CNI"A indústria de transformação, que em 1985 representava 36% do PIB, terminou o ano de 2021 com apenas 11%"

Para reverter a desindustrialização

A cada 1 real produzido na indústria de transformação, são gerados 2,43 reais na economia como um todo.
21.10.22

Em meados da década de 1980, o setor industrial chegou a ser responsável por quase metade do PIB brasileiro. A expansão do setor foi resultado da adoção de políticas públicas que incentivaram investimentos do governo e da iniciativa privada em setores estratégicos como energia, transportes, comunicação, siderurgia, mineração e petróleo, entre outros. Tais políticas foram decisivas para o crescimento e a consolidação do parque industrial brasileiro que, atualmente, está entre os mais modernos e diversificados do mundo.

Entretanto, desde a década de 1990, o Brasil tem sofrido um preocupante processo de desindustrialização, que se agravou severamente nos últimos dez anos. A indústria de transformação, que em 1985 representava 36% do PIB, terminou o ano de 2021 com apenas 11% de participação na produção nacional. Mais grave ainda foi a queda da participação da indústria brasileira na produção mundial. Em 1995, nossa indústria manufatureira representava 2,77% da produção mundial, percentual que hoje é de apenas 1,28% – ou seja, praticamente a metade –, como mostra recente estudo elaborado pela CNI.

A desindustrialização é danosa para toda a economia brasileira, sobretudo devido à capacidade que o setor tem  de multiplicar riquezas. A cada 1 real produzido na indústria de transformação, são gerados 2,43 reais na economia como um todo. A título de comparação, na agricultura são gerados 1,75 real e nos setores de comércio e serviços, 1,49 real. O setor industrial tem a capacidade de puxar o crescimento dos demais setores por possuir cadeias produtivas longas e ser o grande indutor de inovações da economia. Mesmo a revolução de telecomunicações, que afetou profundamente o setor de serviços, dependeu da criação de produtos industriais, como smartphones, sensores, torres de transmissão, entre outros.

A alta produtividade e a produção em larga escala da agropecuária nacional, deve-se também, em grande medida, aos insumos fornecidos pela indústria, tais como ferramentas, máquinas e equipamentos com grande conteúdo tecnológico; rações para animais; sementes, fertilizantes e defensivos.

As causas da perda de competitividade da indústria nacional são muitas. Destacam-se, entre elas, os elevados custos sistêmicos, conhecidos como Custo Brasil, além da ausência de uma estratégia de desenvolvimento industrial. O Custo Brasil – que, como divulgado pelo Ministério da Economia, consome 1,5 trilhão de reais anualmente das empresas –, é resultado de diversos problemas, como o sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo; a infraestrutura deficiente; o financiamento escasso e caro; a baixa qualidade da educação; o ambiente macroeconômico instável; e a insegurança jurídica.

Estes custos são mais elevados para as empresas que produzem no Brasil, em comparação com aqueles suportados pelas empresas dos nossos principais concorrentes. Eles tornam os produtos brasileiros mais caros, o que se converte em perdas de exportações no mercado internacional e de espaço para produtos importados no mercado doméstico. Para eliminar ou, pelo menos, minorar essa dicotomia, uma prioridade urgente é a reforma da tributação sobre o consumo. A Proposta de Emenda à Constituição 110/2019, em discussão no Senado, contempla as principais demandas do setor produtivo nessa área, entre elas a eliminação da cumulatividade e a imediata recuperação dos créditos tributários devidos. A consolidação da tributação indireta é imprescindível para acabar com as distorções do sistema tributário atual, que levam à perda de competividade e de eficiência, não apenas da indústria, mas de toda a economia brasileira.

Outra medida essencial é a recuperação da capacidade de investimento em infraestrutura. O aumento de investimentos em transportes, energia, saneamento e telecomunicações garantiriam reduções de custo significativas para as empresas, a médio e longo prazos.

Para estancar o processo de desindustrialização e recuperar a competitividade do setor, é imperativo não apenas superar os gargalos antigos relacionados ao Custo Brasil, mas também que o país invista na adoção de uma política industrial moderna, alinhada com as melhores práticas internacionais. Novas estratégias de desenvolvimento industrial  têm sido o grande foco de países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, China, Alemanha e demais países da União Europeia. Um levantamento realizado pela CNI sobre os ambiciosos planos desses países revela que, juntos, eles preveem investimentos de 5 trilhões de dólares, nos próximos anos, em políticas de apoio às suas respectivas indústrias, com vistas a alcançar objetivos estratégicos, como a digitalização e a descarbonização da economia.

Um dos principais objetivos de uma política industrial moderna é o desenvolvimento científico e tecnológico, que coloca a inovação como principal fonte de ganhos de produtividade e de competitividade. Nos Estados Unidos, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) correspondiam, em 2018, a 2,83% do PIB. No mesmo ano, a China investiu 2,14% do PIB e a Coreia do Sul chegou a 4,53%. Na contramão do mundo, o Brasil vem reduzindo seu investimento em P&D e, hoje, investe apenas 1,2% do PIB.

Será essencial que o candidato que sair vitorioso nas eleições de 30 de outubro, qualquer que seja ele, tenha como prioridades de governo reduzir o Custo Brasil e apoiar firmemente a indústria brasileira no desenvolvimento de técnicas de manufatura avançada e na incorporação de tecnologias da Indústria 4.0, que permitem ganhos de produtividade significativos para as empresas. É urgente, também, que o país aproveite as janelas de oportunidades abertas na área de meio ambiente, em função das mudanças climáticas, investindo em tecnologias que permitam a transição para uma economia de baixo carbono, com políticas destinadas à transição energética e à economia circular.

A política de desenvolvimento industrial deve ser estruturada com a garantia de recursos orçamentários e com uma ampla capacitação de recursos humanos para sua implementação. Um de seus principais pilares deve ser o financiamento direcionado, com juros competitivos, para inovação, exportação e economia de baixo carbono. No mundo, as linhas de financiamento que sustentam esses investimentos são majoritariamente públicas, dada a sua importância estratégica. Ela também precisa, necessariamente, ser construída com foco no longo prazo – o que requer previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica, fatores essenciais para sustentar as decisões de investimento do setor privado.

A reversão da acelerada e precoce desindustrialização em curso no Brasil é crucial para que o país retome a trilha do crescimento econômico, de forma sustentável. E este objetivo só será alcançado com a adoção de medidas que garantam às indústrias nacionais igualdade de condições frente à acirrada competição do mercado internacional, com a eliminação do Custo Brasil e com políticas de apoio à indústria similares às implementadas pelos nossos competidores. A premissa básica é que não existe país forte e desenvolvido sem uma indústria dinâmica, competitiva e integrada ao mercado global.

 

Robson Braga de Andrade é presidente da Confederação Nacional da Indústria, CNI

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  1. Nada a reparar. Apenas acrescento minha oposição ferrenha ao protecionismo econômico através de taxas alfandegárias, tributação de importados e abonos fiscais. Todos os pontos elencados no artigo servirão muito melhor para recuperar a indústria nacional sem criar nichos de mercado privilegiados nem comprometer as receitas do estado.

  2. Indústrias brasileiras são de famílias. Quando SA, famílias são donas de maioria das ações, quando não são fundos de pensão estatais. Empresas familiares protegem patrimô nios. Investimentos mudaram de indústria para serviços e especulação de mercado, principalmente ganhar dinheiro com dívidas do governo ou similares. E a sua federação de indústrias foi só se conformando com a situação por três décadas. Com esse conjunto de CEOs brasileiros oportunistas que têm somente planos de curto prazo.

  3. Excelente, não custa lembrar que o nosso minério de ferro literalmente dado aos outros países é "vendido" a US$0,5/kg enquanto vendemos aviões da Embraer a US$1000/kg. Por outro lado ainda compramos motores a jato a US$5000/kg.

    1. O perfeito idiota. O brasil jamais foi exportador de manufaturas, a balança comercial é favorável devido às commodities, inclusive as que enchem tua pança. Grandes exportadores focam seu comércio na venda de tecnologia, não de produtos; em breve talvez exportem serviços. O brasil “só” tem o agro porque só tem roceiros obtusos como vc para capinar o mato, se vc fosse um ser pensante trabalharia com TI, com desenvolvimento de software, com semicondutores, mas vc é só mais um estúpido escrevendo m*

  4. Estes são alguns dos pontos positivos e negativos , aprofundar esta pauta e discutir dentro dos entes integrados é apenas o começo. Brasil tem demanda , tem oferta só precisa dar estes passos. Parabéns pelo artigo , fico no aguardo de novas publicações aqui nesta revista .

  5. Não sou economista,mas concordo qd diz q é necessário baixar o custo brasil, garantir a segurança jurídica e outros fatores!

  6. Este artigo acima deve ser muito útil para os iniciados, mas resulta, cabalmente, na minha visão, na desistência da leitura antes de iniciar o segundo parágrafo. Desculpem-me os acadêmicos, mas, como não sou um iniciado nas artes econômicas, foi o que fiz: desistí no 2º parágrafo. Gosto cada vez menos da mudança editorial da Crusoé. Isso significa o que tanto critiquei por aqui - não renovar a assinatura. Lamento por mim mesmo.

    1. Alvaro, o Robson é um mero politiqueiro na liderança de um imenso sindicato. Acho importante um veículo de comunicação abrir espaço para todas as opiniões e babaquices, mesmos que desagradem a alguns. Acrescento ao artigo que, para mudar o Custo Brasil é necessário antes, mudar esse tipo de "empresariado".

  7. O peso e o gigantismo do Estado Paquidérmico tem de ser reduzido a qualquer custo. Você que representa a CNI apoiem e elegam POLÍTICOS (com letras maíúsculas) que tenham como bandeira reformas para tornar o Estado mais leve e não necessariamente mais fraco. Não tem como reduzir carga tributária quando vemos o Estado com um JUDICIÁRIO e um LEGISLATIVO desse tamanho. E não é só muita gente, são os salários e benesses que tiram recursos de demandas tão URGENTES como EDUCAÇÃO e SAÚDE. PENSEM NISSO..

  8. Com as alternativas eleitorais à vista, fica difícil ser otimista. Nem dá pra responsabilizar os políticos, pois são o retrato do nosso povo ...

  9. Simples o Brasil tem um potencial de consumo imenso e basta uma reforma tributária decente e reestruturação da economia voltada para o fortalecimento do mercado interno o que permitiria elevado crescimento ecnômico e pleno emprego por bem óbvio ... é riqueza que gera riqueza e a todos assim nenhum mistério e isto pde ser feito com faciludade pois temos todas condições hoje.

  10. Tudo bem abordado e explicado com boas sugestões mas tem a fator preponderante que atrapalha o país, o fator político que vive da corrupção sem se importar com o desenvolvimento do país.

  11. A indústria alemã vem desacelerando, mesmo antes da guerra da Ucrânia, pelas escolhas erradas na área de energia - desativação de usinas nucleares e a carvão. Uma medida da pujança industrial é a quantidade de energia consumida. Nós brasileiros, por razões ambientais, construirmos uma Belo Monte sem barragem. Uma verdadeira opção por energia cara e pela pobreza.

    1. Dizer que uma medida da pujança industrial é o consumo de energia mostra como o pessoal por aqui desconhece o tema. A industrialização hoje depende de N fatores, entre eles recursos naturais, capital, economia estável, internacionalmente aberta e interconectada, mão de obra qualificada, ecossistema de apoio científico, consumidores em volume para as tecnologias novas, apoio de Estado, etc. Tudo isso precisa estar alinhado e azeitado para funcionar. E é por isso mesmo que por aqui não funciona.

  12. A indústria é essencial no desenvolvimento de um país, mas no Brasil, o agro é foda. O agro é estratégico, mas é tratado como prioritário pelos políticos, que foram cooptados para defender os interesses desse setor, demonstrando que dos vultosos investimentos governamentais que recebe, parte volta para os próprios políticos, objetivando a manutenção do poder. Num país com o agro forte, uma indústria fraca, salários baixos e 33 milhões de pessoas passando fome, algo está errado.

    1. O agro é competitivo no ambiente global. Importa tratores, adubos, herbicidas… Estas demandas da agricultura poderia alavancar a indústria nacional. Infelizmente não é o que ocorre nem mesmo em perspectiva. O agro é a oportunidade. A sociedade urbana foi fruto da industrialização. No processo acelerado e continuo de desindustrialização em que estamos imerso resta saber quando dar-se-á o desmoronamento da urbis.

  13. O autor diz que uma das prioridades urgentes é a redução da tributação sobre o consumo, enquanto todo o seu diagnóstico é em cima de custos de produção. Querer reduzir o preço final não vai melhorar a qualidade e a produtividade, que precisam dos investimentos citados em melhoria de processos, infraestrutura, recursos humanos e desenvolvimento tecnológico. É por isso que nada é feito.

  14. Vivi essa discussão e discordo. O Brasil perdeu a janela de oportunidade da industrialização avançada. Até o chinês faz tudo muito melhor e mais barato que nós. Se algo puder ser feito precisaria de uma agência de Estado (desacoplada dos políticos) para desenvolver algo muito focado, avançado e específico, por exemplo no agronegócio onde vergonhosamente não somos sequer capazes de desenvolver trator, sementes ou fertilizantes. Fazer pouco e grande, nada de muito amplo. Realismo acima de tudo.

  15. Excelente diagnóstico. O erro está em querer ou desejar que tanto o miliciano corrupto e o corrupto possam se comprometer ou nomear um condutor que alcance e implante ao menos 20% desse diagnóstico.

  16. Não é só a indústria que se reduz no Brasil. Somos um país que involui notadamente em todos os setores: na política, na educação e cultura, etc.

  17. Outro fator q não foi citado nominalmente mas q onera excessivamente nossos custos em todos os elos das correntes produtivas são a corrupção sistemática ou sistemica muito piorada quando, como nos 4 governos do PT, e agora, também no governo de Bolsonaro, todos os órgãos d estado, d administração, empresas estatais, autarquias, etc. são contaminadas p pessoas sem preparo, sem qualificação, sem escrupulos, c o intuíto de arrecadar propinas p si e para até o Presid. da Republ. - Viva a Lava Jato!

  18. Isso depende de políticas de longo prazo, que passa longe das preocupações miúdas e imediatistas desses candidatos nanicos de estatura e gigantes de populismos

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