Herança maldita
Domingo de sol quente em Brasília. Lanchas caras e possantes, postadas lado a lado, formam uma espécie de clube privê flutuante no Lago Paranoá, em Brasília. Som alto e bebidas animam os ocupantes das embarcações. O pessoal é surpreendido por um helicóptero, que, de repente, pousa sobre um píer próximo e deixa uma caixa com garrafas de champanhe geladas. Cortesia de Luciano Lobão ao aniversariante, o doleiro Fayed Traboulsi, figura conhecida da polícia.
Noite de sábado no Rio de Janeiro. Mais de mil convidados estão no Forte de Copacabana para celebrar o casamento de Márcio Lobão com a advogada Marta Martins Fadel. No palco, Jorge Ben Jor e a Orquestra Sinfônica Brasileira. Nas mesas, caviar, champanhe e vinhos importados. Pouco antes, na Igreja da Candelária, a cerimônia religiosa havia sido prestigiada por dezenas de políticos e ministros de tribunais superiores.
Assim como o pai, o ex-ministro e ex-senador Edison Lobão, Luciano e Márcio torram dinheiro com luxo e adoram ostentá-lo. De carros importados a aeronaves e mansões. Parte disso, segundo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, é fruto de assaltos aos cofres públicos. Nesta semana, os irmãos Luciano e Márcio foram alvo da Operação Galeria, a 65ª fase da Lava Jato. Ambos tiveram seus endereços residenciais e comerciais vasculhados. Márcio foi preso. Segundo os investigadores, ele recebe propinas em nome do pai desde os tempos em que Edison Lobão era ministro de Lula e Dilma.
Foi Marta quem fez questão de organizar um casamento para marcar história na alta roda carioca. Realizada em 2001, a cerimônia reuniu, entre outros, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, e o vice-presidente da República à época, Marco Maciel, um dos padrinhos. Dando as cartas na política nacional naquele período, a família Sarney, que dividiu o poder no Maranhão com os Lobão por décadas, compareceu em peso. Para celebrar o matrimônio, o então cardeal arcebispo de Brasília, dom José Freire Falcão, viajou ao Rio em um avião particular da família do noivo.
No dia seguinte à festa, Márcio e Marta seguiram em lua de mel para Bora Bora, na Polinésia Francesa. Na volta, o casal se estabeleceu em Brasília. De presente, Marta ganhou um cargo no gabinete do sogro, no Senado, enquanto Márcio foi cuidar dos negócios da família, que mantinha nove empresas, incluindo uma construtora. Todas tinham contratos milionários com o governo federal, apoiado pelo PMDB. Edison Lobão era um dos caciques do partido.
Vaidoso, Márcio faz questão de comparecer pessoalmente às galerias de arte para negociar as obras com os donos. Vai a vernissagens das grandes exposições, sempre acompanhado da mulher, que exibe roupas, calçados, bolsas e joias das mais caras grifes do mundo. A colunistas sociais do Rio e do Maranhão, o casal faz chegar a notícia de cada obra-prima adquirida. Também costuma emprestar quadros para exposições organizadas por curadores amigos.
Por trás do gosto pelas artes, porém, havia um esquema de lavagem de dinheiro que, segundo a Lava Jato, era chefiado por Márcio Lobão, responsável pelo “ajuste e coleta” de mais de 50 milhões de reais em propinas. Apenas por meio da compra de obras de arte, o filho de Edison Lobão lavou cerca de 10 milhões de reais. Na terça-feira, 10, os policiais apreenderam mais de 100 obras mantidas por Márcio.
Além de crimes envolvendo a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a Operação Galeria investiga corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo mais de 40 contratos celebrados entre a Transpetro e o grupo de serviços ambientais Estre. Com as fraudes, Márcio Lobão aumentou de 8 milhões de reais para 44 milhões de reais o patrimônio declarado à Receita Federal entre 2007 e 2017, ainda segundo a força-tarefa da Lava Jato. Márcio não teria renda suficiente para dar esse salto, garantem os policiais e procuradores que esquadrinharam a vida dele.
Por onze anos, Márcio Lobão ocupou a presidência da Brasilcap, um dos braços do Banco do Brasil, onde chegou a ganhar 60 mil reais de salário bruto. Ele tomou posse em 2007 e saiu em 2018. Poucos meses depois de emplacar o filho na subsidiária do BB, o então senador Edison Lobão assumiu o Ministério de Minas e Energia no governo Lula, em janeiro de 2008 — e permaneceu à frente da pasta na gestão Dilma até março de 2015. Com o pai no ministério, outro Lobão, Edison Filho, assumiu a vaga no Senado pelos anos seguintes. Também conhecido como Edinho, o filho era o suplente.
Mais recentemente, o Ministério Público e a Polícia Federal acharam necessário iniciar uma nova investigação, após constatarem indícios de que Márcio Lobão não havia deixado de lavar dinheiro por meio de compra e venda de quadros e movimentar milhões de reais em contas abertas em nome de empresas sediadas em paraísos fiscais. Sim: mesmo flagrados, eles teriam continuado a cometer crimes.
Aos 49 anos, o outro filho, Luciano, escapou de ser preso, mas também é investigado na nova operação, sob suspeita de participar das transações ilegais do irmão. Luciano se estabeleceu em Brasília, onde comanda empresas da família. Ele também leva uma vida de luxo e ostentação. A começar pela mansão onde mora, de sua propriedade, no setor mais caro do Lago Sul. Em um condomínio de quatro casas, dividido com amigos, Luciano desfruta de uma área privativa de 2 mil metros quadrados.
Luciano declarou ter comprado o terreno por 360 mil reais, em 2013. Mas corretores com atuação na região dizem que um lote semelhante, naquela localização, não sairia por menos de 2 milhões. Só a casa que o filho de Edison Lobão construiu no terreno tem valor estimado em 8 milhões de reais. A obra ficou famosa na vizinhança. Ele teria desembolsado 1 milhão de reais apenas com o piso italiano. Um elevador liga os dois pavimentos e o subsolo, onde há uma adega. A mansão é climatizada por meio de um moderno sistema de ar-condicionado central. Na espaçosa garagem há seis carros estacionados. No gramado do quintal, de quando em vez é possível avistar também um helicóptero.
Sócio da mulher, Luciano também é proprietário de uma empreiteira que, por anos, levou contratos para executar obras de saneamento do Programa de Aceleração do Crescimento no interior do Maranhão. A firma atuou ainda na pavimentação de rodovias no estado e fechou um contrato de 23 milhões para obras da Copa do Mundo em Mato Grosso. Maranhão e Mato Grosso eram comandados pelo PMDB na época em que a construtora assinou os contratos. A empreiteira ganhou fama por abandonar as obras após receber o dinheiro. A da estrada, por exemplo, parou com a metade do serviço ainda inconcluso.
Os irmãos Márcio e Luciano, que, ao contrário de Edinho, não seguiram a carreira política do pai, ainda partilham o gosto por rally. Eles participaram de algumas provas dividindo picapes importadas. Edinho prefere o asfalto das ruas de São Luís e Imperatriz, no Maranhão, onde desfila em carrões de luxo, também importados, entre uma festa e outra. À exceção das visitas policiais que passaram a receber, os herdeiros de Edison Lobão não têm do que reclamar. Eles não são exceção.
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