“Paulo Negão” e a família B de Bolsonaro
Em 5 de setembro, um dia antes de ser esfaqueado, o então candidato Jair Bolsonaro fez uma carreata em Ceilândia, terra de sua mulher, a uma hora de distância dos palácios de Brasília. Enquanto Bolsonaro bradava que varreria PT e PSDB para o “lixo da história”, chutando o boneco do ex-presidente Lula, Michelle estava no Rio, ansiosa. Decidira finalmente gravar para o programa eleitoral do marido, na casa do empresário Paulo Marinho. Seria sua estreia na televisão e na vida pública. Até ali, a mulher de Bolsonaro mantinha-se discreta. Eduardo, irmão de Michelle, estava esfuziante no alto do trio elétrico, tirando fotos com o cunhado. Era candidato a deputado distrital e vivia o ápice de sua campanha franciscana (e fracassada). Paulo, o sogro de Bolsonaro, observava a multidão da esquina de casa, calado, de chinelos. Quando o genro foi chegando perto, ele ficou receoso dos holofotes e se escondeu na “Shopping 1,99”, uma loja de bugigangas.
Michelle, a filha de Paulo Negão que a partir de janeiro será a primeira-dama do país, ficou conhecida na campanha muito mais pelo seu silêncio — ela aparecia em vídeos de Bolsonaro traduzindo para a linguagem de surdos-mudos o que ele falava. Da vida simples na periferia de Brasília, Michelle agora vive as gostosuras e o desconforto do poder. Após o atentado sofrido pelo marido, teve de se adequar a uma rotina muito diferente de tudo o que já tinha experimentado. Agora, até as caminhadas que faz no condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, no Rio, são acompanhadas por um punhado de policiais federais.
Para os familiares, Mi, como a chamam, sempre foi a galhofeira da casa, onde ninguém tem ensino superior e o trabalho braçal é rotina. Já trabalhou como animadora de festas infantis, expositora de produtos em supermercados e pediu doações para a igreja em semáforos, vestida de palhaça. Nos fins de semana da infância, costumava juntar-se aos pais e aos dois irmãos, Eduardo e Diego, para vender agasalhos infantis em feiras, onde gostava de jogar conversa fora com os clientes. Era a própria família que confeccionava as peças. A turma armava bancas de lonas no Distrito Federal (Ceilândia), Goiás (Pedregal, Cidade Ocidental e Brasilinha) e Minas Gerais (Vazante). De agasalhos infantis, a produção, nos fundos da casa, passou a focar em roupas para cachorros. Hoje a família segue no ramo da confecção, mas agora produz camisetas para igrejas evangélicas.
Paulo divide com a filha famosa um sorriso muito parecido e a paixão pelo Flamengo. Na juventude, foi convidado para ser jogador profissional do Ceilândia Esporte Clube, uma agremiação local, mas declinou. Era lateral direito requisitado nos campos amadores de Brasília. Das peladas com motoristas do sindicato passou a figurinha certa no Minas Tênis, um clube de classe média da capital. A única viagem internacional que fez — precisou ser tranquilizado pela família do medo de avião — foi ao México, representando o clube. Uma lesão no joelho fez com que parasse de jogar. Paulo é tímido. Não olha nos olhos do interlocutor, embora mantenha sempre um leve sorriso no rosto. Abordado por Crusoé, ficou sem jeito quando foi perguntado sobre o presidente eleito. Pediu desculpas e foi logo se afastando. Disse que fora proibido de falar com a imprensa. Quando indagado se passaria a morar no palácio presidencial, como a sogra de Michel Temer o faz, fechou a cara e respondeu, irritado: “Sem comentários para isso daí”.
Paulo Negão não diz, mas planeja se mudar. Hoje ele mora a cinco minutos do Sol Nascente, a segunda maior favela do Brasil. Sua rua, que dá para uma avenida que costuma alagar nos períodos de chuva no Planalto Central, fica perigosa à noite. É frequentada por usuários de drogas. Mesmo de dia, ninguém dá bandeira por ali. Ao chegarem do trabalho, os moradores entram em casa rapidamente e qualquer cara diferente que aparece é vista com desconfiança. Bem em frente à casa do sogro de Bolsonaro, com muro amarelo e portões pretos que guardam um sedan de 2009, há um beco com entulhos, mato alto e cavalos de carroceiros. Paulo Negão não gosta da bagunça. Já organizou vaquinhas com os vizinhos para retirar o lixo dali, que por vezes vira fogueira e enche as casas de cinzas. O rubro-negro mais ilustre da vizinhança é elogiado por capinar, ele próprio, o matagal. O esforço é para melhorar um pouco o nível de segurança nas cercanias — a professora Rosemeire Saturnino, que mora lá há três décadas e cresceu com Michelle Bolsonaro, conta que no ano passado houve uma tentativa de estupro no beco.
Paulo e Maisa são casados há 32 anos. Michelle Bolsonaro, hoje com 36 anos, é filha de Paulo. Sua mãe, Maria das Graças, também mora em Ceilândia, mas não é muito próxima da família. Eduardo, de 33 anos, é filho de Maisa, mas trata Paulo como pai. Diego, o mais novo, com 30 anos, é filho de ambos e funciona como o elo entre Michelle e Paulo Negão. É ele quem mantém contato mais próximo com a futura primeira-dama, quase sempre por mensagens de WhatsApp.
Diego já foi soldado da Aeronáutica e agora estuda educação física. Em 2011, defendeu Bolsonaro publicamente quando o cunhado ainda namorava sua irmã. “Ele nunca foi preconceituoso”, disse à imprensa na esteira de mais uma das polêmicas que tinham o então deputado como protagonista. Àquela altura, em um programa de televisão, a cantora Preta Gil perguntou a Bolsonaro o que ele faria se um de seus filhos namorasse uma mulher negra. “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente promíscuo como lamentavelmente é o teu”, respondeu o então deputado. Não demorou para que fosse acusado de racista. Bolsonaro então prometeu mostrar uma foto com um “cunhado negro”. Era Diego, que depois ainda deu a declaração a favor do agora presidente eleito.
Na campanha, Eduardo prometia melhorar as condições de trabalho para motoristas de aplicativos. Hoje ele dirige para a Cabify e a 99. Saiu do Uber. “Eles disseram que eu tinha nota ruim, mas é mentira. É só porque eu reclamava publicamente das práticas da Uber”, afirma. Nas horas em que não está dirigindo pelas ruas de Brasília, Eduardo faz serviços como cinegrafista e fotógrafo em eventos. Carrega os materiais no porta-malas de um sedan preto com três anos de uso. Trabalha sempre de terno. Reclama de que o mercado de eventos está péssimo e cogita estudar para concurso. “Antes, eu falava: concurso que nada, eu ganho muito mais filmando. Agora, está feia a coisa”.
No auge da campanha, quando estava em cima do trio elétrico com Bolsonaro na Ceilândia, tentando ficar perto do cunhado, foi expulso por um policial. A ordem veio do xará Eduardo Bolsonaro, filho do capitão: “Desce! Desce!”. O meio irmão de Michelle não reclamou e desceu do trio. Dias depois, foi à Câmara dos Deputados e encontrou de novo o filho de Bolsonaro, que se desculpou: “A gente é parente, né? A gente é o quê? Cunhado?”. “Cunhado não, cunhado seria se você fosse o Jair”, respondeu o irmão de Michelle. “Ah, deve ser alguma coisa”, disse o filho do presidente eleito. A partir de janeiro, se tudo der certo, o Eduardo motorista pretende se aproximar ainda mais do Eduardo deputado, agora no Palácio da Alvorada, a convite da irmã famosa. Oportunidades não faltarão.
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