Adriano Machado/Crusoe

‘Fechar Congresso e STF é antidemocrático’

Agora deputado, o líder do Movimento Brasil Livre vira alvo da fúria das redes, queixa-se dos excessos da militância de Jair Bolsonaro e diz que o governo pode virar refém do Congresso
23.05.19

A primeira imagem que se vê ao entrar no gabinete de Kim Kataguiri, no quarto andar de um dos anexos da Câmara dos Deputados, é a capa emoldurada de um jornal com a imagem da Avenida Paulista tomada por milhares de pessoas em março de 2016, naquele que foi o maior dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff. Kim estava lá, junto com seus parceiros do Movimento Brasil Livre (MBL), àquela altura um dos mais atuantes nas ruas do país. Dois anos depois, a direita chegaria ao poder com Jair Bolsonaro e o líder do MBL se elegeria deputado. Neste domingo, uma parte dos manifestantes voltará às ruas para apoiar o governo. Mas Kim e o seu movimento não estarão lá.

O motivo, segundo ele, é que a pauta do protesto ganhou um viés antidemocrático quando uma parte de seus organizadores passou a defender o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. As críticas o colocaram na linha de tiro dos apoiadores do governo – nos últimos dias, o deputado e o MBL perderam milhares de seguidores nas redes e viraram alvo de duros ataques. Mas isso não foi suficiente para contê-lo. Nesta entrevista, o deputado de 23 anos diz que a manifestação foi insuflada por Bolsonaro, que, acredita, estaria apostando no tensionamento com as instituições e com a pressão das ruas para governar. A seguir, os principais trechos.

Por que MBL não vai à manifestação deste domingo?
Porque a origem da pauta é de ataque às instituições, com fechamento do Congresso e do Supremo. Não faz o menor sentido, no momento de grande dificuldade para o presidente da República para aprovar a reforma da Previdência, ele causar mais turbulência política com essa manifestação.

Afinal, de onde surgiu a ideia dessa manifestação?
Acho que vem do Planalto. Não faz sentido não vir (de lá). Ainda mais depois da divulgação do texto em que o presidente fala em tese conspiratória (refere-se ao texto compartilhado pelo presidente na sexta-feira, 17, que diz que é impossível governar o Brasil sem os tradicionais conchavos). Faz sentido chamar uma mobilização popular se você acredita que não existe outra maneira de governar se não for causando esse tipo de atribulação? Então acho que vem daí (do Planalto). E o próprio presidente divulgou a manifestação, o filho endossou publicamente, vários movimentos ligados ao presidente endossam e divulgam abertamente, apesar de agora se ter a negativa de que não tem interesse em fechar Congresso ou STF. Mas é claramente uma manifestação adesista, governista. Pode ter outras pautas, mas a natureza é defender o governo.

E qual é a sua opinião quanto a isso?
É um atestado de que o governo falhou. Em nenhuma hipótese essa manifestação vai ter boas consequências para o governo. Se ela for muito bem, vai gerar a ira do Congresso e do STF porque os discursos vão ser acirrados. Se for mal, o presidente vai perder poder para o Parlamento e a oposição ganha discurso.

Acredita haver um viés antidemocrático na convocação?
Eu vejo. Fechar Congresso e Supremo é antidemocrático, antirrepublicano, antiliberal e anticonservador.

Como enxerga a leitura de uma parte dos políticos de que o presidente estaria interessado em romper com a democracia?
Não sei se chega em um ponto de ele querer romper, mas acho que ele quer governar com base na tensão com as instituições.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Não faz o menor sentido, no momento de grande dificuldade para o presidente da República para aprovar a reforma da Previdência, ele causar mais turbulência política”
Por sua experiência nas ruas, aposta que a manifestação será grande?
A tendência é de que seja menor que a manifestação da esquerda (ocorrida no dia 15) porque a direita está dividida. O movimento Vem Pra Rua, por exemplo, não vai. A gente (MBL) não vai. Tem influenciadores importantes da direita falando contra, como a (líder do governo no Congresso) Joice (Hasselmann). Se em momentos com unanimidade já tem dificuldade de mobilizar, com a divisão fica maior ainda. Além disso, a gente acabou de passar por um processo eleitoral. A mobilização que fazemos não é de militância, é de gente comum. E as pessoas comuns estão saturadas porque acabaram de passar por esse processo (na campanha).

Quais são as razões do racha na direita?
A divisão já existia depois do impeachment (de Dilma Rousseff), quando a direita se estabeleceu como força política e perdeu a bandeira comum (tirar o PT do poder). Deixou de ser um debate reativo de criticar o governo e passou a ser propositivo. E aí tem diferença de caminhos e propostas.

Quais são essas diferenças?
O debate hoje é em relação à condução política pelo presidente da República. Tem gente que acha que precisa inflamar os ânimos contra o Congresso para fazer com que o presidente aprove a qualquer custo o que ele deseja aprovar. E tem outra parte que acredita que é falha de condução política do presidente, que não é responsabilidade do Congresso, que o Congresso tem sua parte de responsabilidade, mas que a principal falha na reforma vem por uma postura da Esplanada e do presidente.

Que riscos essa divisão gera para a direita?
A população em geral, quem não acompanha a política, vê a direita como um negócio só. E, a partir do momento em que ela fracassa no poder, todos que não concordarem com a maneira como ela vem se conduzindo no governo federal vão junto.

Qual é a sua avaliação do governo?
Compromete pautas boas e bem elaboradas, principalmente a agenda econômica, com uma condução política desastrosa e com intrigas internas que não geram aprovação de projeto e benefício nenhum. Nem para o país, nem para o governo. Mas que desgastam o capital político que o governo tem.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“De uns cinco anos para cá, ele (Olavo) esqueceu completamente tudo o que escreveu. Deixou de fazer análise e passou a dar palpite em rede social”
Crê que ainda há tempo para consertar?
Acho difícil. Acho que passou do ponto de tensão. Ou a gente tem um parlamentarismo branco em que o presidente vira uma rainha da Inglaterra ou a gente passa por um processo de impeachment, dependendo da votação do crédito suplementar (projeto no qual governo pede acréscimo de 240 bilhões de reais no orçamento e que precisa ser aprovado até 30 de junho sob pena de o governo não ter recursos para pagar suas contas).

Essa leitura que considera a possibilidade de impeachment reflete o pensamento médio do Congresso?
Não. O desejo geral é que o presidente mantenha o isolamento que tem e aqui (o Congresso) vá para uma pauta independente. Esse é o mote.

A posição do MBL tem gerado críticas dos apoiadores de Bolsonaro. Como é virar alvo das redes sociais?
Eles fazem muito debate de interlocutor e pouco debate de mérito. Partem muito para o ataque pessoal e pouco falam efetivamente do que está sendo debatido. Não racionalizam o debate. E isso para mim é um dos pontos que prejudicam o próprio presidente e que gera animosidade do Congresso contra ele, porque a partir do momento em que você não ataca a ideia e ataca a pessoa, isso gera uma antipatia pessoal.

Olavo de Carvalho é um dos gurus do bolsonarismo. O que pensa dele?
De uns cinco anos para cá, ele esqueceu completamente tudo o que escreveu. Deixou de fazer análise e passou a dar palpite em rede social. Ele tem sido prejudicial para o debate da direita porque parte sempre para a ruptura institucional. Nosso embate com o Olavo vem desde 2014, quando a gente defendia o impeachment e ele defendia a intervenção popular, que era invadir o Congresso e tirar deputado na porrada.

Leu algum livro dele?
Eu li O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. O Olavo do livro é muito diferente do Olavo do Facebook porque no livro ele é um cara sereno, que segue o princípio conservador, de precaução, defesa da democracia, de valores politicamente liberais. É completamente diferente da rede social.

Qual a diferença na forma como os bolsonaristas e o MBL agem nas redes?
O que a gente faz não é ataque desesperado. O que a gente faz tem método. Focar no mérito. Essa é a diferença. E não queimamos pontes.

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