Tia Dufour/The White HouseBolton com jornalistas: demissão não deve prejudicar aproximação do governo do Brasil com a Casa Branca

Para além de Bolton

A demissão do conselheiro de Trump pode até ajudar o Brasil a estreitar laços com Washington e avançar nas negociações com os americanos
13.09.19

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, foi o primeiro integrante do governo de Donald Trump a se aproximar de Jair Bolsonaro. Em novembro do ano passado, ele tomou um café da manhã na casa do presidente eleito, no Rio de Janeiro. Como retribuição, Bolsonaro foi aos Estados Unidos, em março. A viagem incluiu um jantar com um Bolton sorridente e à vontade. Com a demissão de Bolton por Trump na terça-feira, 9, era natural que se lamentasse a perda de um valioso interlocutor em Washington.

O papel de Bolton nas relações bilaterais, contudo, sempre foi relativo. Sua atuação não era central nos temas de interesse nacional. “Não era ele quem tomava as decisões em relação ao Brasil. Bolton foi muito mais atuante na crise da Venezuela, assunto no qual ele acabou discordando dos brasileiros”, diz o embaixador Rubens Barbosa. Bolton se destacou como um dos principais defensores de uma intervenção militar na Venezuela. Foi um dos arquitetos por trás do arranjo que levou Juan Guaidó a ser proclamado presidente interino, atuou nos bastidores em um levante militar fracassado e impulsionou a tentativa de ativação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, o Tiar, um pacto de ajuda mútua que poderia ser usado como pretexto para uma intervenção. Apesar das constantes ameaças contra o ditador Nicolás Maduro, o Brasil e outros países latino-americanos se negaram a participar de uma operação militar. Mesmo Trump admitiu, na semana passada, que Bolton havia passado do limite. Muita energia foi gasta para nada.

ReproduçãoReproduçãoJair Bolsonaro, como presidente eleito, e Bolton, no Rio de Janeiro
A agenda de aproximação segue firme. As articulações brasileiras nos Estados Unidos têm sido capitaneadas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Se Eduardo Bolsonaro for mesmo indicado como embaixador, e a depender do resultado da sabatina a que terá de se submeter no Senado, o chanceler terá de dividir essa função com o filho do presidente. Na quarta-feira, 11, Araújo proferiu uma palestra na Heritage Foundation. Trata-se do centro difusor de ideias conservadoras mais próximo do presidente Trump.

Nas questões comerciais, a despedida de Bolton não terá repercussão nenhuma. Pelo contrário. O fim da pressão que ele fazia para que o Brasil aderisse a um plano mais ousado na Venezuela tende a tirar do governo brasileiro o desconforto que a discordância em torno da iniciativa trazia. Com isso, o caminho fica mais aberto para que as outras agendas avancem. Do lado americano, as negociações para ampliar os negócios com os Estados Unidos são conduzidas pelo secretário de Comércio, Wilbur Ross, e pelo representante de Comércio, Robert Lighthizer. O Departamento de Estado ficou de fora. Entre os brasileiros, a expectativa é de que haja conversas em três níveis: para um acordo de livre-comércio, para a eliminação de dupla tributação e para um pacto de investimentos. “Para essas três metas mais ambiciosas, será fundamental que os presidentes deem o pontapé inicial, o que pode acontecer com uma visita de Bolsonaro aos Estados Unidos ou de Trump ao Brasil”, diz Diego Bonomo, gerente-executivo de Comercio Exterior da Confederação Nacional da Indústria, a CNI. Os dois presidentes já disseram que querem um acordo de livre-comércio, só falta iniciarem oficialmente as tratativas. Entre os americanos, o interesse cresceu após o anúncio do tratado entre o Mercosul e a União Europeia. Eles temem perder competitividade para os europeus na América do Sul.

Ernesto Araújo na Heritage Foundation, centro de ideias alinhado a Trump
O grande objetivo dos brasileiros é fechar um acordo que inclua reciprocamente a redução de tarifas e de cotas de importação. Algo dessa magnitude, contudo, teria de ser acordado com os demais países do Mercosul. Se um integrante do bloco regional não quiser enveredar por esse caminho, os brasileiros estão dispostos a seguir adiante mesmo assim. Uma possibilidade seria a de flexibilizar o Mercosul, permitindo que os países façam acordos bilaterais. Em prazo mais curto, Brasil e Estados Unidos já podem firmar acordos mais pontuais, de facilitação de comércio. Um deles seria a liberação dos chamados Operadores Econômicos Autorizados, o OEA. Trata-se de uma autorização prévia para as empresas evitarem entraves burocráticos nas alfândegas. O Brasil já tem um sistema similar funcionando com o Uruguai e o Peru. Sem as facilidades que o mecanismo permite, uma empresa brasileira leva 36 horas nos trâmites de importação e 3 horas e meia na exportação. Com o carimbo de OEA, os tempos caem para 4 horas e 1 hora, respectivamente. Outro acordo possível seria o de global entry, para facilitar a entrada e a saída de empresários americanos e brasileiros nos dois países.

Entre os assuntos na pauta de Ernesto Araújo em sua viagem para Washington na semana passada, estava exatamente o pacote de iniciativas que pode ser destravado já, antes de as negociações em torno do acordo de livre-comércio deslancharem. “Qualquer avanço comercial com os Estados Unidos teria um impacto muito relevante. Eles são os nossos principais compradores individuais de produtos industrializados, como aviões, máquinas e componentes na área de energia renovável”, diz Bonomo, da CNI.

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