujos asseclas perpetraram o golpe fracassado, contando com uma adesão que não saiu das casernas, como esperado.

Embora a democracia da virada do século tenha mantido a prática democrática civil da alternância de poder, desde a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney na chefia do Executivo, os comandantes das Forças Armadas adotaram a tática de celebrar o golpe como se tivesse sido uma contribuição absurda às instituições. Durante a tentativa de instalar um regime autocrático na transição do mandato de 2019 para 2023, contudo, o dito Primeiro Magistrado preencheu cargos executivos com oficiais da ativa, engordando-lhes os soldos, como pretendia fazer em sua militância sindicalista ao longo de 30 anos na Câmara dos Deputados.

Vítima da ditadura, que lhe cassou o mandato de presidente de sindicato por ter liderado uma greve, o mesmo Lula, que agora enquadrou os milicos, fez ouvidos de mercador às pregações da caserna. Assim como Collor, Itamar, Fernando Henrique, Dilma e Temer. A radical polarização entre direita estúpida e esquerda extrema durante a disputa eleitoral ao longo de 2022, contudo, permitiu ao vencedor, enfim, sanar essa ferida aberta da contaminação golpista de farda e coturno.

Para alívio da nação desarmada, as comemorações da derrubada de Goulart limitaram-se aos círculos militares, onde oficiais de pijama choraram pelo leite derramado. Com o apoio de generais da reserva, caso do ex-vice Hamilton Mourão, cujo mandato no Senado por legítima eleição popular não permite aventuras golpistas.

Resta agora chorar a concentração do poder parlamentar, cada vez mais sólido e cínico, sob o comando desarmado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, chefe do Centrão e agora patrono do bloco de 175 nada nobres pares para manter ignomínias como orçamento secreto. Enquanto o chefe do Executivo, acompanhado do presidente do Congresso Nacional, prestigiava a posse da companheira Dilma no Banco do Brics, as ordens do dia do passado passaram a circular sob a égide de 175 deputados do PP de Lira e mais PSDB, Cidadania, Solidariedade, Patriota, Avante, PSB e PDT. Pois é. A ditadura militar acabou, mas o califado dos marajás matando pobretões de fome está vivo e fortíssimo. Nem esperou Lula voltar…

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Acredito que o General estava certo : se houvesse baixas, mortos ou feridos, ninguém assumiria a responsabilidade e tudo recairia nas costas de quem executou a ordem. E ainda diriam : mas o senhor tem experiência no assunto, por que não nos alertou? Parabéns por ter resistido e feito o certo no dia seguinte sob a luz do dia e com os ânimos mais abrandados.

  2. Vivi a época dos militares. As escolas públicas, do primário, tinham , boa merenda, consultório de dentistas, ótimos professores, em geral ótimas escolas, tanto no primeiro grau, quanto no segundo, e tambem no colegial, e no técnico. Rico estudava em colégio da rede pública, que era melhor. Bandidos tinham medo de polícia, e terroristas e baderneiros comunistas tambem. e hoje????

  3. Muito bom seu artigo. Mas, é triste porque nos faz refletir sobre a falta de respeito com a população de idio.tas. Quem está no Planalto se utiliza do povo que fica sonhando com seus mártires, e desejando vinga.nça a quem tirar deles o seu Mito, Deus, Cristo reencarnado. Precisamos mais do que educação de qualidade, colocar leis e parâmetros para definir quem pode ou não ser candidato. Precisam comprovar competências que atestem sua qualidade para assumir espaços de comando de uma nação.

  4. c. A ditadura militar acabou. Em seu lugar, entra a ditadura do amor que, para se firmar, precisa calar o povo, censurando-o, enquanto afana seus tostões. Agora é a vez do amor (à propina, a ditaduras amigas do amigo). Às favas a moralidade!

  5. Enganam-se redondamente os tolos que imaginam que a nomeação de um capacho para o comando vai mudar alguma coisa no Exército que disciplinado silenciará mas jamais será cooptado pela quadrilha para transformar o país numa ditadura clepto-comunazista ou em qualquer outra como é óbvio objetivo do "mito" da vez e quem sobreviver verá.

    1. Ditadura, nem sempre usa farda, ledo engano.Temos exemplos por todo o Mundo.

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