SESCTV via YouTubeInácio Araújo: primeiro homenageado — e em seguida cancelado

Cancelamento e autodeclaração

Crítico de cinema foi atacado por dizer que, para ganhar dinheiro do Ministério da Cultura, é preciso falar de gay, negro e índio
09.02.24

O Fest Aruanda, festival de cinema de João Pessoa, cancelou uma homenagem a Inácio Araújo, crítico de cinema da Folha de S. Paulo, por falas classificadas como homofóbicas ditas pelo critico em outro festival, no Rio Grande do Norte.

A fala atribuída a ele foi a seguinte: “O MinC virou uma ONG, tudo muito burocratizado. E tenho a sensação de que só ganha dinheiro do Ministério da Cultura se for pra fazer produto audiovisual que necessariamente tenha que falar de gay, negro e índio.”

Inácio Araújo tem 75 anos e várias décadas dedicadas ao cinema, como crítico, roteirista, montador. Trabalhou com alguns dos mais importantes cineastas brasileiros como Carlos Reichenbach e Walter Hugo Khouri.

Mas bastou uma fala a ele atribuída para que fosse vítima de cancelamento. Veja a nota dos organizadores: “Lamentamos imensamente os acontecimentos que se desenrolaram nos espaços de debate promovidos pela Mostra entre ontem e hoje e nos solidarizamos com todos aqueles que foram violentados pelas ofensas ali proferidas.”

A nota é totalmente desproporcional. Na verdade ela nem parece referir-se ao comentário de Inácio Araújo. A impressão que dá é que Inácio agrediu algum grupo social. O argumento ali é muito simples de entender: ele criticou os critérios de seleção do Ministério da Cultura baseado em grupos identitários – seja nos temas dos filmes ou nos proponentes. Nunca foi proibido a um negro, índio ou homossexual ter um projeto aprovado no MinC. A crítica se refere apenas o pertencimento a esses grupos ter-se tornado um critério de seleção.

Nem na esquerda governista esses critérios são unanimidade. Até por uma razão prática: como será conferido o pertencimento ao grupo? No caso do negro pode acontecer como nas universidades: um tribunal racial. Mas e no caso dos homossexuais?

O cineasta Fábio Leal escreveu no X (ex-Twitter) em outubro do ano passado que ao preencher o formulário para participar do edital da Lei Paulo Gustavo teve que escrever “os seguintes motivos justificam minha autodeclaração como LGBTQIAPN+”.

E se o concorrente mentir tal autodeclaração para se beneficiar? Como será possível conferir? Melhor pararmos por aqui nas especulações.

A autodeclaração termina por tornar-se um parâmetro de subjetividade tanto de quem afirma como de quem analisa.

No estado do Rio chegou-se ao ponto no edital da Secretaria de Cultura do governo Claudio Castro de classificar os projetos de acordo com o volume de cotáveis contratados. Imagine o leitor: na hora de apresentar o projeto de um filme você deve discriminar qual a opção sexual das pessoas que vão trabalhar na obra.

Todas essas questões são discutidas privadamente na esquerda, mas pouco disso vem à superfície. Existe uma espiral de silêncio nesses assuntos, as pessoas têm medo de serem canceladas, como aconteceu com Inácio Araújo.

O cineasta Lucio Aguiar, que trabalha com cinema há 46 anos, me disse em conversa recente: “Esse parâmetro do pertencimento foge ao fundamento do cinema brasileiro. Plural dentro de todas as identidades regionais. Sempre lutamos por um cinema plural sem sexo preferencial, sem identidade étnica preferencial, sem credo ou cor de norte a sul, de nordeste a centro-oeste passando pelo sudeste. As cotas são um sistema de exclusão.”

Como se vê, a opinião de Inácio Araújo não chega a ser estranha. Ainda mais quando o assunto – como esse relacionado a cotas e autodeclaração de raça, gênero ou preferência sexual – é tão cheio de nuances.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Inácio Araújo falou por milhares de brasileiros que não aguentam mais se verem obrigados a embarcar nessa "fantasia" woke. Tenho notado como as propagandas de TV estão abarrotadas desse modelo de "minorias" mas já formam uma maioria. Me sinto excluída pois moro no Sul do Brasil, que cresceu basicamente pelos imigrantes europeus. E que mal há nisso? Alguém já viu novela da Globo sobre imigrantes ucranianos? Aqui no Paraná existem, e são minoria no Brasil.

  2. Quanto mais esse pessoal tenta inclusão para esses grupos, mais separados ficam. Acabam criando grupos isolados, cuja única preocupação é ser vistos pelos seus próprios grupos. Não há a chamada inclusão nem a tal sensação de pertencimento. Vejo a GLOBO agora com um monte de repórteres negros. Bailarinas Plus no Fantástico. Novelas de grupos de identidade sem audiência alguma. É tudo muito forçado. Muito irreal e superficial.

    1. Onde vamos parar com tanta indigencia cultural.Não são capazes de compreender um texto uma fala uma observação que pobreza como dizia minha mãe que atraso,,,

  3. Josias, Honestidade intelectual, como a que você demonstra em seu texto é o que falta nessa turma de cabeça oca!!! Elisa Cristina

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