Ricardo StuckertO presidente brasileiro com o da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em Joanesburgo: "mundo mais equitativo"

Laços cortados

Lula promete mais cooperação com a África, mas histórico de corrupção e aumento da influência chinesa no continente podem emperrar seus planos
24.08.23

Na retórica em prol do Sul Global do governo Lula, a África ocupa uma posição especial. Em discurso no Diálogo de Amigos do Brics nesta quinta, 24, em Joanesburgo, África do Sul, o presidente brasileiro disse que o continente deve servir de exemplo para países que “buscam um mundo mais equitativo”. Segundo Lula, a África apresentou taxas de mortalidade baixas durante a pandemia de Covid e tem sido o celeiro de “centenas de startups e centros de inovação”. Para completar, o continente africano ainda está se transformando “na maior zona de livre comércio do planeta”. Lula então disse que pretende inaugurar uma nova agenda de cooperação entre o Brasil e a África. Após viajar para Angola, onde tem um encontro marcado com o presidente João Lourenço, o petista ainda passará por São Tomé e Príncipe, para participar da Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Uma cooperação maior com a África, contudo, esbarra em três dificuldades: a pequena relevância econômica do continente, o histórico de corrupção dos governos petistas e a crescente influência da China na região.

Do total de cerca de 45 atos internacionais no acervo Concórdia, do Itamaraty, apenas três envolvem acordos celebrados com países africanos. O maior avanço trata da regulamentação tributária para transportes aéreos e marítimos com Angola. A pouca atenção dada à África também pode ser constatada na maratona de viagens presidenciais do primeiro semestre. Lula visitou 16 países em 10 viagens internacionais antes da Cúpula do Brics, um total de 37 dias fora do Brasil. Nesse período, o presidente passou apenas duas horas na África, em escala em Cabo Verde, onde agradeceu ao continente por “tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão”.

Os esforços feitos no passado também tiveram poucos frutos. Nos primeiros dez anos de governos petistas, relações comerciais entre Brasil e África quintuplicaram. O Brasil estava em franca ascensão com a valorização das commodities e ávido por exportar serviços, com ajuda do BNDES. O resultado foi a corrupção sistêmica, revelada pela Lava Jato. Os negócios da Odebrecht em Angola, por exemplo, mais enriqueceram a família do hoje ex-ditador José Eduardo dos Santos do que beneficiaram os angolanos. Em Moçambique, a empreiteira recebeu 125 milhões de dólares (160 milhões de dólares na cotação atual) do BNDES para construir um aeroporto fantasma. Tudo isso minou o potencial das relações com muitos parceiros africanos.

Por fim, o interesse dos africanos pelo Brasil também diminuiu. Movida pela estratégia da Nova Rota da Seda, que envolve investimento predatório em infraestrutura, a China é hoje, de longe, o maior parceiro comercial da África. O comércio sino-africano vale 200 bilhões de dólares por ano. “Com capacidade de financiar, a China atua em todos os setores e lidera um fórum com todos os países africanos”, diz o cientista político Acácio Almeida, da Universidade Federal do ABC. Além da China, há o protecionismo da União Africana. Quando Lula assumiu em 2003, o bloco que reúne todo o continente tinha menos de um ano de fundação. Hoje, está mais fortalecido e regula os acordos comerciais com outros países e continentes.

Lula e o PT podem até querer aumentar a cooperação com a África, mas será preciso perguntar antes se os africanos estarão interessados em fazer negócios com o Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO