Agência BrasilLula recebe o presidente chinês Hu Jintao no Brasil, em 2010

Negócio da China

País asiático consegue uma produtividade maior e preços menores, enquanto brasileiros sofrem com maluquices tributárias
13.04.23

Ao focar em taxação de e-commerce e outros casos específicos, o governo sinaliza que já perdeu a batalha pela reforma tributária antes mesmo de ela começar.

Foi em 12 de novembro de 2004 que o então presidente Lula, em seu primeiro mandato, reuniu-se com o presidente chinês Hu Jintao. Dali, sairia uma importante parceria comercial, ampliada após um reconhecimento pelo Brasil de que a China era uma “economia de mercado“.

Na teoria, ser uma economia de mercado significa que a produção é organizada de maneira livre, obedecendo princípios de oferta e demanda. Trata-se portanto de algo diametralmente oposto ao que a China pratica.

O gigante asiático possui uma economia planificada, com o governo promovendo seus planos “quinquenais“, que direcionam os rumos que o Partido Comunista Chinês pretende dar ao país.

Esse reconhecimento como “economia de mercado” ainda é tema de disputa entre EUA e China, além dos europeus e japoneses que também relutam em reconhecer a economia chinesa como um “competidor normal” no jogo de mercado.

Para efeitos concorrenciais, o status de economia de mercado implica em enormes dificuldades para adoção de medidas antidumping. Na prática, ao reconhecer que os preços chineses são formados de maneira correta, respeitando oferta e demanda, além de remunerar corretamente todos os agentes envolvidos, o Brasil atou as mãos da sua própria indústria.

Pode-se dizer que foi uma troca justa, afinal, a corrente de comércio entre Brasil e China, a soma das importações mais exportações, saltou US$ 8 bilhões em 2004 para US$ 150 bilhões em 2022.

A expansão da economia chinesa foi grande responsável pela criação pelo Brasil de reservas cambiais na casa de US$ 300 bilhões. Nos tornamos após esse acordo um grande parceiro comercial, fornecendo alimentos e minério para a transição chinesa entre o campo e a cidade.

Passadas quase duas décadas, as mudanças foram inúmeras. De lá pra cá, a economia chinesa cresceu de um PIB de US$ 1,95 trilhão para US$ 17,7 trilhões, chegando a ultrapassar a economia americana quando considerada a paridade do poder de compra.

A corrente de comércio entre os dois países foi aprimorada e uma grande inovação se tornou banal: o comércio eletrônico.

Se em 2004 todo o comércio entre os dois países equivalia a US$ 8 bilhões, agora este é o total de importações brasileiras de “pequeno valor“.

Como qualquer país, o Brasil possui um limite de importações que podem ser feitas entre duas pessoas físicas. Por aqui  este valor é de US$ 50.

Em 2013 essas importações somaram R$ 430 milhões, chegando a R$ 40 bilhões em 2022 (ou US$ 8 bilhões). Não é nem de longe uma questão pequena.

Justamente por não se tratar de algo pequeno, Haddad viu neste segmento uma oportunidade para colocar em prática a famosa citação de Ronald Reagan, segundo o qual “a visão do governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, taxe-a; se continuar em movimento, regule-a; se ela parar de se mover, subsidie-a”.

A expectativa é de que essa taxação poderia arrecadar algo como R$ 8 bilhões, um número factível, ao contrário de boa parte das outras promessas de ajustes contidos no tal arcabouço fiscal.

De maneira simplificada: o imposto faz sentido, mas a discussão é, ou deveria ser, mais ampla.

As três gigantes asiáticas (convém lembrar que a Shein possui sede em Hong Kong enquanto a Shopee é de Singapura), possuem práticas questionáveis de burlar a legislação brasileira.

Segundo o CFO da Renner, em uma apresentação em um evento organizado pelo BTG, produtos vendidos pelas empresas asiáticas que se utilizam dessa brecha para importações sem imposto costumam ficar até 60% mais baratos que os produtos nacionais.

Ao aplicar a taxação, os produtos ainda seriam cerca de 15% mais baratos do que os nacionais, pois tais empresas não possuem custos de lojas físicas.

A discussão, portanto, deveria ser outra: como chegamos ao ponto de nos tornar tão ineficientes que apenas uma taxação de 60% “iguala” a disputa?

Usando o senso comum, há quem atribua ao “trabalho escravo“, quase sempre associado a China e outros países asiáticos, mas essa não é lá uma explicação.

Entre 2005 e 2016, o salário médio de um operário chinês saiu de US$ 1,2 para US$ 3,6 por hora. No mesmo período, o salário de um operário brasileiro saiu de US$ 2,9 para US$ 2,7. Em outras palavras: nossos trabalhadores da indústria ganham menos do que os chineses há um bom tempo.

Esse custo crescente com mão de obra tem levado a China a perder indústrias para outras nações asiáticas, como o Vietnã. Ainda assim, mesmo pagando melhor seus funcionários, a China consegue uma produtividade maior e preços menores.

Uma das razões é o tema que o governo ignora ao focar nestes ajustes de momento: a tributação.

Nosso sistema tributário induz as empresas a produzirem não de forma a serem mais produtivas, mas sim de maneira a se enquadrarem em benefícios tributários.

Como cita o economista Marcos Lisboa, o Brasil se acostumou a achar normal que uma moto com peças fabricadas em São Paulo seja montada no Amazonas e então levada para ser vendida em São Paulo. Temos “a moto 0 Km mais rodada do mundo” por maluquices tributárias.

Criamos por aqui uma única zona franca, contra ao menos 13 na China. Por lá, as regiões econômicas especiais situam-se em cidades portuárias, visando à  exportação de produtos. Por aqui, no meio da floresta mais densa do planeta. E esse, claro, é apenas um dentre inúmeros exemplos.

Tudo isso deveria estar dentro de uma discussão mais ampla, a de uma reforma tributária.

Ao escolher taxar produtos e serviços individualmente, sem estabelecer regras gerais que sejam claras e de fácil entendimento, o governo sinaliza que já perdeu antes mesmo de começar a batalha pela reforma tributária.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. O governo brasileiro não tem interesse algum em elevar a competitividade da indústria nacional. O PIB industrial do Brasil decresce há mais de 20 anos, inclusive durante os governos ptistas. A meta é somente atrecadar cada vez mais para cobrir os déficits do governo.

  2. Ao invés de se preocuparem com taxação, deveriam sim proibir tal comércio, pois muitos produtos são piratas, como exemplo as camisas de times de futebol, é só olhar o preço.

  3. Competitividade se dá reduzindo a carga tributária e burocracia brasileiras, e não taxando o que vem de fora. Nessa toada, o próximo passo será proibir, e voltaremos aos tempos da Lei de Informática.

  4. Perfeito. E é feio demais ver o empresariado brasileiro recorrer ao seu poder de lobby junto ao governo, pra conseguir uma reforma tributária, investimento em infraestrutura ou novos acordos comerciais que abram portas a outras mercados, mas sim protecionismo e subsídios setoriais. Rendem-se ao menor esforço possível. Perdemos nós

  5. O Chi Gin Pinga foi lamber as bolas do Xi Jinping cometendo tantos erros que o próximo governo terá um trabalho imenso para consertar a bagunça.

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