AlexandreSoares Silva

O formulário oficial do racista

16.04.21

A chef Paola Carosella foi a última celebridade brasileira a fazer uma confissão pública de racismo, se juntando a Bruno Gagliasso e Fabio Porchat.

Em um tweet, eis o que disse a masterchef argentina:

“Eu sou racista, não quero ser, mas tenho certeza que sou. Impossível não ser racista nascendo numa sociedade racista. A gente mamou racismo, todo poder foi pro branco. Toda autoridade foi branca. Vc e eu somos racistas. O começo é esse: sou sim racista e não quero ser.”

Muitas pessoas ficaram bravas com isso, mas achei interessante. O problema é que ficaram algumas dúvidas no ar, porque ela não foi muito específica.
“Eu sou um racista em desconstrução”, disse Bruno Gagliasso, usando a mesma expressão que Fábio Porchat já tinha usado para si mesmo, segundo a Folha de S.Paulo: “O humorista Fábio Porchat encabeça a campanha “Sou um Racista em Desconstrução”, que vem ganhando a adesão de outros famosos, como Regina Volpato e Nanny People.”

Certo, mas o que quer dizer, “sou racista”? Quais sentimentos exatamente a pessoa está confessando?

Assim, pensando na próxima celebridade ou subcelebridade que queira confessar publicamente que é racista, e não querendo que a confissão seja vaga e pouco informativa (e portanto pouco pedagógica), pensei num formulário que a pessoa poderia responder junto com a confissão.

Mesmo que a lei não a obrigue a fazer isso, a pessoa pode imprimir este texto para ter um exemplo do formulário, que deve ser anexado, com as respostas, data e assinatura, junto com a confissão de que é racista sim, que mamou racismo etc.

O formulário é o seguinte:

1) Quais raças, exatamente, você odeia?

2) Por que, apesar de não querer achar, você acha que a sua raça é
superior? Essa crença que você confessa ter e da qual quer se livrar envolve superioridade física, intelectual e moral, ou só uma dessas três áreas?

3) Já que é impossível que você seja racista sem que isso jamais tenha se manifestado na sua vida profissional, quais as pessoas, e de que raça, você prejudicou profissionalmente? (Dê os nomes das pessoas prejudicadas, data e circustâncias do ato e, se possível, nomes e RGs de pelo menos duas testemunhas do que você fez.)

4) Já que é impossível que você tenha crenças racistas sem que isso jamais tenha se manifestado na sua vida pessoal e pública, quantas pessoas você já insultou, prejudicou ou desprezou na sua vida pessoal por motivo de cor de pele? (Nomes e RGs.)

5) Caso você tenha dito que é racista num momento de empolgação, e depois de ter pensado um pouco chegou à conclusão de que na verdade não é racista, o que você acha que causou o impulso de dizer que era? Você está bem? Você acha que pode sofrer de carência excessiva? De onde vem a sua necessidade de chamar a atenção?

São apenas cinco tópicos, não deve demorar muito para ser preenchido, e seria muito informativo para muita gente (curiosos em geral, outros racistas, vítimas de racismo, delegados de polícia, etc).
Da próxima vez que você deparar com uma confissão pública de racismo por parte de uma celebridade, envie uma cópia deste formulário para a pessoa. Tenho certeza que ela vai agradecer.

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O romancista e roteirista Marçal Aquino, numa reportagem do UOL, diz que desistiu de publicar o seu livro A Felicidade Genital.

É assim que explica o motivo:

“Fiquei seis anos trabalhando nele e, nesse tempo, muita coisa mudou. Ao reler, percebi que afrontava várias questões em voga envolvendo minorias, a começar pelo narrador misógino. (…) Quando mostrei para o Luiz Schwarcz [presidente da Companhia das Letras], ele falou de publicarmos junto com uma nota explicativa. Percebi que soaria provocativo demais em uma época em que essas reivindicações têm todo o seu mérito, até que tenhamos uma sociedade mais justa. Vai ficar como livro póstumo.”

Tudo bem. Mas vem cá, “afrontar questões em voga” e ser “provocativo demais” não era motivo de orgulho dos artistas até muito pouco tempo? Praticamente até uns dias atrás?

Era; mas a triste e desbotada verdade, porém, é que quando um artista dizia que queria provocar com o seu livro, a quem ele queria provocar?

Não seus leitores habituais, nem os seus pares. No fundo pensava: “Este livro provocaria muito, se fosse lido por pessoas que não vão ler o meu livro”. E essa provocação à distância era um conforto.

Mas provocar os seus próprios leitores? Afrontar a opinião dos seus colegas escritores e roteiristas, com os quais vai ter que dividir um tagliatelle quando a pandemia acabar?

Provocativo, tudo bem, mas você acha que ele é louco?

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