Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilLula chegou perto do panteão mitológico onde estão Getúlio Vargas e JK, mas tinha um Moro e uma Dilma no caminho

Entre governar e se tornar um mito

Lula terá sempre a seu favor o fato de ser um caso típico de “Cinderella man”, mas no atual mandato tem contra si muitas circunstâncias adversas
13.04.23

Conta-se em uma das biografias de dom Pedro 2º que na sua viagem de exílio para a Europa, em 1889, quando o navio deixava a costa brasileira para cruzar o Atlântico, alguém teve a ideia de um último gesto simbólico. Um bilhete com a palavra “SAUDADE” foi escrito e amarrado ao pé de uma pomba que, após solta, retornaria ao continente. No entanto, por alguma razão, a pomba não conseguiu realizar seu voo, caindo no mar pouco adiante e morrendo afogada diante de atônitos observadores.

Este trecho melancólico da história serve de vaticínio para o Brasil, o país que não conhece a figura do herói, aquele indivíduo cujo atos ecoam pelos tempos, contribuindo para a formação da personalidade do seu povo, servindo-lhe de referência. Em termos de comparação, os EUA possuem os “founding fathers” — John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, John Jay, Thomas Jefferson, James Madison e George Washington — e, depois, uma longa lista de presidentes icônicos, como Abrahan Lincoln, Theodore e Franklin Roosevelt e JFK, entre outros.

Isso não significa que não haja no Brasil líderes com legados. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) — que se classifica como um “presidente acidental”, referindo-se à forma intempestiva como foi escolhido ministro da Fazenda por Itamar Franco (1992-1994) —, alçado ao poder após o sucesso do Plano Real, dizia que viveu para desmontar o aparato estatal que Getúlio Vargas havia montado durante o período do Estado Novo (1937-1945) e que se inspirava em Campos Salles (1898-1902), responsável por um arranjo federativo que encerrou uma era de conflitos locais ameaçadores da integridade do território nacional desde o período colonial.

O legado, portanto, tem um aspecto institucional, material. Outra coisa é a herança — de uma natureza muito mais etérea, quase espiritual, mas que tem enorme importância na política, que trafega no campo do simbólico e que, especialmente no caso de lideranças carismáticas, confunde a dimensão do estadista com a pessoal. Não raro, a segunda se torna mais importante que a primeira, com a reputação e a memória construídas a partir de avaliações não racionais.

Toda essa introdução foi para chegar a Lula e à sua herança, passada e futura. Na dimensão do simbólico, ninguém chegou tão perto do panteão mitológico no qual, pode-se dizer, estão sentados o próprio Vargas — real referência do petista — e Juscelino Kubitschek, este pela maneira com que mexeu com o imaginário das pessoas. Detalhe: para entrar aqui, não há uma pontuação de resultados, conduta, desafios enfrentados, etc. A saída apoteótica do governo em 2010 e o modo como foi retrarado em filmes, biografias e inúmeras homenagens, inclusive no exterior (embora o Nobel da Paz não tenha vindo), habilitaram Lula a aspirar à condição de mito.

Mas, e no Brasil há sempre um mas, havia pelo caminho um Sergio Moro — outro anjo decaído — e uma sucessora de competência duvidosa. Dilma Rousseff não percebeu que, ao tentar implementar sua própria personalidade na gestão, estava questionando a reputação de Lula. A rápida deterioração da economia e das condições políticas fizeram com que a distância entre o Olimpo e a prisão em Curitiba pudesse ser percorrida em um pulo. É impossível projetar o efeito de tamanha virada na cabeça de um homem que, como afirmou em discurso na sua “cerimônia de detenção”, feita no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, já havia sublimado, deixando o mundo dos mortais para se tornar “uma ideia”.

O retorno à Presidência ofereceu a Lula uma outra oportunidade de retornar seu caminho rumo à eternidade (em vida, diferente de Vargas). Mas é impossível saber o quanto essa nova chance pesa sobre seus ombros e, mais importante, o quanto isso afeta as suas decisões de governo. Se o presidente se preocupa realmente com o seu lugar na história, e há indícios de que sim, deve ser um fardo pesadíssimo de se carregar.

E se, ao final de quatro anos, analistas sugerirem que o PT teve sorte entre 2003 e 2010? E se Fernando Haddad falhar? E se o Congresso não for subjugado? E se os grupos identitários não entenderem a escolha do seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, que é branco, homem e hétero, para a vaga do STF? E se reagirem mal quando perceberem que a próxima vaga já está empenhada para outra figura com o mesmo perfil? E se o mundo passar a tratar Lula como alguém fora do seu tempo? E se Lula não vencer a reeleição? E se?

Lula terá sempre a seu favor o fato de ser um caso típico de “Cinderella man”, alguém que conseguiu deixar sua posição humilde para se sentar entre os grandes. Talvez não exista narrativa que encante mais o público do que esta, contada em inúmeras fábulas e de diversas maneiras. Com o bônus de que, no Brasil, sua trajetória seja um baita consolo para a consciência nacional, sempre cheia de culpa pela incapacidade de resolver o problema da injustiça social.

Contra si, Lula tem muitas circunstâncias adversas, pouca confiança de quase metade da população, um mundo mais complexo, um entorno menos recheado de craques políticos, a velhice e a preocupação do legado, que tende a puxar para baixo a qualidade das suas decisões, especialmente no que toca ao desejo de colher frutos sem trabalhar para que eles amadureçam primeiro. Aliás, deve-se lembrar que nem os mitos gregos controlavam seu entorno, sendo arrebatados independentemente de seus poderes e habilidade.

Por fim, o poeta, que é quem observa e escreve a história, não costuma ser generoso quando se trata de escrever a história do Brasil. Estão aí a pomba de dom Pedro 2º e o destino da sua última mensagem para seu país, que provavelmente terminou na barriga de um peixe.

 

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. Lula sempre mostrou uma obcessão DOENTIA por aparecer. É uma doença mesmo. Talvez para compensar os profundos recalques que essa criatura foi colecionando pela vida. E com a sua posição sobre a guerra na Ucrânia, ele está atingindo com perfeição esse objetivo de se promover para o mundo. Mas, tamanha é a doença desse cidadão, que ele não dá a menor importância para as consequências dessa postura ao nosso país. Afinal, parece que o Brasil é apenas um brinquedo para ele.

  2. Excelente análise, perspicaz, inteligente e até generosa por vezes… mas, a síndrome CINDERELA MAN foi a maior sacada dos últimos tempos!

  3. Lula sonha em ser um mito. Como compará-lo a John Adams, Alexander Hamilton, James Madison, Jefferson, Washington, Franklin, homens íntegros, idealistas e puros com um corrupto, sem compostura, do naipe do Lula? Lula não tem senso do momento. Pensa que vai esconder da história os bilhões que roubou nos dois primeiros mandatos mais a roubalheira em Pasadena, Belo Monte e Comperj nos mandatos da Dilma. As palavras mito e estadista passam muito longe da biografia de Lula. Lula, trate de se redimir!

  4. Lula está completamente fora da realidade, ele se julga um líder mundial, digno do Prêmio Nobel da Paz. O presidente que lançou o "nós contra eles" quer ser digno de que? E agora apoiando Putin na guerra injusta e criminosa contra a Ucrânia? Tenha dó Lula.

  5. Se quase metade da população não acredita no sapo orelhudo, tem outra fatia bem grande que acredita. Infelizmente é formada pelos pobres nordestinos dos sertões, que não sabem ler, não tem em tem acesso a informação e são incapazes de estabelecer uma crítica sobre a atuação do seu Mito. Tá certo que Bozo também tem esperança de ser mitificado, e olhe que seus eleitores não são burrinhos não, e na maioria nem pobrezinhos são. Para resumir, acho que a Banania não tem solução.

  6. Lula jamais será um mito com uma capivara de 200m! . Para ser um mito não pode destilar ódio, raiva, vingança. Por representar o Brasil, tem que respeitar a liturgia do cargo. Um presidente para ser estadista precisa mostrar retidão de caráter, mostrar sabedoria e cultura e não pode mentir. Exemplos não faltam: Theodore Roosevelt, os "Founding Fathers", Angela Merkel, Margareth Thatcher, Conrad Adenauer, Winston Churchil, Emanuel Macron, Olaf Scholz, Shimon Perez, IYitzahak Rabin, Golda Meiretc

  7. Mito? Lula foi condenado pela maior corrupção de que se tem notícia, tal corrupção foi provada, julgada em 3 instâncias por diferentes tribunais e juízes do País, foi julgado, condenado e preso. É uma tragédia que tenha voltado a ser eleito. É uma vergonha para os brasileiros. As muitas empreiteiras envolvidas devolveram estimados R$129.000.000.000,00! Só na Petrobrás foram 6 bilhões d reais devolvidos p/ o tesouro. Com tanto dinheiro disponível comprou a liberdade e reeleição. Viva a Lava Jato!

    1. Magnifico,,,Magnifico... Magnifico... Obrigada Leonardo Barreto.....

  8. Esse manguaça é muito pretensioso, nesse momento só o que ele pode tentar... é jantar a Janjanta na cama de 65 mil reais! Te nho minhas duvida se ele consegue... Acho que até nisso ele L é um in o.petente, agora!

    1. Janja é um depositório de po rr@. Ascendeu nas visitas íntimas em Curitiba e agora se sente líder política

    2. Lula está em grave crise de identidade não sabe se é o Maduro ou o Fernandez ...... já a Janja quer ser a Imelda Marcos e Mme. Pompadour numa só ... adivinhem quem pagará a conta?

    3. Não exijam tanto do Lula, a cama só custou 42 mil! A nossa sorte, e talvez a da Janja, é q existe Viagra. Contam muitas histórias por aí - será fake news? - q muitos velhotes batem a caçoleta depois de ingerirem a danada. Não há coração q aguente! Sorte a nossa q nos livraremos de + um "mito", sorte a da Janja q de "zé ninguém", ex amante enquanto Marisa ainda era viva, passa a receber pensão de viúva de presidente. Por favor, comprem uma cama de 100 mil pro Lula mostrar sua potência de 20 anos!

  9. Um povo que cultua "mitos" apenas mostra o tamanho de sua ignorância e deseducação e este aí nem no sofá de $65mil e na camona de $42mil será mito a nem engolindo canja turninada.

    1. Pensavam que ficaria nisto? vejam que o nosso clone de Imelda Marcos cm Mme, Pompadour quis comprar uma caminha de apenas $200mil mas algum aspone de bom senso impediu ..... https://www.bing.com/search?q=painel+de+coontrole&aqs=edge.1.69i64i450l8.1383953478j0j4&FORM=ANAB01&PC=EDGEDSE

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