Flickr/Francisco AnzolaAnthony Bourdain sobre São Paulo: “É como se Los Angeles tivesse vomitado Nova York”

O problema da concentração urbana no Brasil

O contraste entre o campo e a cidade é gritante. Ainda hoje o nosso país precisa tomar posse do próprio território
13.04.23

Já escrevi sobre o problema da concentração habitacional: como edifícios ou conjuntos habitacionais se tornaram tão populosos quanto pequenas cidades sem entretanto ter uma estrutura administrativa equivalente, o que causa problemas de todo tipo não só para os moradores, mas para a cidade ao derredor. Mas existe um problema maior e anterior, que é a concentração populacional nas cidades brasileiras.

A partir de 1950, com a industrialização, o Brasil passou por um processo de urbanização e metropolização. As cidades não pararam mais de crescer de modo drástico. Boa parte da migração para as cidades foi motivada por questões econômicas.

São Paulo, a maior cidade brasileira, é também a maior cidade do hemisfério sul, em densidade demográfica e relevância econômica. Certa vez o chef Anthony Bourdain citou uma frase pouco lisonjeira sobre São Paulo: “É como se Los Angeles tivesse vomitado Nova York”.

Para um brasileiro que viaja ao exterior – especialmente aos Estados Unidos – chama atenção o desenvolvimento econômico nos subúrbios e nas áreas rurais. Na Europa é possível reconhecer as redes de conexões – por vezes tão antigas – entre cidades pequenas, médias e grandes.

No Brasil, o contraste entre o campo e a cidade é gritante. Ao redor das grandes cidades brasileiras existem favelas e subúrbios, sendo que muitos desses subúrbios são favelizados.

Em geral, saindo das cidades, o comércio e os serviços são precários, assim como as estradas e os transportes. A vida cultural, nem se fala. E mais, diferente dos países desenvolvidos, onde se veem áreas cultivadas por todos lados, no Brasil o que mais se vê é simplesmente mato.

A impressão é de que ainda hoje o nosso país precisa tomar posse do próprio território. Essa foi a motivação da construção de Brasília, um projeto que remonta à época do império, com o mesmo objetivo: proteger o território brasileiro, interiorizar a população que era ainda mais concentrada no litoral do que é hoje.

E é preciso que se diga: Brasília atingiu bem esse objetivo. A cidade é um belo exemplo de fusão entre campo e cidade — o que estava já no projeto concebido por Lucio Costa, com suas quatro escalas, uma delas chamada de bucólica, com gramados, bosques, passeios, transformando a cidade numa cidade-parque.

Vivemos num tempo em que a tecnologia conecta as pessoas e tem sido cada vez menos necessário estar todo mundo junto numa cidade. Talvez isso venha a possibilitar um retorno ao interior e a exploração do território brasileiro. No livro A Cidade Brasileira, Antonio Risério cita o historiador francês Fernand Braudel, que diz que a cidade é “uma concentração inusual de pessoas, uma anomalia do povoamento”.

Nesse mesmo livro, Risério cita um estudo publicado na revista Science sobre o urbanismo pré-colombiano na Amazônia, que revela uma forma específica de planejamento e organização espacial da vida humana. “Vivendo em áreas alagadas, aqueles milhares de índios do Alto Xingu construíram povoações cercadas por muros, cavaram valas defensivas, abriram estradas, fizeram pontes e elevações do terreno”, diz Risério.

Os pesquisadores que escreveram o artigo, liderados por Michael Heckenberger, aproximaram essas vilas amazônicas à garden city de Ebenezer Howard, concebida para ser “uma combinação sadia, natural, econômica, da vida da cidade com a vida no campo”. Quem sabe um dia nesse país possamos trazer o exemplo da nossa pré-história amazônica, o exemplo das cidades-jardim e de Brasília, “cidade propícia à especulação intelectual e ao devaneio” (como está escrito por Lucio Costa no projeto da cidade), e propor um novo modelo de desenvolvimento que integre campo e cidade.

 

Josias Teófilo é cineasta e jornalista

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  1. Não faz sentido isso! A revista tem uma série de colunistas bons em outras áreas. Procurem o Raul Juste Loures pra escrever sobre cidades. Ou até o Adriano Paranaíba. Leiam o blog Caos Planejado cheio de artigos e na vanguarda do urbanismo

  2. Quase o oposto do que diz o excelente Raul Juste Lores ( SP nas alturas ) . Deveriam bater um papo! ( sinceramente. sairia coisa boa )

  3. Brasília é uma cidade ruim pra se deslocar e cara demais pra se viver. E o interior, ao menos no sul e sudeste, que conheço, hoje oferece muita oportunidade e qualidade de vida que antes não existiam.

  4. "Nóis semo subdesenvolvido mano..." Temos filhos sem a menor condição de sustenta-los com amor e dignidade, lançando-os ao mundo a sua própria sorte, ou por ter nascido aqui no Brasil... ao seu próprio azar... Fazem 1.500 anos que estamos investindo no nosso subdesenvolvimento...

  5. Alguém lucra com a concentração? Serão as empreiteiras com a valorização do metro quadrado nestes locais? Não temos trens para transporte em massa. Será que a indústria automobilistica ganha com isto? Os diversos governos sabem das necessidades. Porque nada fazem? Será a corrupção? Ou será simplesmente um grande caos aonde todo mundo quer se dar bem e acaba todo mundo se dando mal (ou pelo menos a maioria que não tem poder) . Nos falta visão de sociedade? Somos um bando de indivíduos egoístas?

  6. A atual gestão na cidade de São paulo, é um exemplo claro da irresponsabilidade pela concentração urbana, estão acabando com barros residencias tradicionais. Prédios em cima de prédios, trata-se da favelização de uma grande cidade

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