Maurício Tonetto / SECOMNão há absolutamente nada de errado com a declaração do governador Eduardo Leite sobre pequenos comerciantes

Um alerta sensato num país histérico

Doações, por melhores que sejam as intenções de quem tenha doado, podem sim causar consequências indesejáveis a longo prazo
17.05.24

Em 1849, o historiador escocês Thomas Carlyle rotulou a economia de ciência triste” (“dismal science”), fama que não deixou o estudo dedicado à alocação de recursos escassos até hoje. Hoje já se entende que a economia não é um jogo de soma zero, que riqueza se cria e se transforma, mas falar de escolhas difíceis em meio à escassez segue tabu, em especial nos momentos de crise.

O azedume causado por uma discussão econômica madura foi a grande surpresa com que o jovem Eduardo Leite (PSDB; foto), que antes dos quarenta anos já governa o Rio Grande do Sul pela segunda vez, teve que lidar nos últimos dias, com uma declaração perfeitamente defensável e que ele, devido à histeria ideológica que causou, achou por bem retirar num constrangido pedido de desculpas.

Disse o governador gaúcho, em entrevista à rádio Bandnews FM: Quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao estado, há um receio, que nós observamos em outras situações, sobre o impacto que isso terá no comércio local. O que pode ter, na verdade, é uma cidade que foi impactada, o comércio local impactado também, e o reerguimento desse comércio fica dificultado à medida que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares do país”.

Não há absolutamente nada de errado com a afirmação e há evidências suficientes para sustentar o argumento. Após o devastador terremoto de 2010, o Haiti recebeu tantas doações de alimentos do exterior que a agricultura local se tornou economicamente inviável. O resultado, na prática, foi uma migração em massa de camponeses haitianos para a capital Porto Príncipe, multiplicando exponencialmente a favelização da cidade, um problema social sem solução aparente até o momento.

Doações, por melhores que sejam as intenções, podem, sim, causar consequências indesejáveis a longo prazo. Mas é uma conversa de adultos que nem todos estão preparados para ter. Até a ONU sabe disso. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em 1968, surgiu um movimento com o ótimo nome de “Trade, Not Aid”, que defendia que a maneira sustentável de ajudar países pobres é pelo comércio e não por doações.

Não faltam exemplos de ditaduras africanas que ficavam ainda mais fortes e sanguinárias desviando o dinheiro enviado pelos ocidentais cheios de boas intenções, assim como não se imagina a China comunista e seu entorno tendo o vigoroso desenvolvimento econômico das últimas décadas sem o bom e velho capitalismo.

A reação desproporcional e leviana ao comentário do governador Eduardo Leite revela outro problema, o viés elitista e alienado de parte da classe falante brasileira, que tem verdadeiro horror ao livre comércio, ao empreendedor, ao profissional liberal, ao motorista de Uber e à classe média em geral. Os candidatos a aristocratas sonham sempre com um mundo dividido entre muito ricos e muito pobres, os ungidos morando em seus castelos com serviçais escolhidos a dedo. Aos outros, no máximo, esmolas.

A situação no Rio Grande do Sul é evidentemente crítica, lembrando um clássico do Gaúcho da Fronteira: “que pampa é essa que eu recebo agora / com a missão de cultivar raízes, / se desta pampa, que me fala a história, / não me deixaram nem sequer matizes?” Não há, por parte do povo local ou do próprio governador, qualquer recusa em aceitar donativos, como ele mesmo esclareceu, mas a discussão sobre os impactos econômicos da tragédia fica para depois.

Se a ajuda é urgente e necessária, a confiança na força e resiliência do bagual é também imperativa. Como termina a mesma música regionalista desse uruguaio de nascimento que virou símbolo da música gaúcha, “se for preciso, eu volto a ser caudilho / por essa pampa que ficou pra trás / Porque eu não quero deixar pro meu filho, / a pampa pobre que herdei do meu pai!”.

 

Alexandre Borges é jornalista 

 

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