ReproduçãoO advogado Rodrigo Mutrovisch, com bata vermelha, na cerimônia de sua posse em San José

O escudo de Gilmar

Rodrigo Mudrovitsch, advogado do ministro do STF, torna-se vice-presidente do tribunal da OEA que julga violações de direitos humanos
09.02.24

Sendo o ministro mais antigo no Supremo Tribunal Federal, o STF, o decano Gilmar Mendes exerce uma influência descomunal na principal Corte brasileira. Nomeado por Fernando Henrique Cardoso, ele foi um ferrenho defensor das causas tucanas. Depois, aproximou-se dos governos de Lula e de Jair Bolsonaro, arquitetando seus planos nos corredores do tribunal. Mas sua influência não se restringe ao território brasileiro. Seu advogado, Rodrigo Mudrovitsch, indicado por Bolsonaro para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2020, assumiu em 29 de janeiro a vice-presidência do tribunal, ligado à Organização dos Estados Americanos, OEA. De San José, na Costa Rica, onde fica a sede da Corte, Mudrovitsch serve como um escudo avançado para o STF e Gilmar Mendes.

Um dia após Mudrovitsch assumir o novo cargo, Gilmar Mendes o parabenizou com uma mensagem no X, antigo Twitter: “Congratulo o juiz da Corte Interamericana Rodrigo Mudrovitsch pela posse como vice-presidente do tribunal. Um grande e importante passo para a Justiça brasileira! Que seus precedentes continuem iluminando o avanço da pauta de proteção dos direitos fundamentais no Brasil”.

É uma situação anômala, porque Mudrovitsch não é um especialista em direitos humanos. Quando seu nome foi anunciado por Bolsonaro como candidato para a Corte, o meio jurídico ficou surpreso. Sua área de especialização é o direito penal econômico. Sua banca de advocacia fez fama ao defender grandes empresas e alvos da Lava Jato, como a petista Gleisi Hoffmann e o empresário Eike Batista. À época de sua indicação, uma comissão de juristas independentes apontou essa falha no currículo de Mudrovitsch. Os especialistas constataram que ele foi incapaz de comprovar um conhecimento sobre direitos humanos em seu currículo, nos processos em que tinha atuado ou na entrevista que fizeram com ele.

Essa má impressão se mantém ainda hoje. “Um sentimento que parecer ser unânime é que não se trata de alguém versado na matéria. As pessoas têm muita desconfiança pelo fato de ele ter defendido implicados na Lava Jato. Além disso, seu relacionamento com Gilmar Mendes não é um bom sinal”, diz o cientista político boliviano Hugo Achá, pesquisador do Center for a Secure Free Society e diretor da Fundação para Direitos Humanos em Cuba.

Mesmo tendo assumido em fevereiro de 2022 como juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos, Mudrovitsch seguiu trabalhando como advogado, assumindo novas causas (como integrante da CIDH, ele não é obrigado a se desvencilhar de suas funções anteriores). No site do escritório Mudrovistch Advogados, que conta com unidades em seis cidades brasileiras (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Velho, Cuiabá e Sinop), há uma seção apresentando a equipe. Rodrigo Mudrovitsch é quem encabeça a lista dos advogados. Hoje seu nome consta em 303 casos na página do Supremo Tribunal Federal. Desses, 48 foram publicados depois que ele já tinha sentado em sua cadeira na Costa Rica.

Em setembro do ano passado, Mudrovitsch assinou uma peça de 33 páginas que a empreiteira Odebrecht, atual Novonor, enviou ao STF. O pedido foi para que a empresa pudesse manter os benefícios obtidos com a assinatura de acordo de leniência feito durante a Lava Jato, mesmo após o ministro Dias Toffoli ter pedido a anulação das provas oriundas do mesmo acordo. É essa a grande área de especialização de Mudrovitsch.

Além da incongruência na área de atuação, há também uma questão ética. Quando uma pessoa que vive em um dos países que integram a Organização dos Estados Americanos, OEA, entende que teve seus direitos violados pelo Estado, ela pode recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso seus integrantes entendam que o Estado em questão realmente cometeu abusos, eles podem apelar para a Corte, que se reúne sete vezes ao ano. Na sequência, os sete juízes podem pedir medidas cautelares, mas suas sentenças não são vinculantes, ou seja, os Estados não são obrigados a obedecê-las. Nesses momentos, Mudrovitsch é convidado a decidir sobre casos de direitos humanos em vários países.

Um dos casos que estão sendo analisados pela Comissão e que podem chegar à Corte é o do jornalista Rubens Valente. Autor do livro Operação Banqueiro, ele e sua editora, a Geração Editorial, foram obrigados a pagar 310 mil reais ao ministro do STF Gilmar Mendes em um processo por danos morais. Como a sentença final foi do STF, a instância máxima da Justiça brasileira, Valente recorreu à Comissão. O problema é que o advogado de Gilmar nessa ação foi justamente Rodrigo Mudrovitsch.

Segundo o regulamento da CIDH, os juízes não podem analisar os casos de seu próprio país. O advogado Mudrovitsch, portanto, não poderá julgar Valente, caso o processo suba até o tribunal. Mas, embora exista esse impedimento, seria muito difícil mensurar a capacidade de Mudrovistch em influenciar os demais juízes. Nos tribunais de hoje, sabe-se que a questão técnica da interpretação das leis constantemente acaba ficando abaixo dos relacionamentos humanos. Sendo assim, ainda que a questão legal possa ser resolvida com o seu impedimento, a questão ética ficaria em suspenso.

Mudrovistch foi nomeado em 2020 e ficará até 2027 no tribunal. Até lá, ele vai funcionar como um escudo para barrar ações contra o Judiciário, especialmente o STF, propostas por brasileiros que buscam justiça na CIDH”, diz Maristela Basso, professora de direito da USP. “Mesmo que não julgue os casos do Brasil, ele poderá trabalhar nos bastidores para que um caso caminhe mais rapidamente ou acabe indo parar no arquivo.”

Na opinião de Maristela, Mudrovistsch funcionará como um cavalo de troia na OEA. “O STF teme o aumento considerável de reclamações na CIDH frente às suas decisões antidemocráticas e contra a Lava Jato”, diz a professora. “Nesse contexto, Mudrovitsch vai servir como uma cortina de fumaça para explicar aos demais juízes da Corte a narrativa atual do STF sobre a Lava Jato.”

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  1. É descaramento atrás de descaramento. Triste Brasil, nas mãos desses desavergonhados que priorizam seus próprios interesses sobre os de 210 milhões de brasileiros que os remunera.

  2. Maldita horas q FHC indicou um advogado ao STF! Nunca mais o tribunal foi o mesmo... Deterora-se a cada domingo! Este "ministro" é um câncer metastásico para o país!!!!!

  3. Legalidade é uma palavra que não combina com nosso STF. Já se falarmos em compadrio....tudo se resolve rapidinho, nem precisa de Constituição. Aliás ela está servindo para quem?

  4. O STF está na lama. Só serve pra defender corruptos e atacar adversários do atual governo . Constituição é mero detalhe que contornam conforme os interesses politiqueiros

  5. Gilmar faturou R% 350.000,00 do jornalista Rubens Valente e sua editora. Gostaria de saber qual mimo recebeu do banqueiro solto por ele.

  6. Não se enganem: o melhor currículo hoje dentro do Supremo é o de GilmaU. Extremamente inteligente, esse senhor faz um mal imenso ao Brasil. Quero viver para vê-lo sair de circulação. Deste dia em diante, levaremos décadas para nos recuperar.

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