Foto: Divulgação/SP–ArteA SP-Arte 2023: "A arte não satisfaz necessidades, ela as cria"

Arte e mercado

A superioridade do capitalismo em relação ao comunismo é simples de explicar. No primeiro, a produção de bens culturais é feita por uma multiplicidade de empreendedores. No segundo, por burocratas
07.04.23

Entre 29 de março e 2 de abril aconteceu a 19a edição da SP-Arte, feira de arte e design que apresentou ao público mais de cinco mil obras de cerca de 2 mil artistas no Pavilhão da Bienal, projetado por Oscar Niemeyer, em São Paulo. 

A própria existência da feira enseja uma boa discussão sobre arte e comércio. Existe uma visão da esquerda muito difundida que contrapõe comércio e produção artística. Segundo o teórico marxista Theodor Adorno, a indústria cultural serve à classes dominantes e impõe uma padronização à produção artística. A consequência é a massificação das obras, já que o objetivo é apenas o lucro. A visão de Adorno é hoje um pouco obsoleta dentro da esquerda – mais preocupada em se apropriar da indústria cultural para as pautas identitárias do que em destruí-la – porém é bastante difundida até hoje. Não é raro ouvirmos que um artista ou uma banda “se vendeu”, que tal filme é “só um filme comercial”, e por aí vai. 

Acontece que é dentro do capitalismo que existe a maior diversidade na produção artística. Basta ver a variedade de obras dentro da própria SP-Arte: ali tem arte indígena, contemporânea, sacra, anti-religiosa, comercial, antiguidades, imitações de Pop Art, design, etc.

Nos países onde o marxismo foi colocado em prática a diversidades de correntes artística e de estilos é muito menor. Na época de Stálin chegou-se ao extremo de impor uma estética oficial que precisava ser seguida à risca, o Realismo Socialista. Só depois da morte de Stálin essas regras foram afrouxadas – o primeiro filme feito fora das regras do Realismo Socialista foi o Quadragésimo Primeiro, de Grigori Chuckhrai, em 1956.

No cinema, o sucesso comercial de filmes hollywoodianos financiou muitos filmes menores, mais artísticos, dentro dos próprios estúdios. Só que filmes experimentais ou “de arte” não são necessariamente melhores que filmes comerciais.  No tempo das diligências, Um corpo que cai, Rocky, O Poderoso Chefão, filmes que hoje são unanimidade da crítica especializada, foram feitos por grandes estúdios numa das maiores indústrias que o capitalismo já produziu. 

A superioridade do capitalismo em relação ao comunismo em termos de produção artística é muito simples de explicar. No capitalismo, a produção de bens culturais é feita por uma multiplicidade de empreendedores, alguns grandes, outros pequenos, que têm por objetivo atender ou criar uma demanda por bens simbólicos e culturais. No comunismo, um grupo de burocratas comanda toda a produção cultural, numa estrutura hierárquica cujo objetivo, no final das contas, é transformar tudo em propaganda do regime. 

Observe que o capitalismo não apenas atende a demandas culturais, ele também as inventa. O grande arquiteto Louis Kahn tem uma frase lapidar sobre isso. Ele diz: “A arte não satisfaz necessidades, ela as cria. O mundo nunca precisou de uma quinta sinfonia de Beethoven até que ele a compôs. E agora não podemos viver sem ela.”

Curiosamente, é exatamente a criação de necessidades que o marxismo critica. A história segundo Marx é a criação e recriação contínua de necessidades, e a libertação disso viria por meio do conhecimento da lógica de poder. 

Adorno fala do fetichismo da mercadoria e o aplica à arte. Para ele, nem mesmo jazz era música. Ele próprio foi compositor de música clássica, aluno de Alban Berg, e foi no campo da música que sua critica à cultura de massa foi mais contundente. Para ele, dentro do capitalismo, os indivíduos são forçados à conformidade em nome de uma suposta autonomia. A cultura de massa se impõe, reduzindo tudo ao comércio. 

Existe certa verdade nas afirmações de Adorno. De fato, há uma cultura de massa, e ela se impõe, reduzindo o horizonte imaginativo do espectador/leitor/ouvinte. E no capitalismo do século XXI há um caminho no sentido da monopólio que lembra cada vez mais os estados socialistas. Hoje, grandes empresas como Netflix, Amazon, Google etc, são maiores do que muitos estados nacionais, e detém nichos de mercado que são verdadeiros monopólios. O mercado não é mais o mercado capitalista puro, de livre concorrência, mas corporações supra-nacionais que impõem agendas. O resultado disso é a padronização e massificação das obras de arte como nunca antes se viu, nem mesmo Theodor Adorno pôde imaginar. 

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista, escritor e fotógrafo

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  1. O capitalismo tem muito mais cacife, condições e dinamismo para financiar arte do que o socialismo. Minha preocupação é que isso acabe fazendo prevalecer os Big Brothers, que têm mais público e dão mais retorno. BBC, rádios e tvs educativas têm programas de excelente qualidade, enquanto, com raras exceções, nas rádios e canais privados predominam programas religiosos, funk, breganejo. Pra quem gosta, tudo bem, mas e quem prefere música clássica ou jazz?

  2. Vinha pensando em comentar acerca da captura da arte pela direção mainstream dada pelos grandes financiadores das produções artísticas, mas o autor não se esqueceu disso, explicando melhor do que eu poderia no seu último parágrafo. Sem dúvida que a arte sobrevive melhor sob o capitalismo, mas também aqui enfrenta desafios para se desafiar e evoluir, não temendo desagradar o burocrata de plantão, mas o dono do livro de cheques.

  3. O Capitalismo é a natureza em ação, onde cada indivíduo luta por seus interesses, buscando primariamente sobreviver. A sociedade, por razões, a princípio humanitárias, tenta ordená-lo. Os poderosos tentam subverter essa ordem em benefício próprio. A Arte está inserida nesse contexto. A sociedade deve buscar formas de ordenar a ação dos indivíduos poderosos.

    1. Porque nós aprisionar , em conceitos ??que a maioria não entende pois são dirigidos a poucos em recanbolescas explicações , já ouviram ou viram o filosofar do aclamado Conde ???? Tive o previlégio ontem na JP não ficou uma só palavra e não entendi nada que deveria entender, “ que se dane diria ele , com certeza “deixe-nos pensar no livre pensar , MDM

    2. O capitalismo se baseia na competição da guerra por sobrevivência dos primórdios e assim evoluímos em grupos tomando carniça de grandes feras e hoje de certa forma fazemos o mesmo, já o socialismo por pretender criar um novo homem através da educação falhou por simples a mente é parte de um sistema competitivo e equilibrado e assim o futuro será um sistema bastante socializado mantendo as características do ser humano ... é a tecnologia não a ideologia que mudará o mundo e a humanidade.

    3. Sim, concordo. E para tanto, precisamos de muitos mais TEÓFILO! Parabéns!

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