Rosinei Coutinho/SCO/STF

No Brasil tudo se repete, e pra pior

Jurista sugere que STF brasileiro imite os outros Supremos do mundo para evitar decisões como o absurdo perdão de multas bilionárias por Toffoli
09.02.24

Em 22 de julho de 2019 informei no Estado de S. Paulo que Eric Wempel narrou, em 27 de junho de 2013, no Washington Post, peripécias criminais de Glenn Greenwald. Ele escreveu que “o escritório do cartório do condado de Nova York mostra que Greenwald tem 126 mil dólares em sentenças abertas e contra ele datando de 2000, incluindo 21 mil dólares do Departamento de Impostos do Estado e da Secretaria da Fazenda“. Também fala de um penhor de 85 mil dólares. E mais, conforme a mesma fonte: “Greenwald disse ao New York Daily News que está ‘preso’ às obrigações de Nova York”, mas negociando “planos de pagamento” (acerto de contas) com o IRS, equivalente americano da nossa Receita Federal. Numa postagem que Eric Wemple chamou de “preventiva”, Greenwald garantiu ainda que o jornal The New York Times também manifestou interesse por essa parte do passado” do mesmo frequentador do bas fond de sua cidade.

Quatro anos e meio depois muitos fatos enriqueceram (depende do ponto de vista ideológico ou ético de quem toma conhecimento deles) a folha corrida da antiga figurinha carimbada do submundo da meia luz. Teve a primazia de fazer para o site, cuja equipe dirigia, uma entrevista exclusiva, em 2016, com o então prisioneiro mais famoso deste país, o atual presidente da República pela terceira vez Luiz Inácio Lula da Silva. Tal “honra” (será?) foi concedida pelo papel desempenhado pelo tal Intercept Brasil no processo de soltura, candidatura, vitória e depois posse presidencial do referido ex-presidiário. Agora a repórter Tainá Alves, do Jornal do Commercio de Recife, reproduziu entrevista histórica com o membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) José Paulo Cavalcanti Filho. Sob o título “Decisões do STF que buscam reverter a Lava Jato podem virar escândalo”. Não se trata de uma entrevista política, em busca de notoriedade ou a serviço de posições ideológicas no inferno da polarização em que o Brasil se queima. O advogado foi membro da Comissão Nacional da Verdade a convite da petista Dilma Rousseff, vítima de tortura praticada na ditadura pelo crudelíssimo ídolo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Mercê de sua insistência, o torturador tratado pelo endeusado líder da extrema direita do Brasil hoje foi obrigado a sofrer o vexame da acusação ao vivo do ex-vereador Gilberto Natalini de tê-lo torturado no famigerado DOI-Codi. Greenwald, hoje viúvo do ex-deputado David Miranda, do PDT, fundado por Brizola no mesmo estado do Rio de Janeiro, morto aos 37 anos, não mais pertence aos quadros do Intercept Brasil. Este, porém, ainda circula nas telas de computadores do Brasil em endereços do Telegram.

Ademais, a entrevista de Tainá Alves com Cavalcanti não tem conotação política ou ideológica nenhuma, mas apenas técnica, como o entrevistado fez questão de repetir o tempo todo. Seu conteúdo baseia-se apenas em fatos e seus personagens são verídicos e poderosos. Por exemplo: o ministro Dias Toffoli, ex-advogado-geral da União nos governos de antanho de Lula e hoje em desesperada tentativa de reaver a simpatia dele após haver cometido a brutal desumanidade de proibir a visita do atual presidente ao velório do irmão. O jurista apenas informa que decisões tomadas pelas altas cortes em geral e o STF em particular não têm similares em quaisquer cortes outras no estrangeiro. O direito norte-americano, lembrou, só permite o uso de gravações sem autorização judicial em defesa, jamais em acusação, e com a confirmação por outras provas. A justiça brasileira também só as admite em idêntica hipótese.

O cancelamento dos acordos de leniência com a empreiteira Novonor e a J&F foi feito com gravações nunca submetidas a perícia de telefones roubados de autoridades em ação. Quem pode garantir que os textos divulgados são fiéis às fitas gravadas? A propósito, o jurista contou o processo da influenciadora Mariana Ferrer: neste o juiz ouviu as gravações e conferiu em todos os detalhes relatórios usados. Registrou discrepâncias e anulou o uso dessas provas. A absolvição do réu, o empresário Eduardo de Camargo Aranha, levou Greenwald a deixar o Intercept.

Ocioso anotar que as gravações foram produtos de crime (furto) e nenhuma, submetida a perícia. Muito menos a iniciativa tomada pelo juiz do outro processo citado. Nenhum dos ministros que participaram da extinção da Lava Jato e da transferência (e não da inocência) dos processos de condenação do presidente para Brasília sequer exigiu perícia.

José Paulo Cavalcanti Filho, especialista reconhecido do poeta português Fernando Pessoa, tem resumido sua proposta de correção a adequar a alta cúpula do Judiciário brasileiro à prática corriqueira em todos os seus similares no mundo. Todos. Tudo é resumido, segundo aprendeu na atividade profissional que exerce na prática, à necessidade de por fim a monstruosidades como o Supremo julgar no Brasil 9.800 processos por ano, enquanto os magistrados de última instância nos EUA e no Canadá se debruçam apenas sobre 60 e os alemães sobre 80.

Não será demais repetir que o exemplo da mulher de Toffoli, Roberta Rangel, advogada da ex-Odebrecht, ter o cliente favorecido por uma decisão de dispensa de pagamento de multa de bilhões pelo marido magistrado não seria aceito por nenhum judiciário fora das ditaduras do Brics, paixão de Lula: Rússia, Índia, China e África do Sul. Que destino malvado, o nosso! A política do “farinha pouca, meu pirão primeiro” não é digna de corte alguma. Mas no Brasil tudo se repete, e sempre pra pior.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Nenhuma instituição da nossa frágil democracia é, atualmente, confiável. Todas entupidas de gente com péssimas intenções

  2. O PTofolli assumiu o posto de ministro de defesa do PT. Não tem pudor em torcer os fatos pra construir narrativas que contribuam pra livrar corruptos ligados ao partido. Assim só contribui pra jogar lama na corte política do STF

  3. Imagino se suas afirmações, Nêumanne, estão também passando pela cabecinha do Toffoli (e de outros tantos). Eles não demostram nenhuma vergonha apesar de todo esse jogo estar claro. Seja como for, quero só saber agora se o processo para a cassação de Moro ainda está de pé.

  4. A gente sabe que os maus caracteres existem mas, o espantoso é essa subespécie marginalha desgovernada ascender a cargos sérios e relevantes da NOSSA REPÚBLICA desgovernando-a!!!! É inacreditável que isso possa acontecer e aconteça!!!!!

  5. Pergunto-me o tempo todo se ainda temos a chance de virar uma sociedade normal e evoluida, ou se só com intervenção divina mesmo.

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