Lula Marques/ Agência BrasilLira: em busca de um caminho para manter a relevância política depois de deixar a presidência da Câmara

As digitais do governo no processo de enfraquecimento de Lira

Os quatro ingredientes que apontam uma ação de Lula para fincar bandeiras nas trincheiras do Congresso
09.02.24

Embora o Planalto não queira deixar digitais em uma estratégia de enfraquecimento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), logo não será possível deixar de reconhecer que há uma ação de Lula para fincar bandeiras nas trincheiras do Congresso.

Esse objetivo não está – e nunca será – declarado abertamente. Faz parte da política esperar sempre que o outro lado declare guerra primeiro para que o defensor tenha a vantagem moral do conflito. Mas é inegável que o governo aumentou fortemente a pressão sobre o alagoano, separando os ingredientes para seu enfraquecimento, em uma atitude muito mais desafiadora do que se viu em qualquer momento de 2023.

Primeiro ingrediente: tensão programada

Ninguém conseguiria imaginar o tamanho da tensão que o governo criaria ao adotar as medidas que tomou durante o recesso: reoneração da folha, fim do Perse e vetos ao cronograma de execução do Orçamento e a parte de emendas de comissão. Simbolicamente, a mensagem é que o Planalto não abrirá mão de ser o principal polo de poder da Esplanada e que não aceita sequer ser colocado no mesmo plano do Congresso Nacional.

Foi uma medida de força contra a ideia de um semipresidencialismo de fato, mas que já traz no seu bojo um alvo em especial. Tanto o Perse quanto o veto às emendas de comissão, que são definidas em grande parte pelos presidentes da Câmara e do Senado, têm relação direta com o poder de Lira.

Além disso, a falta de execução de emendas destinadas por parlamentares no âmbito do Ministério da Saúde fez com que muitos deputados cobrassem o presidente da Câmara o que havia sido acordado em votações em 2023. Embora o devedor seja o governo, Lira claramente assumiu o papel de fiador.

Segundo ingrediente: flerte com aliados de Lira

O anúncio da saída do PSB do blocão comandado por Lira, se quantitativamente pouco importante para votações, teve o efeito de anunciar que a estrutura de poder do presidente da Câmara pode estar começando a se desfazer. E essa narrativa interessa ao governo.

No dia 6, a apuração junto a assessores do PSB levantou que o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, esteve duas vezes com o novo líder, deputado Gervásio Maia (PSB-PE). Em uma delas, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o estava acompanhando.

Como me disse esse mesmo assessor, “aqui estão os ingredientes, agora faça o bolo”.

Fotos de Lula com candidatos à sucessão de Lira, como o deputado Antônio Brito (PSD-BA) e acenos a Marcos Pereira (Republicanos-SP) em eventos públicos – mas nenhuma menção ao favorito de Lira, deputado Elmar Nascimento (União-BA) –, também é uma forma de criar divisões no núcleo duro do Centrão.

Terceiro ingrediente: mimos a Rodrigo Pacheco

O governo encheu Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de adulações durante o início do ano legislativo. O prêmio final foi uma viagem entre Lula e Pacheco para anunciar obras no estado. O resultado buscado por Lula é claramente criar uma narrativa na qual ele também é o mentor de Pacheco.

Não por acidente, a jornalista Roseann Kenedy, colunista do Estadão, publicou hoje que “Lula planeja lançar Pacheco ao governo de Minas em 2026”, como se isso já não fosse um plano do presidente do Senado há muito tempo. De todo modo, isso mostra como Lula quer controlar a narrativa, colocando-o como o responsável por fazer vencedores e perdedores nas eleições locais, um ativo que, no seu cálculo, deve atrair a fidelidade de políticos de vários partidos.

Além disso, ao controlar Pacheco, Lula diminui consideravelmente o poder de fogo de Arthur Lira, cujas iniciativas possuem pouco efeito sem a anuência do Senado.

Quarto ingrediente: Ameaça de investigação policial

Marotamente, parte da imprensa anunciava ontem que “Fazenda vê indícios de crime em programa apoiado por Lira”. Aproximar Lira de investigações policiais é uma estratégia que já se provou eficiente para conter o alagoano em 2023, quando STF tinha inquéritos abertos contra ele.

Não é possível, na nossa avaliação, ignorar que há forte cerco contra Lira. Assim como também não se pode deixar de ver que, ao atacar Lira, mira-se menos o CPF e mais o modelo de governo com autonomia do Congresso.

Ao destronar Lira e atuar como kingmaker do próximo presidente da Câmara, o que Lula quer é retomar o controle do Legislativo, do Orçamento e do processo decisório de forma definitiva. Se Lira se dobrar, será ainda em 2024. Se não, pode acontecer em 2025. O governo consegue esperar.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. O discurso do Lira, no início do ano legislativo , indica que ele percebeu esses movimentos do governo e deve buscar se manter no jogo

  2. Nem com Luna nem sem Lula, Pacheco não tem votos para Governador de Minas, estado essencialmente conservador e atento aos atos pretéritos do presidente do Congresso.

  3. E a resposta do Lira foi, qual guri mimado após se sentir injuriado, esbravejar em sessão solene, colocando-me claramente acima do cargo que ocupa. É um personagem nefasto que encontra em Lula alguém muito mais capaz de o dobrar (não propriamente por motivos republicanos) que o inútil e débil Bolsonaro

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