PTPetistas: indignação com editorial da Folha de S. Paulo

A oposição petista a Bolsonaro começou só agora

Nos quatro desastrosos anos do governo anterior, o PT demonstrou um empenho meramente protocolar pelo impeachment. Agora, no entanto, persegue qualquer sombra de bolsonarismo
06.04.23

Petistas e simpatizantes andam revoltados com a Folha de S. Paulo. Ficaram enfurecidos com o editorial “Bolsonaro de volta”, publicado em 31 de março, um dia depois do retorno do ex-presidente ao Brasil, encerrando uma fulgurante temporada de visitas a restaurantes brasileiros e shopping centers na Flórida. O texto traz algumas especulações sobre o lugar que Jair Bolsonaro ocupará a partir de agora na paisagem política nacional. A bronca dos petistas diz respeito só ao breve parágrafo final: “O bolsonarismo até poderia, se abandonasse a violência e o autoritarismo, liderar uma oposição saudável ao PT. Esse não é, infelizmente, o desfecho mais provável”.

A citação acima vem do jornal impresso. Mas a raiva petista foi atiçada sobretudo por uma versão preliminar do texto, publicada, por engano, na noite do dia 30. A frase final sobre o desfecho improvável não consta nessa versão. E em vez de se perguntar sobre a (im)possibilidade de uma “oposição saudável” conduzida pelo amigão dos joalheiros sauditas, o editorialista dizia o seguinte: “opondo-se ao petismo, o bolsonarismo pode dar vigor à política brasileira”.

Sobre essa primeira versão, tenho um reparo factual que jamais seria feito por um petista. Como assim “o bolsonarismo pode dar vigor à política“? Que conversa é essa de “pode“? Ora, o bolsonarismo já trouxe um novo vigor à política brasileira. Antes dele, nunca se havia visto, desde a redemocratização, uma direita tão ativa e entusiasmada. A Horda Canarinha que vandalizou Brasília no 8 de janeiro deu uma mostra e tanto de vigor. (Espero que esteja claro que isso não é um elogio. Vigor é, no fim das contas, uma qualidade moral e politicamente neutra. Pode-se fazer uma defesa vigorosa tanto da democracia quanto da ditadura.)

Na forma acabada e autorizada do editorial, o engano está na fantasia de um bolsonarismo que consiga reprimir sua violência e seu autoritarismo para se engajar na tal “oposição saudável” ao PT. Não se pede a um movimento patologicamente obcecado por armas que renuncie à violência. Não se sugere a um grupo sectário, reacionário e chauvinista que abandone o autoritarismo. Seria como tentar ensinar um tubarão a dirigir e ainda esperar que ele respeite a faixa de segurança.

Na minha avaliação, há equívocos nas duas versões do editorial. Mas atenção: ao contrário do que o furor petista quer nos fazer acreditar, esses equívocos não fazem do texto uma peça de propaganda bolsonarista. O editorial, afinal, arrola os enroscos de Bolsonaro com a Justiça e lembra que ele tem boa chance de ser declarado inelegível pelo TSE.

É interessante notar que essa vigilância revanchista sobre qualquer sinal de bolsonarismo é exercida por um grupo político cuja “resistência” ao governo Bolsonaro não foi assim tão vigorosa (me apeguei ao adjetivo do editorial renegado). Tivemos um presidente que incentivou desconfianças infundadas no sistema eleitoral e conduziu o país a uma catástrofe sanitária durante a pandemia, mas o PT nunca se empenhou de verdade por seu impeachment.

Se não, vejamos: em março de 2020, Lula disse, em entrevista ao jornal suíço Le Temps, que não se pode “derrubar” um presidente só porque não se gosta dele. Em maio, o PT revisou essa posição e deu apoio a um pedido de impeachment do PSOL, mas aproveitou para patrocinar também uma PEC estabelecendo que haveria novas eleições sempre que um presidente deixasse o cargo antes de três anos e meio de mandato – vale dizer, Bolsonaro só deveria cair se assim se abrisse a porta para Lula entrar. Em fevereiro do ano seguinte, Lula afirmou que era muito tarde para começar o processo de impeachment, pois 2022 já seria ano eleitoral. Ainda assim, houve manifestações pelo impeachment em outubro – mas sem Lula: ele alegou que não subiria no palanque porque, como primeiro colocado nas pesquisas sobre a eleição de 2022, e com possibilidade de vencer no primeiro turno, precisava mostrar “responsabilidade”.

Lula venceu as eleições – no segundo turno, e por pouco. Em discurso no dia da posse, suas críticas ao governo anterior deram a senha para que a torcida entoasse “sem anistia, sem anistia!”. Onde andava essa brava gente quando o político que eles não querem ver anistiado ocupava o Planalto?

No Clube da Saudade em que se converteu o terceiro governo Lula, cada relançamento de programas sociais do passado serve de oportunidade para atacar o desmonte promovido por Bolsonaro. Fica até a impressão de que Lula vem criticando o antecessor com mais frequência e intensidade nesses primeiros meses de governo do que nos quatro anos em que esteve na oposição. Os polos políticos do Brasil são, afinal, codependentes. O bolsonarismo vive do medo do comunismo petista, e o lulismo alimenta-se da ameaça do fascismo bolsonarista.

No segundo turno de 2018, foi um editorial do Estado de S. Paulo que revoltou os petistas. O título era “Uma escolha muito difícil”. Com o mais promissor nome da ilusória “terceira via” absorvido pelo atual governo, a dificuldade hoje está vislumbrar uma escolha diferente no segundo turno de 2026. Mas aguardemos.

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  1. Querido Jerónimo! Não existe esse negócio de “polos políticos codependentes” no Brasil. A única coisa que separa as duas manadas no país é a conversa fiada ideológica! Fora disso as semelhanças entre as “torcidas organizadas” do bolsonarismo e do lulapetismo são inúmeras! Os adjetivos como autoritário, ignorante, megalomaníaco, prepotente, antidemocrático, sociopático etc etc combinam tanto com Lula quanto com Bolsonaro!

    1. …….”Codependencia” aliás igual nas torcidas organizadas no futebol! Só faz sentido torcer pelo Flu porque existe um Fla! Parece que o ser humano precisa desse negócio do “nós contra eles”. No futebol pode fazer até sentido mas na política acaba ser um obstáculo que pode impedir o desenvolvimento de uma nação - ao ponto que todos saiam como perdedores!

    2. A codependencia sim mantém as duas manadas em pé! Isso é verdade! Um precisa do outro pra existir! Mas não se trata de “polos” na hora do vamos ver!

  2. A foto. A foto desta reportagem captou a alma ptista. Assustadores, intransigentes, “walking dead”. “Uma imagem vale por mil palavras”.

  3. Repito o que muitos assinantes já falaram aqui e continuam falando de vez em quando: Lula não existe sem Bolsonaro e vice-versa!

  4. Terceira via por aqui, só se for uma highway pra fora do país, sem possibilidade de retorno e sem pedágio. É o ódio retroalimentado que não deixa vigorar nenhuma alternativa sequer. Se na próxima eleição eu tiver de escolher entre o Capetã0 e o Luladr40, eu desisto, nem vou me dar ao trabalho de sair de casa. Talvez eu vá só pra anular o voto mesmo, pq ir no TSE pagar a multa tmb é um s4c0.

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