Swany ZenobiniAcampamento de afegãos no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo

‘O Talibã destruiu os nossos sonhos’

Um dia, o pneu do carro que levava minha esposa tocou em uma mina terrestre enterrada pelos terroristas. Felizmente, ela sobreviveu
21.10.22

Sou um afegão muçulmano, de 30 anos, da etnia tadjique. Depois de me formar em engenharia, trabalhei por quatro anos no Ministério de Terras e Desenvolvimento Urbano, em Cabul. Em 2021, casei-me com minha atual esposa. Nosso objetivo era iniciar um novo capítulo em nossas vidas. Queríamos ter filhos e que eles crescessem e estudassem em um ambiente feliz e seguro. Mas o Talibã destruiu os nossos sonhos. Em agosto do ano passado, quatro meses depois da nossa união, o grupo terrorista entrou na capital e tomou o poder com suas armas.

Ao chegar à minha cidade, os talibãs destruíram tudo, fecharam as instituições e roubaram o que puderam. Todas as pessoas da minha família perderam seus empregos — e eu não fui exceção. As repartições públicas foram para as mãos de membros da etnia pashtun. Muitos deles são paquistaneses que trabalhavam nas forças de seu país. Agora vivendo no Afeganistão, eles desprezam e insultam todos os que são de outras nacionalidades, incluindo os tadjiques como eu, os hazaras e os uzbeques. Os talibãs não têm qualquer respeito por democracia, liberdade ou educação. Tanto é assim que, nos últimos vinte anos, mais de 90 mil soldados afegãos foram mortos, e milhões foram vítimas de ataques suicidas e explosões de bombas.

Minha esposa, diplomada em medicina, também perdeu seu emprego com a entrada dos terroristas em Cabul. Ela trabalhava no Ministério de Saúde Pública havia cinco anos. Além de doutora, era ativista, pois lutava pelos direitos das mulheres. Ela sempre foi a voz das afegãs que queriam liberdade. Por ter condenado vários ataques do Talibã no passado, ela foi ameaçada várias vezes. Um dia, o pneu do carro que levava minha esposa tocou em uma mina terrestre enterrada pelos terroristas. Felizmente, ela sobreviveu, mas Nazife Ebrahimi, uma das colegas dela, que cuidava da saúde nas prisões, morreu.

Depois de conquistar o poder, os talibãs disseram para os jornalistas internacionais que as mulheres seriam respeitadas. Mas a verdade é que seus integrantes torturaram centenas de mulheres civis no Afeganistão. Todas as organizações que defendiam os direitos femininos foram fechadas. O Talibã nunca teve qualquer crença na importância do ensino ou do trabalho para as mulheres. Eles acham que dar escola para uma menina pode estimulá-la a se prostituir.

Minha esposa e minha família começaram a pensar que nós logo seríamos capturados. Ficamos com muito medo. Foi então que escutamos que o Brasil estava dando vistos humanitários. Três meses depois de apresentarmos nossos documentos, fomos para a Embaixada do Brasil em Teerã, no Irã, para participar de entrevistas. O visto saiu em três meses. Apesar de trabalharmos, foi muito difícil esperar esse tempo em Teerã. Como nossa renda era baixa, vivemos em um estado de pobreza e privação muito grande. Também não tínhamos como arcar com as passagens aéreas.

Finalmente, mesmo com todos esses problemas, conseguimos aterrissar no Brasil. Na minha família, estamos em treze pessoas. Nosso objetivo ao decidir vir para cá é ter uma vida em paz. Os brasileiros nos receberam muito bem. Eles nos deram alimentos e roupas. Estamos acampados no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, há doze dias, esperando que nos levem para uma casa.

Nosso pedido para os brasileiros é que nos ajudem neste momento, para que depois possamos caminhar com nossos próprios pés. Todos os membros da minha família estudaram e podem ser úteis, formando uma geração jovem e educada. Os brasileiros são um povo muito simpático e honesto. Quero aprender português, ter uma vida digna e servir a esse país por meio da minha profissão.

 

Abdul Bari Sharifi, afegão de 30 anos, é engenheiro

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  1. Isso serve de exemplo para brasileiro que xinga o Brasil, 1000 vezes ficar entre Bolsonaro e Lula do que passar por esse tipo de situação.

  2. Triste a situação do Afeganistão. Triste também como foram tão rapidamente esquecidos a própria sorte.

  3. A Prefeitura de Guarulhos pela sua Assistência Social deve agir, encaminhando os refugiados que moram no Aeroporto , para abrigos municipais.Não há justificativa para esta procrastinaçāo.

  4. Que eles se preparem para o futuro que nos aguarda, com essa insanidade sobre religião que domina o debate político no nosso país.

    1. Mas terão a liberdade, que é o que procuram e no seu país não têm.

  5. Volta e meia temos notícias de malandros que, por meio da força, assumem o controle dos seus Estados e submetem suas populações a regimes de quase escravidão, sem os direitos fundamentais (vida, liberdade e propriedade). Alguns dizem que isso é problema do povo, para ele resolver. Mas sob a mira de armas, pouco podem fazer (vide Cuba, Nicarágua, Rússia, Afeganistão, Venezuela,...). Esperar que o mundo evolua, de forma que tais tipos de regimes não sejam tolerados. Alentadora a reação à Rússia!

    1. A liberdade precisa ser defendida pela força quando é pela força usurpada.O pior é quando a liberdade é usurpada pelo voto, pois é um ato voluntário e reversível apenas pelas leis ou pela força da organização dos cidadãos e sua manifestação nas ruas.Mas, se nada mudar há que usar a força das armas.Por essa razão que os ditadores não querem que o povo tenha suas armas.

  6. Podemos, devemos e precisamos ajudar. Além do mais são pessoas com formação acadêmica que podem contribuir para o País

  7. Pois é! E o Brasil caminhando para ser um estado fundamentalista, dominado por intolerância religiosa. Infelizmente, acho que é tarde para evitar o desastre

    1. Essas pessoas fugiram de um estado totalitário , precisam ser acolhidas , é uma questão humanitária , não podem deixa los acampados no aeroporto

  8. Todos os dias vemos noticias que nos entristecem e nos fazem sentir vergonha de sermos brasileiros, particularmente no que diz respeito à política. Esta niticia me fez sentir orgulho de ser brasileira

    1. Redação: solicito meio de contato com eles.

  9. Os afegãos que estão se refugiando no Brasil merecem todo o apoio para recomeçarem suas vidas. Eu contribuo mensalmente com a ACNUR e espero que essa instituição e outras, bem como os governos federal, municipais e estaduais cumpram sua obrigação humanitária acolhendo e apoiando esses e outros refugiados tão sofridos.

  10. Poxa...vê um flagelo desses nos faz pensar como DEUS é bom e misericordioso conosco. Como é possível existir tanto ódio e maldade no Talibã e negar a essas pessoas o direito básico de ter uma vida próspera e digna em seu próprio País. Mas, infelizmente, não nos enganemos também, pois guardadas as devidas proporções temos os nossos próprios Talibãs....no Brasil e na América Latina (a Venezuela, por exemplo).

  11. Eles são um grande exemplo de superação das dificuldades humanas, políticas, sociais e econômicas. Eles amam a vida. Merecem respeito e admiração. Desejo-lhes uma boa sorte no nosso País!

  12. Espero que encontrem trabalho, meios para viver com dignidade e sejam felizes! Ninguém merece uma vida de privações em seu próprio país. Assim como meus antepassados de origem europeia que vieram para o Brasil e puderam contribuir com trabalho honesto, desejo que possam fazer o mesmo e obtenham paz!

  13. Vocês serão muito bem recebidos, Abdul! e serão integrados e prosperarão, como foram meus avós e bisavós e tantos outros que fugiram da barbárie para esse nosso país de origem multicultural.

  14. Ainda que esteja difícil para você e sua família, creio que dormir sem ouvir barulho de explosão ou não dormir com medo de ser preso já é um grande alívio. Fiquem com esse pensamento até que consigam boas condições para uma vida digna. Torço para que o ser humano evolua e encontre formas pacíficas e maduras para fazer o Mundo melhor

  15. Creio que o autor quiz dizer "outras etnias" e não "outras nacionalidades". O racismo no ocidente é mais divulgado, porém infelizmente também é muito forte entre muçulmanos, na África, etc Uma praga universal.

  16. Imagino a tristeza: deixar tudo que foi construído durante uma vida. Espero que tudo dê certo e todos nessa situação fiquem bem.

  17. Abdul, apesar de também lidarmos com muitas limitações, certamente vocês encontrarão por aqui melhores condições de viver.. Torcendo que esse belo texto facilite de alguma forma esse recomeço de vida.

  18. Lamento o Brasil não ter um projeto capaz de selecionar e aproveitar talentos desalentados de outros Países e que acreditam em um bom futuro no Brasil.

  19. Tenho muita simpatia por esses pobres coitados que são obrigado a deixar suas terras. Fico imaginando: como pode o ser humano tão ruim desse jeito? Como pode haver gente que despreze outras por ser de outra etnia? Sou a favor de que devemos dar a essas pessoas toda a nossa solidariedade...

  20. Não espere nada dos nossos governos, procure conquistar seus sonhos com o próprio esforço e não se deixe contaminar pelo nós e eles que vale para os dois lados que assaltaram o poder

  21. lamentavel ver o que o dito ser humano provoca a seus semelhantes. Quanta estupidez! Que estas pessoas possam ser ajudadas para nos ajudar, ja que possuem um predicado raro por aqui - educacao e formacao.

  22. Que esta família encontre a paz e a prosperidade aqui no Brasil, ajudando no crescimento desse país. Sejam bem-vindos!

    1. desculpe Lucas. O sistema colocou meu comentário em 2 lugares, um deles, o seu, errado

  23. Abdul, aqui no Brasil tem um cara que é amigo dos terroristas Talibãs, ele se chama Luiz Inácio LULA da Silva e que quando não está roubando está mentindo.

    1. Tenha dó José, não respeita a dor dessa família que fugiu da própria terra e só quer trabalhar e viver em paz? Não lhes tire as esperanças! Nosso povo é bom, solidário e eles são muito bem-vindos ao Brasil.

    2. imbecil. Fazendo proselitismo em cima de um refugiado vítima de violência, que quer só viver em paz numa terra estranha? Não tem vergonha, compaixão, caridade?

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