Foto: reprodução/Twitter/Nicolás Maduro

É para comemorar ou para apavorar?

O PT não aceita a rotatividade democrática a não ser como resultado de um erro que tenha cometido por subestimar a força de seus inimigos
06.04.23

Não são bons os indicadores de realizações dos primeiros 100 dias de Lula, muito menos as expectativas suscitadas pela volta do PT ao governo.

Examinemos a sua proposta de responsabilidade fiscal desfibrada a pretexto de assegurar a responsabilidade social (que, de social, stricto sensu, não tem nada: ‘social’ não é sinônimo de ‘pobre’ ou de ofertar benesses para os pobres, mas vá-se lá dizer-lhes!).

É engraçado o que o PT faz com a cabeça dos trouxas. Haddad articula um plano que é uma licença para gastar e os trouxas dizem: “Ufa! Ainda bem. Imagine se fosse o plano da Gleisi. Menos mal. Saímos ganhando“. Fora o teto de gastos.

Sobre isso, convém responder três perguntas sugeridas pelo artigo do Felippe Hermes na Crusoé da semana passada (31/03/2023):

1) Não há mais necessidade de dois terços do Congresso para mudar, ou emendar, o teto (agora basta uma maioria simples)?

2) Não há punições reais pelo descumprimento do que foi estabelecido (descumprir o teto implicava em crime de responsabilidade fiscal – e agora)?

3) O governo não precisará mais ir ao congresso conversar quando quiser aumentar os gastos (já está autorizado a gastar mais, até determinado patamar)?

Vejam que as três questões acima são políticas, não propriamente “técnicas” (econômicas). Sobre as questões econômicas sugiro a leitura do artigo dos Marcos (Mendes e Lisboa): Regra fiscal: uma avaliação preliminar.

Celso Ming no Estadão de 31 de março asseverou: a “incerteza está em saber se na prática ele [o arcabouço fiscal] se sustentará, especialmente se os gatilhos funcionarão caso a meta fiscal não seja atingida. A impressão é a de que facilita os gastos, sem punição quando deixar de ser cumprido“.

No mesmo dia, Vinícius Torres Freire constatou na Folha que o plano é flexível demais. Lendo seu artigo só nos resta aduzir. Não há como fazer um plano de responsabilidade fiscal, de forma honesta, e comprovada, sem cortar gastos.

O editorial do Estadão de 1º de abril concluiu: “A proposta de arcabouço fiscal do governo aposta num crescimento irreal de receitas e não propõe uma única medida concreta para rever os gastos estruturais da União“.

Carlos Alberto Sardenberg, ainda no primeiro de abril, equacionou: “O novo arcabouço fiscal só funciona, mantendo as contas públicas em razoável equilíbrio, na ocorrência de três situações: 1) expressivo ganho de arrecadação do governo federal; 2) forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ou; 3) alta inflação”. Lendo seu artigo é impossível não suspeitar que, para seu plano dar certo, na ausência de um boom no PIB e não podendo aumentar a arrecadação, o governo torcerá pelo aumento da inflação.

Afonso Celso Pastore, em entrevista ao Estadão, um dia depois, alertou: “Se o governo aprovar esse arcabouço, ele obtém uma licença para aumentar gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não vai ser gerado… Essa equação só fecha com aumento brutal de carga tributária”.

Esse arcabouço fiscal do Haddad é o maior malabarismo já visto em economia como política disfarçada. Tudo indica que é para gastar mais e não para cortar gastos. Ah!… Mas é melhor do que nada – dizem os corifeus da imprensa. Vamos ver quem será punido quando a meta fiscal não for atingida.

Claro que Haddad sabia o que precisava ser feito. Mas não podia propor porque, além de não concordar, sabia que Lula e o PT querem gastar e não aceitariam. Então fez uma proposta política de mediação. Um teto de gastos é inaceitável para populistas? Vamos propor então um piso de gastos, que tal?

O que se espera de nós? Que gritemos “Viva o novo piso de gastos” (sem mecanismos efetivos de controle)?

Mas não para por aí. Pois lá vai agora o governo Lula desfigurar totalmente o Marco do Saneamento para beneficiar empresas estatais, que passam a poder ser contratadas sem licitação e sem metas a cumprir. Desde, é claro, que essas empresas estatais possam ser aparelhadas, como foram no passado. Por isso Lula é contra a Lei das Estatais. Porque quer mais seis centenas de cargos para nomear seus militantes da frente de esquerda e para comprar aliados.

O PT no governo vai também intervir na política de preços da Petrobrás. Vai – é só questão de tempo – se insurgir contra as agências reguladoras. Vai querer controlar o Coaf e a Receita Federal. E vai, é certo, continuar dinamitando a autonomia do Banco Central.

Lula e o PT não gostam da palavra autonomia. Preferem a palavra soberania. Nem desconfiam que não há equivalência entre soberania e democracia. Soberania é uma reminiscência autocrática (soberano dizia-se o monarca absolutista). Na democracia nenhuma instituição, nem mesmo um governo (querendo falar em nome do país) pode ser, a rigor, soberano. Império, só o da lei. Só a lei (democraticamente aprovada) pode ser soberana. Por isso que a democracia não pode ser confundida com soberania (de uma classe social – que os populistas chamam de “o povo” –, de um líder, de uma força política, de um governo, de um Estado-nação) para, supostamente, entregar mais-cidadania (para “o povo”). Mas essa é uma cláusula pétrea da “constituição” do neopopulismo lulopetista que não será alterada por nenhuma argumentação, por mais sólida.

A volta do PT não é apenas o resultado do processo de alternância normal em democracias. Como se sabe, o PT não aceita a rotatividade democrática a não ser como resultado de um erro que tenha cometido por subestimar a força de seus inimigos. Usa as eleições não apenas para chegar ao governo, mas para tomar o reter o poder. Se, depois do mandato de um petista, um inimigo ganhar as eleições desalojando o partido do governo, isso equivale a uma catástrofe. Pane geral no sistema! Algo deu errado, pensam os dirigentes e militantes do PT.

Cem dias é um tempo muito curto para estabilizar a velha forma de dominação petista, recauchutada para o período 2023-2026. No máximo, o governo vai listar algumas dezenas de realizações no varejo – alguma corretas, reconheça-se, conquanto cosméticas. Não terá nada de realmente novo a apresentar. Mas – eis o problema – terá muita coisa de velho para tentar nos empurrar goela abaixo.

Dentre essas velharias, destaca-se a retomada da vibe da Guerra Fria. Sobre isso, as movimentações do país no cenário internacional desenham um quadro pavoroso.

Além de não se aliar à coalizão das democracias liberais em defesa da Ucrânia, barbaramente invadida e agredida pelo ditador Putin, o governo brasileiro esconde suas solertes propostas sob a justificativa da paz.

O Conselho de Segurança da ONU rejeitou há uma semana uma resolução russa que pedia a criação de uma “comissão de investigação internacional independente” sobre a sabotagem dos gasodutos submarinos Nord Stream, em setembro do ano passado. O texto recebeu apenas três votos a favor (Rússia, China e Brasil), enquanto os outros doze países se abstiveram. A resolução russa era copatrocinada pela China e por países não membros do Conselho, como Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Nicarágua, Venezuela e Síria. Entenderam? Foi uma iniciativa das sete ditaduras mais asquerosas do planeta. Em nome da paz o Brasil apoiou essa enormidade.

Em nome da paz, o Brasil não assinou a declaração final da segunda edição da Cúpula da Democracia. Provavelmente não concordou com a exigência de que “a Rússia retire, imediata, completa e incondicionalmente, todas as suas forças militares do território da Ucrânia“. Mais de 75 países assinaram: as democracias liberais, é claro, e muitas democracias eleitorais. O Brasil mostrou para o mundo que se alinha melhor às ditaduras.

Em nome da paz, o ministro das relações exteriores do PT, Celso Amorim (sim, o outro – Mauro Vieira – é o “oficial” do governo), vai conspirar meio secretamente com o ditador Nicolás Maduro (que cometeu uma inconfidência e revelou o encontro, do contrário nem ficaríamos sabendo que ele ocorreu). Como se não bastasse, organiza em seguida outra missão cercada de sigilo para confabular com o ditador Vladimir Putin. E diz que não tem tempo nem de passar num voo de pássaro na Ucrânia, ao menos para ouvir a opinião de Volodymyr Zelensky, o agredido. Ora, isso não é neutralidade. O governo brasileiro se alinha ao bloco das ditaduras contra as democracias liberais. Qual a dúvida de que esse Amorim é, objetivamente, um agente da guerra fria que caracteriza a política externa (e interna) do PT?

Se esse é o legado dos 100 dias do terceiro governo Lula (e o quinto do PT), então não há mesmo nada para comemorar. Só para apavorar!

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. O "Shadow Cabinet" de Dallagnol vai mostrar din-din por din-din onde forem os gastos descontrolados que essa turma de la.drões pretende perpretar. Acho que Dallagnol vai ter muito trabalho e precisar o dobro de parlamentares para sua iniciativa ter eficácia

  2. Desastre total interna e externamente. Os ptralhas querem o poder e não governar assim como o sindicalista ( origem dos ptralhas ) quer quer emprego mas não quer trabalhar.

  3. Essa agenda obscura do PT a quem surpreende? No final, o que conta são o partido e a militância. O Brasil é um mero detalhe. Se não como se explica esse alinhamento com essas ditaduras asquerosas, quanto L elegeu como contraponto à ditadura de JB, que o PT segurou apenas para voltar gloriosamente.

  4. Com as forças armadas protetora institucional do Estado de quatro à quadrilha a única força capaz de deter e frear a quadrilha é o Congresso Nacional que tristemente vemos se render e se vender por emendas bilionárias entregando o país à sanha da ditadura clepto-comuno-fascista em clara implantação com a destruição dos valores cultivados há séculos transformando o povo em escravos do totalitarismo ladrão e assassino.

  5. O Bozo era muito, muito ruim, mas o PT consegue ser ainda pior - por ser solerte (o outro era tosco), é mais perigoso.

Mais notícias
Assine agora
TOPO