ReproduçãoCarl von Clausewitz dizia que a guerra é “a continuação da política por meios diferentes”

Como acabam as guerras

Se objetivos políticos das lideranças forem alcançados ou um dos lados desistir de lutar, a paz poderá retornar
03.03.23

A guerra na Ucrânia completou um ano no último dia 24, e especialistas no assunto se esquivam de prognosticar seu fim. Mas análise de outros conflitos, e os conhecimentos acumulados pelos teóricos das guerras, permitem ao menos refletir de que forma isso poderá ocorrer.

Um dos principais teóricos do assunto é o estrategista militar prussiano Carl von Clausewitz. Sua frase mais marcante é de que a guerra éa continuação da política por meios diferentes. Mais do que olhar o deslocamento de tanques, de navios e de soldados e pesar os seus armamentos, Clausewitz convidou seus leitores para entender as motivações por trás das ordens dos governantes. É quando objetivos são alcançados que a paz retorna. Assim, ao desvendar suas razões, seria possível prever quando uma guerra pode acabar.

Aplicada à Guerra da Ucrânia, as teses de Clausewitz implicariam em desprender quais seriam os objetivos de Vladimir Putin e, a partir daí, analisar a chance de eles serem satisfeitos e em qual prazo isso poderia acontecer. Obviamente, essa não é uma tarefa tão fácil. “É impossível listar todos os objetivos das lideranças em uma guerra, porque não sabemos o que eles pensam e não temos acesso à informações confidenciais. Mas, é possível ao menos especular sobre os interesses que foram declarados“, diz o cientista político Thiago Babo, da USP, que dá aulas sobre teoria da guerra.

Ao enviar tanques e soldados para dentro da Ucrânia, Putin declarou que seu objetivo era “desnazificar” o governo ucraniano. O presidente russo distorce os fatos e fabrica uma realidade paralela, espalhada por veículos de propaganda financiados pelo Kremlin, de que os cidadãos ucranianos estavam sendo vítimas de um genocídio patrocinado pelo governo de Kiev. Desnazificar, portanto, significaria derrubar o governo, ou seja, destituir o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que é judeu. Mas os russos nunca estiveram perto disso. Durante os últimos doze meses, Zelensky permaneceu despachando de seu posto na capital. Sem que soldados tenham conseguido pisar em Kiev — os russos têm se limitado a disparar mísseis contra essa cidade.

Outro objetivo declarado por Putin foi o de frear o que ele considera um avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan. Embora essa aliança militar não tenha cruzado as fronteiras russas em momento algum, Putin entendeu que era lícito iniciar um ato de guerra alegando ter se sentido ameaçado pela ideia da Ucrânia integrar a Otan. Porém, a chance de ele alcançar esse seu objetivo é nula, pois a aliança se fortaleceu tremendamente desde então, com as potências ocidentais ampliando seus orçamentos militares e enviando armas para a Ucrânia. Pior. No sentido totalmente oposto ao que pretendia Putin, Finlândia e Suécia se voluntariaram para entrar na aliança.

Do ponto de vista do ucraniano Zelensky, os objetivos declarados são cristalinos. Desde que a guerra começou — não por vontade dele, como insinuou Lula — o presidente tem como missão expulsar todos os militares russos de seu território, incluindo a península da Crimeia, ocupada por soldados disfarçados de Putin em 2014. “Os ucranianos sentem que ainda podem recuperar território”, diz a cientista política Page Fortna, da Universidade de Columbia. Mas, tal como o objetivo de Putin, o de Zelensky está longe de ser alcançado.

Posto que a situação não está fácil para nenhum dos lados, pode-se ver também se algum deles perca a esperança de atingir seus objetivos e simplesmente desista de lutar. Afinal, se Putin entender que nunca irá ganhar o que quer, ele poderia simplesmente tirar suas tropas do campo de batalha. O russo, porém, teme as consequências que isso teria em seu futuro político dentro de seu país.

Abandonar guerras pela metade não são um fenômeno raro. A União Soviética já se retirou humilhada do Afeganistão, em 1989. Os Estados Unidos pularam fora desse mesmo país, em 2021, e já tinham saído do Vietnã, em 1973. Nas duas decisões da Casa Branca, o que contou foi principalmente a opinião pública interna, uma vez que os Estados Unidos seguiam com superioridade militar em relação aos seus inimigos.

Quem encerrou a Guerra do Vietnã não estava na Indochina, onde os vietcongs sobreviveram às ofensivas dos EUA. O desfecho desse conflito se deu no próprio solo americano, pela opinião pública. Ao final da guerra, 60% dos americanos acreditavam ter sido um erro enviar tropas ao Vietnã, segundo levantamento da Gallup.

Não existem hoje pesquisas com credibilidade que possam dizer qual é o apoio da população russa à guerra inventada pro Putin. Além disso, como o país não é uma democracia liberal, o impacto da opinião pública tem alcance mais restrito. Na Ucrânia, por outro lado, não há dúvida de que a causa da defesa do país ganhou a estima da população, que o incentiva. “Na Guerra da Ucrânia, não há pressões significativas internas, assim como externas, para acabar com as hostilidades“, diz o cientista político Richard Caplan, da Universidade de Oxford. Um estudo do Gallup de outubro mostrava um apoio de 70% dos ucranianos à continuidade do conflito.

Segundo Clausewitz, “as paixões que devem ser acesas na guerra já devem ser inerentes às pessoas”. Na Ucrânia, esse ânimo segue com força. São os ucranianos lutando pela própria liberdade e independência. Na Rússia, não há como saber. O certo é que, enquanto objetivos não forem alcançados e ninguém desistir da briga, a guerra continuar ceifando milhares de vidas.

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