Lailson dos Santos"Ficar olhando para o telhado ou ficar pensando nessa praga (o coronavírus) não ajuda em nada"

A receita de Mauricio

Vacinado contra a Covid, o cartunista Mauricio de Sousa recomenda ocupar a mente com boas histórias e aproveitar o isolamento para conhecer melhor as pessoas que nos fazem companhia
16.04.21

O cartunista Mauricio de Sousa saiu de casa, na capital paulista, apenas quatro vezes nos últimos doze meses. Em duas dessas oportunidades, o criador da Turma da Mônica foi tomar a vacina contra a Covid-19. Nas outras duas, foi ao barbeiro. De resto, passou todo o tempo com a mulher, Alice Takeda, alguns empregados e o cachorro Bidu, nome de seu primeiro personagem, de 1959. Aos 85 anos, Mauricio não deixa se abater pela pandemia. Ele diz que a receita para se livrar da pressão natural trazida pelo isolamento é manter a mente ocupada com o trabalho.

O artista também tem conversado virtualmente com alunos de escolas do Brasil todo. Segundo ele, as crianças não tocam no assunto da pandemia, apenas perguntam das histórias e dos personagens. Para Mauricio, os adultos deveriam adotar a mesma estratégia. “Ficar olhando para o telhado ou ficar pensando nessa praga não ajuda em nada. Precisamos achar o que fazer. Principalmente, em caso de família, conhecer melhor a pessoa que mora com você, o esposo, o tio, o primo, a avó. Falar do passado, do que se lembram, de coisas agradáveis, de boas lembranças”, recomenda ele na entrevista que segue.

Como o sr. tem passado a pandemia?
Tenho ficado isolado, mas nem tanto. Estou há um ano dentro de casa, sem sair. Ou quase isso. Saí apenas para me vacinar, duas vezes. E fui ao barbeiro, também duas vezes. O resto do tempo passei aqui em casa. Com a pandemia, a empresa está fechada, mas o trabalho continua. Todos os funcionários estão em casa e falo com eles pelo telefone. Descobri que, nesse sistema atual, consigo falar com todos, na hora que quero, sem demora. Falo com todo mundo. Consequentemente, estamos com a produção sem parar. Não caiu nada. Pelo contrário, aumentou a produtividade. Então, temos o que fazer. Escrever, fazer desenhos, direcionar a parte comercial. De vez em quando, por telefone, falo com alguém da administração. E muito comumente, de acordo com o que a atualidade exige, vamos fazer palestras, reuniões online, falar com escolas, com alunos das escolas. Entro virtualmente nas escolas e bato papo com as professoras, com os alunos, troco ideias. É uma vida diferente. São caminhos diferentes. Alguns são muito prazerosos. O mais gostoso para mim é conversar com a criançada nas escolas. Enquanto isso, como não consigo parar de pensar, estou inventando coisas, que virão aí em seguida. O que virá com mais força serão produções cinematográficas.

Nessas conversas com as crianças, o que elas te contam?
Tenho conversado com crianças do Rio Grande do Sul até o Ceará, e as crianças não falam da pandemia. Não falam da Covid. Falam de outras coisas. Falam da Turma da Mônica, dos desenhos, das histórias, de coisas que elas leram. E perguntam coisas sobre os personagens, normalmente. Me parece que a criançada não mergulhou, não tem consciência, felizmente, da tragédia que está acontecendo.

E para os adultos, o sr. tem alguma dica para que lidem bem com a pandemia neste momento?
Eu sugeriria que eles fizessem o que as crianças estão fazendo, que é se entupir de coisas para fazer. E criar um sistema, uma rotina não muito chata, não uma rotina repetitiva, uma rotina que pode virar um pouquinho de vez em quando, desmontar um pouquinho de vez em quando, mas se ocupar. Ficar olhando para o telhado ou ficar pensando nessa praga não ajuda em nada. Precisamos achar o que fazer. Principalmente, no caso da família, conhecer melhor a pessoa que mora com você, o esposo, o tio, o primo, a avó. Falar do passado, do que se lembram, de coisas agradáveis, de boas lembranças. Com isso o tempo passa. Muitos casos de tristeza maior podem ser minimizados. Estou há pouco mais de um ano em casa. Minha mulher, Alice Takeda, que é diretora de arte do estúdio, está comigo aqui. Alguns empregados ajudam um pouquinho.

E a sensação de tomar a vacina?
Gozado, né? É psicológico, o negócio. Tomar vacina, felizmente, não dói. Eu pensei: estou me vacinando para ficar livre dessa porcaria (do vírus). Quando você chega em casa, fica meio alegre. Eu, quando cheguei, senti fisicamente a diferença, porque eu subi a escada mais rápido. Estava mais leve. Estava me sentindo melhor. Deve ser alguma coisa que trazemos na bagagem, na memória. Vacina é para melhorar, é para afastar doença, para estar protegido contra alguma coisa. Então, realmente, a vacina para mim funcionou como um chazinho daqueles que deixam as pessoas animadas.

Qual vacina o sr. tomou?
Foi a Coronavac. Aqui no bairro de Pinheiros (em São Paulo). Sem fila. Tive sorte.

Mauricio de SousaMauricio de Sousa“A criançada não tem consciência, felizmente, da tragédia que está acontecendo” (na imagem, Mauricio em auto-retrato especial para Crusoé)
Quando a pandemia acabar, vai voltar todo mundo para o escritório?
Ninguém foi expulso. Ninguém foi mandado embora. O caminho normal para eles depois que houver solução é o retorno, lógico. A empresa continua acesa e o pessoal produzindo. Os projetos seguem.

Os roteiristas já estavam em home office, certo?
De certa maneira, muitos deles, às vezes, preferem trabalhar em casa. Mesmo antes da pandemia, em alguns casos, a produtividade deles é maior. E eles ganham por produção. Então, às vezes, eles pedem: me dá uma semana que eu quero trabalhar em casa, que eu economizo. E quero trabalhar com mais tranquilidade. E vão. Eles economizam no transporte, gastam menos horas no trânsito. De certa maneira, gostam de pensar que não estão gastando uma hora, duas ou três no ônibus, no trem, no metrô, em qualquer coisa assim. Alguns preferem isso. Eu não gosto muito. Prefiro que as pessoas se olhem, conversem e estejam a postos para qualquer coisa nova. Mas também não posso demovê-los de querer fazer algo onde ganhem mais dinheiro. Não forço ninguém. Antes da pandemia, já tinha muita gente trabalhando fora.

O sr. fica angustiado de os dias estarem passando, mas não poder aproveitar o tempo com as pessoas que mais gosta?
Não fico angustiado com isso. Eu tenho consciência disso. É diferente. Acho que nós vamos dar um jeito. Se não dermos um jeito, a gente vai se acostumar tanto que a vida vai ficar diferente. Nossos objetivos serão diferentes, nossas atenções serão diferentes. Não é do meu feitio desanimar com qualquer tipo de problema. Se estou preso na casa, vou fazer uso da casa, aproveitar tudo o que a casa pode me dar. Se estou com a minha mulher, vou conversar com ela, contar as coisas do meu passado, da minha infância, principalmente aquelas que ela não sabia. Estamos conversando, nos dando bem, muito bem, criando condições para o tempo passar de forma agradável. Até me acostumei a ver um cineminha toda noite com ela.

O sr. pode contar o que falou para ela sobre a sua infância?
Eu nunca tinha falado disso para ela. Ela gostou tanto que fez até um pequeno relatório. Escreveu uma crônica sobre isso. Por sinal, redigiu muito bem. Ela captou bem as coisas. Mas não vou contar os detalhes. São realmente recordações, sem emoções.

O sr. tem tido contato com os filhos?
De vez em quando um ou outro filho passa aqui cheio de máscara na cara. Tivemos cuidados devidos, então estamos incólumes até agora. Já tomei minhas duas doses de vacina, como disse, porque acredito muito nisso. Eu entrei numa rotina agradável. Estou comendo melhor, dormindo melhor. Estou acompanhando, infelizmente, essa porcaria que está acontecendo aí, essa tragédia. Me preocupo com a situação do país, a parte econômica, logicamente, das pessoas sem recursos. Isso me toca. Me deixa triste um pouco não podermos fazer nada com algo tão grande acontecendo lá fora. O melhor que a gente faz é se encolher no canto e tentar pensar positivo. Em momento algum eu desisti do que faço, do que estive fazendo, não desisti nem um pouco do futuro que estou planejando há anos e anos. Nos acostumamos a trabalhar dessa maneira. Em algum momento vamos resolver esse problema e continuar trabalhando e fazer algumas coisas que nos fazem bem. (O cachorro late) E o Bidu acabou de latir aqui. Bidu, sai daí, vai…

Adriano Vizoni/FolhapressAdriano Vizoni/Folhapress“Eu nunca colocaria essa doença nas histórias leves, gostosas e bem-humoradas dos meus personagens”
Os seus personagens vivem no Bairro do Limoeiro, onde caminham de quintal em quintal. Será que essa vida em comunidade está acabando?
Pode até acabar em algum lugar do mundo, mas no Bairro do Limoeiro vamos continuar ficar fazendo a mesma coisa. Foi tão bom, é tão bom, e vamos continuar. Você sabe, a criança de hoje não vive no Bairro do Limoeiro, nem na Vila Abobrinha do Chico Bento, mas as histórias têm um encantamento. Elas levam o leitor, não só a criança, como também o adulto, a ter saudade da vida que ele não teve. Uma nostalgia daquela vidinha do interior, da roça. Não viveram, não tiveram, mas é tão agradável, tão bonita. Lógico, está cheio de Chico Bento pelo interior do Brasil. É uma coisa natural. Então vamos continuar com isso.

Algum personagem vai pegar Covid?
Na Segunda Guerra Mundial, um desenhista chamado Al Capp (1909-1979) fazia o personagem chamado Ferdinando. Era um caipira americano, bem simplório. Tinha uma namorada que queria se casar com ele, mas ele fugia um pouquinho. Eram coisas da roça americana. Quando estourou a guerra, os americanos jovens foram para as trincheiras e chegavam até eles os jornais com as tirinhas do Ferdinando. Era uma coisa que fazia muito bem para a tropa. Eles voltavam para a infância, para a juventude, para a casa deles, quando recebiam os jornais com as tirinhas. Como o Al Capp era muito lido, os militares acharam ruim que o Ferdinando não estivesse na guerra como os americanos jovens. Então, fizeram pressão para alistar o Ferdinando no Exército. O Al Capp se recusou. Ele disse que, se o Ferdinando entrasse na guerra, quando o pessoal das trincheiras pegasse o jornal para ler, eles não conseguiriam sair do momento chato e sombrio da guerra. O Ferdinando deveria ficar como um arco-íris, uma luz, fora dessa crueldade toda que é a guerra. Ameaçaram o Al Capp, falaram que iam prendê-lo, bater nele, os sindicatos foram pressionados pelas autoridades, mas ele se recusou. Como era muito forte, porque vendia muitos jornais, conseguiu se manter até o final com o Ferdinando fora da guerra. É por aí que a gente deve examinar os casos. Se estamos cercados de Covid, e é uma coisa super triste e desagradável, eu nunca colocaria essa doença nas histórias leves, gostosas e bem-humoradas dos meus personagens. Não estou lá. Nós estamos ainda no sonho, no sonho possível, porque em vários lugares do mundo não tem tanta Covid nem a guerra da Covid. Eu fico de fora porque o mundo dos sonhos continua junto com a criançada, com os jovens e com os adultos que acompanham nossas histórias desde criança.

Se a Turma da Mônica não existisse e o sr. fosse criá-la hoje, do zero, faria de um jeito diferente?
Acho que não, porque é só isso o que eu sei fazer. Eu sou cria das histórias em quadrinhos americanas. Aprendi a ler nos gibis. E, depois, eu sou cria do meu ambiente. Nasci no interior, sou meio Chico Bento. Essa mistura dos heróis e dos personagens estrangeiros, mais a minha vivência, deu no que deu. Uma criação que é meio uma mistura de estilos e de mensagens. Hoje acho que não saberia sair disso. Eu primo por criar em cima do que eu vivencio. Gosto de inventar personagens e situações em cima do que já vivi, para poder ter mais conhecimento e emoções para poder repassar para os meus personagens. Não é à toa que boa parte dos personagens estão baseados em filhos. E os que não são, são baseados em vivências minhas. Então, se eu fosse criar uma coisa hoje, eu continuaria olhando em volta e dando uma auscultada. Essa é a sugestão que dou para fazer história. Faça uma da sua vivência, com um personagem que conheça bem.

A pandemia criou conflitos entre as diferentes gerações?
Não sinto dessa maneira. Sinto que há uma tensão geral. E medo da doença. Mas não acho que isso chega a ser tão forte a ponto de mudar costumes, hábitos ou sistemas. Mesmo com a difusão do noticiário, que está muito pesado, penso que virou notícia tão costumeira que o pessoal está só esperando, ninguém desanimado totalmente. Só esperando que passe um tempo para acabar tudo isso. Enquanto a coisa estiver aí, não acho que vai acontecer uma separação nos grupos de pessoas. As crianças, sobretudo, estão esperando a hora de poder abraçar de novo, de beijar, de se aproximar. O que todo mundo está querendo é isso. Ninguém está querendo afastamento.

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  1. Gostaria de saber se aqueles que trabalham para a empresa do Sr.Maurício de Souza, tem sua carteira assinada como funcionários da mesma e caso afirmativo, quantos antes e depois da pandemia?

  2. Tenho 50 anos e passei a minha infância lendo os quadrinhos da Turma da Mônica. Diria que a razão do sucesso dos quadrinhos do Maurício de Souza é porque seus personagens foram espelhados nas suas filhas e nos garotos do seu bairro; em crianças de verdade. Seus personagens não são politizados como a Mafalda e não tem crises existenciais de gente grande como o Charlie Brown , e é bom que seja assim.

  3. Sabe meu caro quem neste mundo é pessoa mais democrata do universo criou um sistema mais inteligente do universo. Este sistema chama se a Morte ninguém escapa dela e sobra mesmo sete palmo de terra batida pela chuva. Veja como o Senhor Deus foi de sabedoria depois nos deu livre árbitro.

  4. Turma da Mônica fez parte da minha infância. Lembro do meu pai chegando com o gibi, meus olhos brilhavam. Que bom que vc continua provocando outras crianças.

  5. Seria muito bom mostrar a “ patotinha”” toda ,até o Bidu, irem alegremente, tomar a vacina da gripe e sonhando com a chegada daquela que combaterá o coronavírus.O Gotinha e todos os cientistas agradeceriam.

  6. Muito boa entrevista! Acedido que pessoas mais abastadas no país poderiam fazer algo mais além das boas coisas que ele citou: ajudar grupos de pessoas que uniram-se para ajudar os mais carentes com cestas básicas e distribuição de comida. Mas acredito que ele já faz isso, só não mencionou aqui.

  7. Estranho um homem tão influente falar tanta banalidade e se omitir sobre o genocídio que ocorre no País. Acho que sei em quem ele votou em 2018.

  8. Maurício, simplesmente amo o seu trabalho!! A turma da Monica fez parte da minha infância. Adorei ler a sua entrevista, tão leve e tão positiva!!

  9. Como é bom ler um artigo como este no meio de tanta matéria negativa, pesada. Parabéns Maurício por sua obra, meus filhos adoravam e hoje meus netos adoram.E eu continuo adorando contá-las!

  10. Parabéns pela entrevista!! No meio de tantas tristezas e notícias políticas, é muito bom ler o que pensa e faz uma grande pessoa durante a pandemia.

  11. perfeito! que entrevista animadora e tão apropriada para esse momento. meus filhos acompanham os gibis desde sempre assim como eu fazia no passado. é uma ótima leitura para se divertir e rir muito! esse é o propósito! a vida sonhada tem que ser animada pois a realidade nem sempre pode ser. parabéns pela escolha do entrevistado! muito obrigado!

  12. É bom ouvir um homem destes. Faz bem à alma. Só não gostei da revelação da interferência do Estado americano em tentar incorporar o Ferdinando nas trincheiras da guerra. O que não se faz em nome do patriotismo. A estultícia sente-se liberada. Não gostei porque pode servir de ideia aos nossos idiotas no poder. Já são tão criativos por conta própria. Imagine-se com um precedente desses... Valham-nos os deuses...

  13. Parabéns à Maurício de Souza, pela leveza com que fala e a serenidade que está levando em relação a pandemia!! Exemplo pra todos!! Sou fã!! 👏🏻👏🏻👏🏻

    1. Penso como ele só que menos otimista e sem alegria. O futuro é incerto em todas as modalidades, agora ... está um pouco menos certo, só as crianças mantém alguma alegria... ainda bem .

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