Ana Volpe/Agência SenadoMedidas podem economizar 300 bilhões de reais nos próximos dez anos

Arthur Lira: “O momento da reforma administrativa é agora”

Em entrevista, Arthur Lira defende novo modelo de gestão, que pode acabar com privilégios do funcionalismo e melhorar atendimento aos cidadãos
25.08.23

Estabilidade no emprego, promoção automática, licença-prêmio e férias de mais de 30 dias são privilégios de uma casta de funcionários públicos que sempre causaram inveja e revolta entre os demais brasileiros pagadores de impostos. Mexer nesse vespeiro sempre foi um desafio e tentativas de reformar o sistema foram seguidamente engavetadas no Congresso. Mas, este ano, o assunto voltou com uma chance considerável de sair do papel — e bem durante um governo do PT, partido próximo dos lobbies do funcionalismo.

A tarefa tem sido tocada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Sua intenção é aproveitar o que alguns congressistas chamam de “brecha de oportunidade” para aprovar a PEC 32 e, assim, ficar conhecido no futuro como o parlamentar que conseguiu, durante sua gestão, aprovar duas das três maiores reformas estruturantes dos últimos cinco anos: a tributária e a administrativa. A previdenciária entra na conta de Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara.

O momento da reforma administrativa é agora“, diz Lira em entrevista exclusiva para Crusoé no final desta reportagem. “Seria um avanço, uma conquista para o Brasil. Melhoraria a eficiência do Estado e seria uma importante sinalização para o mundo que o país está entrando na modernidade. Como disse, uma reforma dessa ordem ao lado da tributária e do novo marco fiscal colocaria o Brasil em outro patamar.

Para isso, Lira luta contra a má vontade do Palácio do Planalto. O presidente Lula e a base ideológica do PT não gostam da ideia, mas o presidente da Câmara tem feito vários acenos e atuado para convencer o Planalto de que a reforma é importante para ajudar a sanear as contas públicas e melhorar a relação do governo com o mercado. A reforma tributária e o marco fiscal foram acenos importantes. Mas a reforma administrativa, na visão de aliados de Lira, seria a sinalização perfeita ao mercado de que Lula e o PT estariam dispostos a cortar “na própria carne”.

Nas últimas semanas, Lira tem intensificado o lobby em torno do texto. Na segunda-feira última, o presidente da Câmara afirmou que o governo precisa se debruçar sobre o tema. “Temos que discutir despesas, já que não podemos aumentar impostos”, declarou Lira em um evento promovido pela Fiesp.

A luta de Lira é hercúlea. Ele tem tentado convencer os integrantes do governo de que o texto é uma proposta de Estado, pois o país precisa racionalizar a máquina administrativa, valorizar o servidor e melhorar a qualidade de atendimento ao cidadão. Aos poucos, o Planalto vem entendendo o recado e dado indicativos de que pode ceder à ideia. As negociações estão sendo tocadas diretamente pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), com integrantes da comissão especial da reforma administrativa. O parecer foi aprovado em setembro de 2021 e desde então espera ser votado pelo plenário da Câmara.

Na primeira semana de setembro, a expectativa é que o presidente da comissão especial, deputado Fernando Monteiro (PP-PE) e o relator da matéria, o deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), tenham uma reunião com a ministra Esther Dweck para discutir um substitutivo ao texto que foi aprovado na comissão especial.

A ideia é simples: tirar a pecha de “texto bolsonarista” da atual proposta — afinal de contas, o texto atual foi endossado pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes — e retirar alguns pontos considerados polêmicos, como a possibilidade de terceirização completa das atividades-fim nos ministérios.

Segundo integrantes do Palácio do Planalto e da Câmara, se forem equacionados três pontos específicos, o texto teria aval até mesmo de integrantes do PT: a redução do teto de 10 anos para cinco anos dos contratos temporários de trabalho, nos quais a seleção ocorreria por meio de seletivo simplificado; a supressão do trecho que amplia as possibilidades de terceirização no serviço público e a que o texto deixe explícito que as mudanças valerão apenas para novos servidores públicos e não para os antigos. Este último aspecto, inclusive, tem sido bastante mencionado por Arthur Lira em seus pronunciamentos. Na visão de Lira, os servidores públicos atuais não perderão direitos na reforma.

Eu não entendo essa PEC como uma reforma administrativa, eu entendo como uma modernização do serviço público. Agora estamos em tempos de inteligência artificial, WhatsApp, internet então é hora de modernizar. Nós garantimos 100% dos direitos já adquiridos até o dia que promulgar a PEC. Isso está garantido”, declarou a Crusoé o presidente da comissão especial sobre a reforma administrativa, Fernando Monteiro, do PP.

Essas mudanças, contudo, teriam que ser enviadas pelo Palácio do Planalto por meio de uma emenda substitutiva global (proposta legislativa que substitui uma outra) – o que poderia suscitar questionamentos sobre a necessidade de se instalar uma nova comissão especial sobre o tema. A solução? Simples. Junto com a emenda global, apresentar um pedido de urgência para que o projeto seja analisado no plenário da Câmara.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conforme apurou Crusoé, também já está ciente desta articulação. Ele endossa parte do texto, e segundo fontes que acompanham as tratativas não apresentou qualquer indisposição ao tema.

Lira tem pressa. A janela de oportunidade se fecha no início do ano que vem, mais precisamente em março, quando as atenções estarão voltadas para as disputas municipais. As eleições para prefeitos e vereadores são importantes e vistas como prévias para as gerais de 2026, quando boa parte dos deputados tentará a reeleição.

Se isso não fosse o bastante, como se trata de uma PEC, a reforma administrativa ainda precisa da anuência de 308 deputados em dois turnos. Isso apenas na Câmara. No Senado, são necessários 49 votos, também em dois turnos.

Deputados e senadores têm noção de que um assunto árido como esse e com pouquíssima popularidade dificilmente passará em ano eleitoral.

O presidente Lira quer muito a reforma, ele sempre defendeu esse tema. Nós deixamos o projeto pronto para o plenário. Tendo vontade política, ele passa. Eu entendo que pelo Congresso há uma grande chance de passar. O clima é bom. O Arthur Lira tem conduzido bem essa agenda das reformas. Agora, de fato, o nosso problema é a boa vontade do Poder Executivo”, disse o deputado, Darci de Matos (PSD-SC), relator da matéria quando ela estava na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Agora vai ser difícil para o PT recuar sobre esse tema. Nos últimos anos, o partido intensificou as críticas em relação à proposta. Eles vão ter que mudar a narrativa para endossar esse texto”, disse o deputado Kim Kataguiri (União-SP), que tem acompanhado de perto as discussões sobre a reforma administrativa.

A proposta de reforma administrativa acaba com a estabilidade para boa parte das funções públicas e extingue promoções automáticas, entre outros benefícios. Outras implicações da PEC são o fim da chamada licença-prêmio, de aumentos retroativos, férias anuais superiores a 30 dias, adicionais por tempo de serviço, aposentadoria compulsória como punição a servidores que são alvo de procedimentos administrativos disciplinares e parcelas indenizatórias em previsão legal.

Pela proposta, a estabilidade no serviço público ficará restrita a carreiras típicas de Estado, que serão definidas futuramente por meio de uma lei complementar. O texto abre brechas para que as contratações ocorram por um período determinado e por processo seletivo simplificado. Pela matéria, só será efetivado no cargo quem, depois de aprovado no concurso, alcançar resultados em avaliações de desempenho e de aptidão durante período de experiência obrigatório como fase final do certame.

Eis outro gargalo do texto que é alvo de crítica, principalmente das centrais sindicais. A questão diz respeito justamente às avaliações de desempenho do servidor público. Pela PEC, será aberto processo de perda de cargo aos servidores que tiverem duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas em um período de cinco anos. Essas avaliações também contarão para promoção e progressão na carreira e/ou nomeação em cargos de comissão.

A expectativa é que, segundo análise do deputado Darci de Matos, a reforma administrativa gere uma economia de aproximadamente 300 bilhões de reais em dez anos aos cofres públicos. Hoje, na análise do parlamentar, aproximadamente 30% dos serviços públicos já são terceirizados. “Com ou sem reforma, o fato é que o cenário hoje é completamente diferente e precisamos de uma modernização, e urgente”, defende Matos.

Entre os anos de 1995 e 1999, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, quando ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, promoveu uma série de mudanças estruturantes nas carreiras públicas, permitindo que Organizações Sociais pudessem prestar serviços de caráter social e alterou a política de concursos públicos. Talvez tenha chegado o momento de o Brasil, mais uma vez, fazer uma ampla reforma. Em nome dos novos tempos. Agora, fica a pergunta: o governo do PT vai querer olhar para a frente, ou, novamente, fincar o pé no passado?

Lula Marques /Agência BrasilLula Marques /Agência Brasil“A reforma já aprovada na comissão especial da Câmara garante todos os direitos dos atuais servidores públicos. Não retira nenhum”
 

ENTREVISTA

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que está comandando os esforços pela aprovação de uma reforma administrativa, afirma em entrevista a Crusoé que o atual modelo de gestão é anacrônico e não atende sequer aos interesses dos servidores. Segundo ele, este é o momento de aprovar essa mudança delicada. Segue a conversa:

Por que o sr. afirma que o país precisa de uma reforma administrativa?
Porque o atual modelo de gestão é anacrônico, não é bom para a população e nem para o servidor. O modelo é de antes da internet, do advento dos sites e portais digitais oficiais que promovem atendimentos não presenciais. A administração pública precisa ser atualizada à nova realidade tecnológica, econômica e social do país. Isso é inevitável.

Quais são, a seu ver, as linhas mestras da reforma, aquelas que o senhor vai trabalhar para que sejam aprovadas?
As linhas mestras da reforma administrativa consistem na racionalidade do sistema, no aumento de sua eficiência e eficácia e na melhoria do atendimento para o cidadão. Isso é o básico, o objetivo a ser alçado a médio prazo. A Câmara dos Deputados já tem pronta uma reforma, discutida e aprovada depois de meses de discussão numa comissão especial presidida pelo Arthur Maia e relatada pelo Fernando Monteiro. É preciso que o governo se debruce nessa proposta e promova uma discussão com a sociedade.

Qual o seu argumento para convencer o Planalto de que a reforma administrativa deve ser votada?
Como o governo está discutindo agora suas receitas e despesas, estamos diante de uma oportunidade política e econômica. Além disso, hoje ninguém está satisfeito com o atual modelo de gestão administrativa. Nem mesmo os servidores, sejam federais, estaduais ou municipais. Ao longo dos anos, surgiram várias distorções que precisam ser corrigidas. O momento da reforma administrativa é agora, porque se soma à aprovação da reforma tributária e ao novo marco fiscal, que trata exatamente das regras orçamentárias, receitas e despesas.

E o funcionalismo público, que em geral é contrário à reforma? Como pretende demonstrar a eles que essa medida é necessária?
O problema aqui é de narrativa. Os opositores de sempre, os que querem manter privilégios, e que são minoria do funcionalismo, passam versões mentirosas sobre como será e o que significa uma reforma administrativa para o país. Mas a reforma já aprovada na comissão especial da Câmara garante todos os direitos dos atuais servidores públicos. Não retira nenhum. E as novas regras só valerão para os que entrarem no funcionalismo após a promulgação da nova lei.

Qual é a importância de termos uma reforma administrativa aprovada ainda este ano? O sr. acredita que há chances reais de isso acontecer?
Seria um avanço, uma conquista para o Brasil. Melhoraria a eficiência do Estado e seria uma importante sinalização para o mundo que o país está entrando na modernidade. Como disse, uma reforma dessa ordem ao lado da tributária e do novo marco fiscal colocaria o Brasil em outro patamar. E isso só será possível se o governo e o Congresso Nacional entenderem a importância e a relevância da aprovação da matéria.

Há alguma possibilidade de mudança no texto nesta reta final para que ele seja mais facilmente aprovado?
A negociação faz parte do Parlamento. Numa matéria dessa complexidade sempre há a possibilidade de mudanças no texto. É natural.

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  1. Nunca existiu macho para enfrentar o poder e a vida nababesca desses semideuses do des serviço publico sempre blindados pelos partidos de esquerda.

  2. A ÚNICA REFORMA BOA SERIA PARA TROCAR O CONGRESSO TODO, O JUDICIÁRIO TODO E O EXECUTIVO TODO. ENTÃO DEIXAREMOS DE SER O PAÍS DO FUTURO.

  3. As regalias do funcionalismo público criam uma casta privilegiada financiada pela população pobre. É um mecanismo de eternização da desigualdade que a esquerda tanto diz combater. As propostas de alteração trazidas na reportagem são prementes e deveriam ser aplicadas também aos servidores atuais. Por fim resta saber se Lira quer mesmo passar essa reforma ou quer apenas barganhar com um governo que ele sabe rejeitar cortes de despesa e em cujas veias corre corporativismo e sindicalismo.

  4. Imagino que Lira lance esse fato objetivando outro . Ainda não apareceu nenhum macho que enfrente esse semideuses do des serviço publico historicamente protegidos pela esquerda .É muito mais cômodo elevar impostos do que mexer com essa casta privilegiada há 523 anos.

  5. Essa será possivelmente a única vez que concordarei com esse Lira das Alagoas. Espero que ele se lembre, também, de considerar uma reforma política, e acabar ou, ao pelo menos reduzir as benesses e inúmeros privilégios que os políticos têm.

  6. O nível moral está abaixo da barriga de cobra. Esse congresso não inspira confiança, nem o judiciário e muito menos o executivo.

  7. Na verdade, esse essa reforma somente tem pouquíssima popularidade entre alguns servidores públicos, sindicatos e a esquerda mais retrógrada. Porém ela tem enorme popularidade junto ao brasileiro comum, principalmente os contribuintes e usuários dos serviços públicos.

  8. Conta outra, Crusoé! Todos os governos a partir da tal constituição cidadã promoveram a mal fadada "moralização" do serviço público. Reformando a nossa colcha de retalhos. Começou pelo caçador de marajás, exemplar em desmoralizar a gestão pública. Figuras como essa do comentário não possuem moral para falar em "quebra de privilégios". Veja o poderosíssimo STF (o palácio da mordomia, com férias de 3 meses e sucursaís em escritórios laranjas. E os salários decorados por penduricalhos.

  9. Quero ver o dia em que político vai defender acabar com cargos e funções comissionadas.... esse discurso parece bonito, mas, na prática, objetiva apenas acabar com a estabilidade e, concomitantemente, com a independência e autonomia dos servidores.

  10. Só umas priguntinhas Lira ... reforma administrativa reduz despesas esta mesma q'ôcêis mamam, tu tens certeza macho? o tár de enrabouço fiscá (aíííííí deeentu) custou aos Manés $20bilhões, quanto vai custar a que lhes corta a carne? os Manés já sabem que na prática melhor "us cumpanhêro trabaiadô" trocar o líquido do salário pelos descontos? façam a conta do arroz com feijão tributado a 143% e sorriam a bolsa família dará uma caixa de Lexotan ou p/opção 4 gramas da boa sativa irrigada do sertão.

  11. Pergunto-me se a reforma pretendida é para valer ou só alcança os funcionários civis do Executivo ou vai alcançar os servidores militares, os do Legislatibo inclusive deputados e senadores e também os do Judiciário, abrangendo também os juizes de toda espécie...

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