Mario De Fina/Fotoarena/FolhapressCom manobra inesperada, Cristina acena aos demais peronistas para ganhar votos de centro

A jogada de Cristina

Por que a ex-presidente argentina, processada por corrupção, lançou-se como vice de seu ex-chefe de gabinete
23.05.19

Em um vídeo emotivo de treze minutos postado nas redes sociais no sábado, 18, a senadora e ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, comunicou uma decisão inesperada. “Pedi para Alberto Fernández que encabece a chapa que integraremos juntos. Ele como candidato a presidente e eu como candidata a vice”, disse ela. A incongruência de uma candidata a vice anunciar uma chapa que ela mesma criou não escapou a nenhum argentino. Todos sabem que, no fundo, ela mandará nele. Nas pesquisas eleitorais feitas após o anúncio, a dupla Cristina-Alberto ou, corrigindo, Alberto-Cristina, aparece com 41% das intenções de voto, dez pontos percentuais acima da do atual presidente, Mauricio Macri. O risco de uma volta de Cristina – que comandou o país por dois mandatos com arrogância, atacou a imprensa e o Judiciário, destruiu as finanças públicas, maquiou dados de inflação, apoiou os ditadores da Venezuela e fez acordos para encobrir terroristas iranianos – nunca pareceu tão real.

Com seu lance surpresa, Cristina busca atrair aliados no âmbito do peronismo, que deve apresentar três candidaturas para as eleições de outubro. “Eu disse a eles na sede do Partido Justicialista (peronista). Os líderes devem deixar de lado as ambições pessoais e as vaidades, e eu estou disposta a contribuir a partir do lugar em que eu possa ser mais útil”, disse ela no vídeo. Assim que a chapa foi anunciada, Alberto Fernández, conhecido por seus dotes de articulador político, começou a se aproximar de governadores e dirigentes peronistas. “Cristina pode ter reconhecido que talvez não tenha votos suficientes para ganhar. O que ela fez foi mandar um gesto ao peronismo e tentar trazer mais nomes para o seu lado. Alberto poderia até funcionar como uma moeda de troca e deixar a chapa mais adiante”, diz o cientista político argentino Patricio Giusto, diretor da consultoria Diagnóstico Político, em Buenos Aires.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisAlberto Fernández, que foi ex-chefe de gabinete de Cristina: conhecido por ser um bom articulador político, ele já entrou em ação
Ainda que Cristina esteja à frente das pesquisas, sua taxa de reprovação é alta. Ela tem 47,2% de imagem negativa. Em um segundo turno, em que é preciso obter mais da metade dos votos, esse é um fator preocupante. Em algumas pesquisas publicadas nos primeiros meses deste ano, ela e Macri surgiam empatados. Ao se colocar como vice na chapa e se mostrar aberta ao diálogo, Cristina pode conquistar votos ao centro. “Na posição de vice de chapa, ela tende a conseguir os votos de quem não simpatiza com ela, mas que não quer mais Macri no poder”, diz a economista Patricia Krause, da seguradora de crédito Coface, em São Paulo. Algum resultado já foi percebido em uma pesquisa da consultoria Circuitos. Há um mês, quando estava sozinha, Cristina tinha 33% das intenções de voto. Agora, com Alberto, subiu para quase 36%. Nesse levantamento, Macri está bem atrás, com 25%.

Na terça-feira, 21, Cristina compareceu pela primeira vez ao tribunal para ouvir a acusação de que ela orquestrou uma organização criminosa. Segundo os promotores, ao assumir a presidência no final de 2007, Cristina manteve o esquema de corrupção montado pelo seu marido, Néstor Kirchner. Da Casa Rosada, ela ordenou que seus ministros direcionassem licitações em favor da firma Austral, de Lázaro Báez, para realizar obras viárias. A província de Santa Cruz, de Néstor e Cristina, foi a mais beneficiada pelas licitações. Os projetos quase sempre foram entregues fora do prazo e receberam recursos, em média, 65% acima do previsto. Valores extras recebidos por Báez foram depois remetidos para Cristina e seus filhos, Máximo e Florencia, por meio do aluguel de propriedades e de hotéis da família presidencial.

Néstor J. Beremblum/Agência Eleven/FolhapressNéstor J. Beremblum/Agência Eleven/FolhapressDo banco dos réus, Cristina ouve a acusação: ela direcionou licitações para Lázaro Báez, que mandou dinheiro para a família presidencial
A questão é que, ainda que apareça arrogante mexendo no celular no banco dos tribunais, isso parece não atrapalhar a trajetória de Cristina. O impacto eleitoral dos processos contra ela foi pequeno até agora. Temas jurídicos são opacos para a maior parte da população. Além disso, não há perspectiva de que ela possa ser tirada subitamente da corrida por uma ordem judicial. Nos próximos meses, os acusados deverão apresentar uma série de apelações para atrasar o processo, que deve se estender por anos ou décadas. O juiz que comanda o caso também já se declarou contra um pedido de prisão preventiva. Ele entendeu que Cristina não pensa em fugir do país e não há o perigo de ela tentar atrapalhar o julgamento. Em última instância, o magistrado ainda teria de contar com a anuência de dois terços dos senadores, uma vez que Cristina possui foro privilegiado. Mas os senadores peronistas, que têm quase a metade das cadeiras, já sinalizaram que uma traição política não está nos planos. “Se eles fizessem isso, seria um suicídio completo. Terminariam destruindo o próprio partido”, diz o cientista político Julio Burdman, de Buenos Aires.

Assim que Cristina deixou o tribunal, outro juiz começou a tomar as providências para mais uma citação. Ela está sendo acusada de ocultação, destruição ou exportação ilegal de documentos históricos. No ano passado, uma busca policial em sua casa na Patagônia encontrou uma carta do libertador do pais, José de San Martín. O documento histórico tinha sido doado para a Biblioteca Nacional do Chile em 1979 e desapareceu dois anos depois. Quando a carta reapareceu, Cristina disse que a tinha recebido de presente do presidente russo Vladimir Putin em 2015.

Mas não é a Justiça, e sim a economia, o que mais deve pesar na balança eleitoral. Para quase 40% dos argentinos, o maior problema é a inflação, que nos últimos doze meses está em 50%. A corrupção, que tem Cristina como principal símbolo, só é citada por 15%. Em economia, Macri não tem bons números para mostrar, ainda que tenha adotado a receita correta. O presidente reduziu os gastos públicos para tentar zerar o déficit fiscal este ano, mas será difícil bater a meta. O PIB caiu 2,5% no ano passado e este ano deve ter nova contração. A pobreza passa de 30%. Os números elevaram a desaprovação do presidente para 67%, uma barreira e tanto para qualquer pretensão eleitoral.

A grande dificuldade de Macri é que suas medidas, que demoraram algum tempo para serem realizadas, não terão resultados tão cedo. Neste ano, espera-se que a inflação mensal baixe de 4% para 2%. “Macri conseguiu estabilizar o câmbio, o que o ajudará a controlar a inflação. Não estamos falando de uma situação catastrófica como a que aconteceu na crise de 2001”, diz o economista argentino Roberto Luis Troster. Para que suas decisões possam produzir um aquecimento da economia, com geração de empregos, seria preciso mais tempo. Além disso, a política tem nublado o horizonte. “Há muita incerteza sobre o que aconteceria em um mandato de Cristina”, diz outro economista portenho, Juan Luis Bour. Segundo ele, o receio de um retorno do kirchnerismo tem feito empresários segurarem os investimentos. O apetite para comprar bônus de dívidas emitidos pela Argentina diminuiu, com medo de uma nova moratória. “A incerteza política matou a recuperação que poderia ocorrer este ano”, diz Bour.

Roberto Stuckert Filho/PRRoberto Stuckert Filho/PRAinda de luto pela morte de Néstor Kirchner, Cristina aparece ao lado de Dilma Rousseff e Lula nos tempos em que ainda era presidente
Apesar de a etiqueta diplomática orientar que não é de bom tom se meter em assuntos de outros países, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tem falado com bastante sinceridade sobre as eleições na Argentina. “Peço a Deus para que isso não aconteça”, disse ele sobre a possível volta de Cristina Kirchner ao poder. “Espero que nossos irmãos da Argentina se conscientizem disso. Se o Macri não está indo bem, paciência, vai lutar para melhorar, ou escolham alguém da linha dele. O que não pode é a volta da Cristina Kirchner.” Dentro de cinco meses, todos saberão qual será a escolha dos argentinos.

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  1. Os argentinos são responsáveis por sua escolhas e as consequências que delas virão. Quem ignora os erros do passado - recentíssimo - está condenado a repeti-los no futuro . . . que bate à porta. Enfim, é um problema dos argentinos. Que se lasquem.

    1. Brasileiros também são assim. Mas, pelo menos, não reconduziram a Anta-mór ao senado, que dirá, à PR.

  2. Pobre argentina, ha decadas nas maos dos peronistas corruptos. Ta na hora de acordar, fazer uma lava jato e colocar esses facinoras na cadeia.

  3. O grande problema com a inflação Argentina é o aumento do preço do Alfajor. Também influi nas lojas de calçados e de cashemire do shopping Pacífico, pois seus preços frequentemente sobem.

  4. No Brasil, também as pesquisas indicavam que Bolsonaro perdia para todos os candidatos no segundo turno e que a Dilma ganharia a cadeira no senado. Toda a grande imprensa apostavam na derrota do Bolsonaro e até analistas políticos diziam que não havia a menor hipótese do Bolsonaro vencer :-) Não dá para confiar nem nesses institutos de pesquisa, nem na imprensa, que sempre se beneficiam de políticos corruptos e suas verbas.

  5. Argentina está perdida como o Brasil, cheios de infiltradas que bloqueiam tentativas de mudanças para melhorar a economia, duas bananeiras esses dois paises

  6. Não acredito que a Cristina volte ao poder, certamente derreterá até às eleições! O povo Argentino não é ignorante! Pode ser míope, mas não é cego!!!

  7. Já vimos esse filme antes! Corrupta, ladra, populista - que merece estar atrás das grades - se acha insubstituível e escolhe um poste para se perpetuar no poder. Esperamos que os argentinos possam se livrar dessa criatura abominável o quanto antes, para não cair em outra esparrela. É inacreditável o furor e a resistência dessa praga destruidora na América Latina.

    1. Não entendo a falta de discernimento do povo da America Latina. Todo o povo tem o governo que merece?

  8. Diz que recebeu do Putin um documento histórico nacional e engavetou!! Difícil de entender! é louca? Coisa mais sem sentido.

    1. e vc já viu algum esquerdista bonito? Eles são feios por dentro ( invejosos e gananciosos) e reflete externamente. É uma aparência sombria, aura escura.

  9. Na verdade faltam verdadeiros Homens de caráter na política. Só os há como excessão tanto lá como aqui. E em maior ou menor escala no mundo, sobram os moleques!!! Se o povo, fosse bem ‘consciente’, a ponto de enxergar nitidamente a enorme diferença existente entre uns e outros, a Política não seria tão pérfida assim. Mas daí, culpar a maioria de pessoas de uma nação pela canalhice de alguns, só seria justo se o povo fosse politicamente esclarecido. MAS aos canalhas de sempre isto não interessa.

    1. Aguia. Correto. Em nossos dias - e já faz tempo! - temos o mais das vezes de escolher/votar por exclusão. O que é uma péssima situação. No caso da Argentina, Macri (parece) era a melhor opção. Mas lá, como cá, há os corruptos que querem que aconteça o pior prá quem deseja fazer o melhor, ou até o "mais ou menos". E aí aumenta ainda mais nossa aflição, pois tudo emperra. No Brasil, JB formou boa equipe, mas ele mesmo fica atrapalhando o "jogo", quando não marca gol contra. Caso de Guedes e Moro.

  10. Com essa bandida no poder, em breve teremos outra Venezuela. E os milhões que o desgraçado do lula e a vaca Dilma emprestaram a Argentina, não veremos nunca mais.

  11. Possivelmente se instale um eixo esquerdista da corrupção na America Latina. Argentina, Brasil, Venezuela. A democracia, em países culturalmente evoluídos não dá margem de sucesso a líderes como Cristina, Lula e Maduro. Mas em nossos países, onde consideráveis parcelas da populacão aceitam, apoiam e adoram tais malfeitores, a democracia é usada por êles para destruí-la e sempre com o apoio de uma classe intelectual comprometida ideológicamente com seus mal feitos.

  12. Isto demonstra que o gosto pela corrupção não é prerrogativa de muitos políticos e de alguns do andar de cima. É cultural. Um atestado médico para não trabalhar quando de ressaca. Uma benesse indevida qualquer recebida com dinheiro publico. Países decadentes e atrasados culturalmente são presas fáceis de políticos criminosos e populistas que fácilmente conquistam e podem se perpetuar no poder.

    1. Luís, vc está certíssimo. Esse crescimento do eixo do mal no cone sul, ainda com seu braço bem forte lá em cima (Cuba), aponta que precisamos ficar muito atentos por aqui, porque o PT não da nenhuma mostra de que desistirá do seu projeto de poder. A sociedade brasileira em grande parte está contaminada por esses ideais e o Brasil não fica de fora.

  13. O mundo está infestado de corruptos e o pior é que os eleitores custam a perceber o quanto isto é pernicioso para todos...

  14. Na América Latrina, com poucas exceções que só confirmam a regra, o povo adora votar em seus antigos algozes. Como povo é sinônimo de pobreza e burrice eu perdi completamente a pena desses indigentes mentais.

  15. Com toda a cultura e alfabetização da população da Argentina, nós estamos vendo isso aí.... Fazendo analogia com nossa Pindorama, a reeleição do molusco barbudo ,se libertado, pode ser dada como certa

  16. Enquanto argentinos forem seduzidos pelo peronismo, seu país continuará chafurdando na lama. Perón transformou um país rico e próspero numa republiqueta sem direção. Com a conversa mole d defender os pobres, empobreceu o país e lhe tirou espírito renovador. Torcer pra não serem burros dando poder aos Kirchner & asseclas outra vez

  17. Macri não levou o país a reformas de peso, mais radicais. A situação da Argentina requeria mexer fundo em suas estruturas. Macri preferiu fazer aos poucos. Não está errado, mas o tempo curto até novo pleito não é suficiente para dar os resultados que o povo espera.

  18. Um presidente que não sabe cuidar nem do seu país vai se meter com o país vizinho? Deixe os argentinos cuidarem das suas coisas e comece a trabalhar, Bolsonaro.

  19. Impressionante como um povo que se diz politizado e instruído é capaz de ainda acreditar nessa escroque que assim como o lularápio/dimaldição só fez roubar o país.

  20. Cristina botocada kirchner não tem vergonha na cara e quer enganar o povo argentino mais uma vez. Macri sofreu e ainda está sofrendo para desmantelar a base esquerdista, o povo argentino com certeza, saberá escolher o lado certo.

    1. Correto. Torcer contra ele é torcer contra o Brasil.

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