Elon Musk via XElon é um menino da minha geração que ficou rico e fez todas as coisas que os meninos da minha geração sempre juraram que fariam se ficassem ricos

Das invejas que sinto de Elon Musk

Imagine só: ele é rico, ele tem foguetes espaciais, ele tem uma fábrica de carros e ele pode falar o que quiser de quem quiser, na hora que quiser
19.04.24

Venho de saber, com o atraso que é parte do meu charme, que um sujeito com sobrenome de perfume, Elon Musk, proferiu ameaças gravíssimas à nossa pujante e viçosa Democracia, às nossas esplêndidas e reluzentes Autoridades Públicas (é bom grafar com iniciais maiúsculas, dado que Autoridade brasileira está sempre disposta a mostrar o quão maiúscula é ou pode ser) e à nossa melindrosa Soberania, moça cheia de achaques e de não-me-toques. Soube e, como tantos, me abismei: quem é esse homem que tem poder tal? Fui descobrir.

Terminei sabendo que Elon Musk, ou Elon Patchouli, é o dono da rede social que um dia se chamou Twitter e que agora, segundo entendo, se chama X (xis para nós, équis para ele). Soube mais coisas: que é bilionário; que é sul-africano; que fabrica carros elétricos, os quais, como direi?, não seduzem pelo design; e que gosta de foguetes e de naves espaciais. Ou seja: é um menino da minha geração que ficou rico e fez todas as coisas que os meninos da minha geração sempre juraram que fariam se ficassem ricos – comprou um monte de computadores, tem carros à vontade e construiu um foguete espacial. Não virou jogador de futebol nem pirata (ao menos, parece que não), mas tudo bem: o que ele fez já faz com que eu simpatize muito com ele, e, claro, também o inveje muito.

Há quem diga que isso aí é também a realização do sonho americano, ou talvez do sonho sul-africano. Não sei. Só sei que não é a realização do sonho brasileiro, sonho que é, até onde o percebo, muito mais modesto: segundo o Governo parece acreditar – e quem sou eu para duvidar das coisas em que o Governo diz que acredita? –, o sonho brasileiro é chegar ao domingo à noite com a bermuda aberta, o umbigo para fora da regata e o bucho cheio de picanha e cerveja – cheio mesmo, cheio para valer. E se, por acaso, o brasileiro estiver cheio de sonho até à náusea, que o sonho continue enquanto ele vomita tudo no banheiro ao mesmo tempo em que, lá da sala, vem o som da TV ligada no Fantástico.

Sonho modesto, eu disse, e acrescento: sonho humilde. Podíamos estar sonhando com fortunas, podíamos estar sonhando com carros elétricos ou foguetes espaciais, com iates e sapatos dourados, mas estamos aqui, na humildade, sonhando com uma carninha assada, uma breja geladinha e, conforme for, uma camisa regata de marca. E, afinal, responda o amigo: não é justamente essa modéstia colossal, essa humildade sem paralelo no mundo que nos faz tão superiores aos ianques e aos sul-africanos? Nada de carros elétricos, nada de realizações nem de bilhões, nada de iates desses achievements burgueses: o sonho brasileiro é carne, cachaça, bermuda, camisa regata e havaianas. Não à toa, é o que nos prometeu essa turma que se elegeu.

Mas estou me perdendo nas divagações; estou tergiversando. Eu queria falar da inveja que tenho do Elon Musk. Não pelas realizações, não pelo dinheiro, não por nada dessas coisas: como já ficou claro, sou brasileiro e nada disso me interessa. Eu o invejo porque ele pode falar o que quiser sem dar a menor pelota a qualquer faniquito que a Democracia, as Instituições e a Soberania Nacionais, seus devotados porém quase indefesos defensores, e os jornalistas altamente independentes que formam sua Corte, tenham com suas falas. Eu o invejo porque ele também pode escrever o que quiser, e – aguente essa, amigo, que essa é pesada – até pensar o que quiser sem que, por isso, algo lhe aconteça. E, finalmente, eu o invejo porque ele não precisa ser servilmente, caninamente, respeitoso para com Autoridades que não têm nenhum poder de acabar com a vida dele com duas ou três assinaturas. Imagine só: ele é rico, ele tem foguetes espaciais, ele tem uma fábrica de carros e ele pode falar o que quiser de quem quiser, na hora que quiser. É ou não é para ter inveja?

Ou seja: eu o invejo porque ele é livre como eu talvez não seja – e como você talvez não seja também, amigo. Digo “talvez” porque, né?, vai que tem alguma Autoridade nos olhando, pronta para nos ensinar, de ofício, o quão livres nós somos.

* * *

Dizem que a terra não é plana. E não é mesmo. Mas, segundo os mapas novos que o IBGE anda pondo à venda, ela é brasilcêntrica. Você pode achar esquisito que o IBGE nos ponha no centro do globo, amigo, visto que, por tudo o que somos e fazemos, e até pelas nossas coordenadas cardeais, nossa posição pareceria mais periférica, mais boreal talvez – mais ao sul do mundo. Eu também acho. Mas fazer o quê? O IBGE falou, tá falado; o IBGE desenhou, tá desenhado; o IBGE mapeou, tá mapeado. E viva a Democracia. Portanto, é isso aí: o mundo é um círculo, esse círculo tem um centro, e esse centro é o Brasil. Quando forem furar o balão do mundo, é em nós que vão cravar o alfinete.

 

Orlando Tosetto Júnior é escritor

 

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500
  1. Sempre gostei de suas colunas, mas hoje merece 5 estrelinha douradas. Kkkk. O Agamenon pelo jeito nos deixou, o Ruy Goiaba já faz tempo. Não nos deixe Tosetto. Um raro momento para descontrair. Muito Bom!!!!

  2. Se políticos pudessem escrever assim, talvez ("talvez" porque será que tem algum me vigiando?) não fossem as merdas que são.

  3. Será que posso elogiar seu texto sem que alguma Autoridade (com as devidas Vênias, em letra maiúscula, claro, para combinar!) venha questionar tamanha simpatia? Não o conhecia. Virei fã!

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