Andriy Shevchenko via InstagramNosso buraco é mais embaixo: os apitadores erram porque são ruins mesmo. Ou mal formados

Antes fosse mentira

Shevchenko assumiu a Federação Ucraniana de Futebol instituindo teste de mentira para árbitros. O buraco do Brasil é mais embaixo: os juízes erram porque são ruins mesmo
19.04.24

A lenda do Milan Andriy Shevchenko assumiu a Federação Ucraniana de Futebol com a meta de espantar as desconfianças em relação aos árbitros do país. A principal medida foi a imposição de testes com polígrafos, detectores de mentira, para saber se os juízes são confiáveis, já que a Ucrânia tem um histórico de corrupção, subornos e combinação de resultados desde a época da União Soviética.

Outra medida foi sortear os árbitros que apitam cada partida. Segundo reportagem da revista The Athletic, “o exemplo mais famoso de seleção aleatória de árbitros no futebol europeu vem provavelmente de 1984-85, quando a Serie A, por apenas uma temporada, designou árbitros aleatoriamente para os jogos pela primeira vez”, também numa tentativa de limpar a imagem do futebol italiano.

Coincidência ou não, o Verona ganhou naquela temporada seu único Campeonato Italiano. A escolha dos árbitros voltou ao modo de sempre na temporada seguinte, vencida, como de costume, pela Juventus. Já na Ucrânia, um mês após as mudanças o sentimento geral é de que a qualidade da arbitragem já melhorou — nem que seja porque os árbitros estejam temendo punições.

No Brasil, o problema é outro. As denúncias recentes de manipulação de resultados não chegaram a envolver árbitros. Nosso buraco é mais embaixo: os apitadores erram porque são ruins mesmo. Ou mal formados. Ou não profissionalizados. A cada rodada, a qualidade dos juízes do país é tão ou mais debatida do que a qualidade dos jogadores e treinadores.

A baixa qualidade levanta suspeitas, como as do dono do Botafogo, John Textor, mas o fato é que todos os clubes são prejudicados — alguns mais do que outros, é preciso reconhecer, mas mais por seu tamanho e relevância, como o Flamengo, ou pela sua postura, como o Palmeiras. Não por acaso os cartolas se acostumaram a reclamar em entrevistas e notas públicas, para pressionar a arbitragem.

A primeira rodada do Campeonato Brasileiro deste ano foi desastrosa para a arbitragem nacional, com o afastamento de três jovens juízes, que irão passar por treinamento. Eles foram alvo de desabafos acalorados dos dirigentes que se sentiram prejudicados, e suas decisões equivocadas dentro de campo só são defendidas pelos torcedores do times que acabaram beneficiados, numa tentativa de proteger os próprios clubes da acusação de trapaça.

O árbitro de vídeo, que surgiu para diminuir os erros no mundo todo, parece estar sendo usado para intensificá-los no Brasil, com intervenções indevidas, que sugestionam árbitros inseguros, ou omissões inexplicáveis em lances claramente mal marcados. Na partida entre Flamengo e Atlético-GO, surgiu, pelo olhos do VAR, um duvidoso pênalti milimétrico nos acréscimos dos acréscimos que definiu a partida a favor do rubro-negro carioca.

“Já se vão cinco semanas que convivo com tal pensamento, sempre só com ele, sempre petrificado por sua presença, sempre encurvado sob seu peso!”, diz o narrador de Victor Hugo em O Último Dia de um Condenado. É como o VAR faz o torcedor brasileiro se sentir.

“Outrora, pois me parece que faz anos e não semanas, eu era um homem como outro qualquer. Cada dia, cada hora, cada minuto tinha sua ideia. Meu espírito, jovem e rico, era repleto de fantasias. Divertia-se em expô-las a mim, uma depois da outra, sem ordem e sem fim, bordando com infindáveis arabescos esse rude e frágil tecido da vida. Eram moças, esplêndidos mantos de bispo, batalhas vencidas, teatros cheios de barulho e de luz, e então mais moças e tranquilas caminhadas noturnas sob os espessos galhos das castanheiras. Era sempre festa na minha imaginação. Eu podia pensar no que quisesse, era livre, segue o condenado.

“Agora sou cativo. Meu corpo está atado a grilhões em uma masmorra, meu espírito está preso a uma idéia. Uma horrível, sangrenta, implacável ideia! Restou-me apenas um pensamento, uma convicção, uma certeza”, diz o narrador, que fala sobre a morte. Os torcedores brasileiros falam sobre o VAR.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Os árbitros são péssimos, mas aqui, onde tudo é corrompido é muita ingenuidade acreditar que o futebol passa incólume

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