ReproduçãoMariângela com o marido e Gagliasso: ele é proprietário de uma "pousada domiciliar"

O outro surubão de Noronha

Na ilha paradisíaca, pousadas domiciliares viram empreendimentos luxuosos, erguidos sobre os alicerces de casas de pescadores ou comerciantes locais
03.03.23

No ápice da pandemia de Covid, as páginas de fofocas fervilharam com a história picante de uma suposta orgia envolvendo atores globais e personalidades do futebol e do mundo da moda. O local? A pousada do ator Bruno Gagliasso em Fernando de Noronha, o arquipélago idílico localizado a pouco mais de 100 léguas da costa de Pernambuco. O rumor nunca foi confirmado. Mas Crusoé acaba de descobrir fortes indícios de outra espécie de suruba na ilha, envolvendo supostos privilégios na concessão de licenças, construções irregulares de bares e pousadas, uso de moradores como prepostos em diferentes negócios e domínio de alguns empresários na prestação de serviços – além de relações societárias que unem lulistas e bolsonaristas na exploração do turismo local.

Os problemas começaram há mais de uma década, mas teriam se avolumado nos últimos quatro anos, durante a gestão do administrador Guilherme Rocha, indicado pelo ex-governador Paulo Câmara e agora sucedido no cargo por Thallyta Figuerôa, ligada à nova governadora Raquel Lyra (PSDB). Há cerca de um mês, Thallyta determinou a suspensão de todas as permissões de uso de solo no distrito para reanálise, após denúncias do blog do jornalista pernambucano Ricardo Antunes de que haveria uma farra na concessão de terrenos. A Promotoria de Justiça de Noronha instaurou investigação e a associação de moradores virou uma espécie de muro das lamentações.

São famílias que tinham a chance de estar recebendo um terreno e não receberam”, diz Nino Alexandre, presidente da APN (Assembleia Popular Noronhense). Ele cita entre 15 e 20 denúncias e ressalta que a concessão dos chamados TPUs (Termo de Permissão de Uso de Solo) deveriam obedecer processo previsto na Lei Orgânica distrital e na Política Habitacional do Distrito (PHD), criada em 2016. Uma das condições básicas para receber a permissão é morar no Arquipélago há mais de dez anos. Além disso, o permissionário precisa construir a moradia em no máximo 18 meses, após apresentação de projeto arquitetônico e licença ambiental.

Quem não quer esperar pela burocracia ou mesmo furar a fila, opta por outro arranjo legal, associando-se informalmente a moradores locais para a construção de “pousadas domiciliares”, outra previsão legal, mas que vem sendo deturpada pelo boom do turismo de luxo. Na prática, as pousadas domiciliares viraram empreendimentos luxuosos erguidos, literalmente, sobre os alicerces de casas de pescadores ou comerciantes locais, que apenas figuram como laranjas nos documentos oficiais. Raros são aqueles que participam efetivamente do negócio.

Mariângela Ulisses, 44 anos, nasceu e cresceu em Fernando de Noronha. Ao trabalhar para o empresário José Maria Sultanum, o Zé Maria, ela veio a conhecer seu sócio Paulo Fatuch, dono do Bar do Meio, que lhe propôs “empreender” no terreno que havia recebido, ainda em 2002, no bairro Floresta Nova, hoje um dos mais badalados. De início, Fatuch propôs abrir no local uma lavanderia para atender às pousadas locais, mas o projeto original acabou abandonado. Em seu lugar, o empresário decidiu construir uma nova pousada boutique, a Timoneiro.

Quem sugeriu a mudança, diz ela, foi o ator Bruno Gagliasso, ele mesmo proprietário de uma “pousada domiciliar” na ilha. “No início iria ser uma lavanderia, com a minha casa, que a gente ia lavar roupa para algumas pousadas da ilha, inclusive as deles. Só que, na época, o Bruno Gagliasso disse: ‘Você vai fazer uma lavanderia, podendo fazer uma pousada? Aqui o terreno é maravilhoso, o espaço é maravilhoso’. Então, a gente disse: ‘Ok, vamos fazer uma pousada’”, conta. Ficou combinado que Paulo Fatuch construiria uma casa para Mariângela no mesmo terreno, mas isso nunca ocorreu. Segundo ela, a pousada erguida em seu terreno também não correspondeu ao projeto aprovado pela administração de Noronha, o que teria travado o empreendimento.

ReproduçãoA pousada Timoneiro, finalizada
A guerra começou daí, porque ele (Paulo) queria que a gente assinasse o contrato e o contrato estava totalmente ‘leonino’. E a realidade é essa: eu levei um golpe”, relatou Mariângela à reportagem. Hoje, ela mora com a família na casa de parentes no interior de Pernambuco. “A gente está afastado, porque não tem como ficar lá na ilha. Me tiraram da minha casa. Tô aqui longe do meu marido, com meus dois filhos, porque a gente não tem para onde ir. Esperando a Justiça, mas a Justiça é a favor deles, infelizmente.”

Em 27 de outubro de 2021, segundo relatório de vistoria da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Governo de Pernambuco obtido por Crusoé, análise técnica comprovou que a obra realizada é diferente do projeto aprovado e licenciado. O documento cita agravantes que comprometem a regularização, como a área cercada ser maior que os limites do TPU, a falta de moradia para Mariângela (condição obrigatória para uso residencial e comercial) e número de suítes superior ao projeto original. Anderson Lira, marido de Mariângela, diz que lutam como podem para recuperar a propriedade. Ele permanece em Noronha para garantir o sustento. Com a voz embargada, Anderson conta que teme pela saúde mental da mulher. “Ela hoje vive bastante depressiva… Ela é daqui, ela nasceu aqui nesta terra, tudo que ela conquistou tá ali.”

A versão do casal, porém, é rebatida pelos demais sócios. Em nota enviada à reportagem, eles responsabilizam Mariângela pelas irregularidades: “A permissionária foi a única administradora da Pousada Timoneiro até a data de 17 de novembro de 2021, ou seja, todas as obras até o momento realizadas na área objeto do TPU aconteceram durante o período da gestão exclusiva da permissionária”. Também afirmam que o casal residiu em uma unidade habitacional no local mesmo antes da conclusão das obras, e que “houve divergência entre os sócios e a permissionária, o que levou à instauração de litígio contra a mesma. Atualmente, a permissionária aufere a quantia mensal de R$ 7 mil suportada exclusivamente pela Pousada Timoneiro, apenas para viabilizar sua residência no arquipélago.”

Certidão obtida por Crusoé na Junta Comercial de Pernambuco mostra que a Timoneiro surgiu, em 2018, como uma sociedade entre Mariângela, Beatriz Belich, mulher de Fatuch, Gagliasso e Claudio Fatuch, irmão do empresário. O ator, porém, deixou o contrato social no ano seguinte. Em 2020, juntou-se ao grupo de Ricardo Danesi Rossi, outro empresário. Embora tenha deixado a sociedade, Bruno Gagliasso mantém parcerias em outras duas pousadas: Maria Bonita e Maria Flor. Na primeira, o ator não chega a constar oficialmente. “É como um sócio de consideração”, explica a assessoria.

O próprio Fatuch só aparece formalmente no contrato social do Bar do Meio, enquanto nos demais empreendimentos constam sua companheira e o irmão. “É uma prática comum nos negócios que estamos apurando”, diz um integrante da Promotoria. Em nota, a defesa de Paulo e Beatriz informou que o casal vive em união estável há 27 anos e empreende na ilha há 23 anos. “Além de Paulo, que atua como administrador dos negócios, o seu irmão é sócio investidor e os três, juntos, há anos, vêm trabalhando de forma lícita, mediante obtenção das respectivas licenças, seguindo o respectivo regramento e, quando questionados, sempre se manifestam em juízo ou fora dele para atendimento dos requisitos específicos da diferenciada legislação de Fernando de Noronha.”

A Maria Bonita, inaugurada em 2016, teria sido o cenário da suposta suruba com famosos. Já a Maria Flor foi inaugurada em dezembro de 2020. Gagliasso, junto com Beatriz e Claudio Fatuch, se associaram aos empresários Rodrigo Gazola Rivellino, Mauro Sacilotti Lemos e Julio Pignatari. Nesse caso, a “sócia local”, dona do TPU que garante o uso do terreno, é Maria Janaína Severina da Silva, que garante manter ótima relação com os parceiros, diferentemente de Mariângela. “Minhas relações com meus sócios são as mais claras possíveis, temos uma comunicação perfeita para o bom funcionamento da Maria Flor. Nunca tivemos quaisquer desentendimentos, pois tudo que se refere à pousada, quaisquer decisões, são tomadas em conjunto, ou seja, todos opinam.” Maria Janaína explica que, por obrigação legal, possui residência no interior da pousada.

A versão é corroborada pela assessoria do ator, que reiterou não possuir relação com a Timoneiro e que os únicos empreendimentos relacionados a Gagliasso em Noronha “estão funcionando de acordo com as leis que se aplicam”.

Para além das questões legais e administrativas, chama a atenção no quadro social da Maria Flor, do lulista Gagliasso, a presença do bolsonarista Pignatari Júnior, que compartilha nas redes sociais posts de críticas de Jair Bolsonaro ao “aparelhamento da esquerda”. A inauguração da pousada, estampada em todas as revistas e sites de fofocas, ocorreu apenas dois meses após visita do bolsonarista Ricardo Salles à ilha. Um dos mais controvertidos ministros do governo Bolsonaro, Salles fez questão de entregar pessoalmente a Paulo Fatuch a concessão para instalação de um novo bar, no Mirante do Boldró, um dos principais pontos turísticos do local, dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA). Na sociedade, constam também a moradora Maria Helena da Silva Santos, a mulher Beatriz Belich e, novamente, Júlio Pignatari Júnior.

O empreendimento de Fatuch e sócios — que ganhou a concessão para operar no Mirante do Boldró — também está, surpresa, na mira do poder público. Processo administrativo aberto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) diz que o Bar do Meio foi “construído irregularmente no entorno e sobre as ruínas do Forte de Nossa Senhora da Conceição”. Relatório fotográfico mostra a instalação de caixas d’água e depósito de materiais na área protegida pelo Iphan e aponta a instalação de decks e mobiliários não autorizados na faixa de areia. A superintendente substituta do órgão em Pernambuco, Márcia Maria Vieira Hazin, marcou para 29 de março uma reunião com técnicos do órgão e um representante do Bar do Meio com “objetivo de discutir diretrizes para a elaboração de projeto de regularização para o empreendimento”. Em nota, o Bar do Meio, concessionário do Mirante, afirmou que espera as “conclusões do estudo arqueológico a ser realizado na área, conforme sugerido pelo próprio Iphan/PE” para adotar “todas as medidas necessárias à sua adequação”, caso necessário.

Também por meio de nota, a Administração de Fernando de Noronha informou que está ciente das denúncias apresentadas e que ações estão sendo tomadas para apurar os casos. “Reforça que foi suspensa qualquer autorização de permissão de uso de solo (TPU), de entrada de veículos e embarcações, bem como de processos de solicitação de carteira permanente e abertura de novas empresas, até que se possa analisar, através de criteriosa auditoria, cada um dos processos que estão abertos.” Via assessoria, o ex-administrador da ilha Guilherme Rocha disse que não iria se manifestar.

Já o empresário Zé Maria, em nota, explica ser “um empresário e pescador que trabalha muito, dá muito emprego e distribui muita renda na ilha”. Ele afirma também que possui sócios em todos os seus negócios.

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  1. Chegam, enxotam e se instalam, à margem da lei e dos direitos das pessoas locais. Esses são os humanistas que adotam crianças para figurarem como família.

  2. Na hora de fazer negócios para privilégios próprios não existem ideologias, partidarismos, bandeiras e militâncias nobres. Mais um exemplo de que a humanidade não dá certo!! Todos interessados em garantir seu pirão primeiro… agora , muita hipocrisia de quem faz o L e se acha a ultima bolacha do pacote moralmente…

  3. Excelente trabalho. Parece óbvio a utilização dos moradores para construção que se estende para além dos limites legais. Não surpreende e a investigação não vai dar em nada. Isso é Brasil, segue o jogo!

  4. Me senti como se tivesse descoberto que Papai Noel não existe. Estive em Noronha no final de outubro e me hospedei em uma pousada defronte a Maria Flor, que, de fato, é linda, mas não é para o meu bolso. Noronha definitivamente é muito linda, espero que não a destruam.

  5. Os 🐀🐀 BAN DIDOS Pseudo POLITICOS ,mar ginais sem caráter e sem ética agem impunemente .ATÉ QUANDO ESSA ESCO RIA COR RUPTA VAI CONTINUAR ??

  6. Suruba no Brasil? Nenhuma novidade e a primeira foi logo depois de Frei Coimbra fechar o missal com a marujada papando as indígenas num bacanal prá lá de animado e que nos deixou os primeiros vírus de doenças que dizimou muitos deles ... modernizada a velha "sura" pontifica nos podres líderes do patropi como bem quer e BrazILHA sempre foi grana, sexo e drogas estas últimas em múltiplo sentido ... que saudade do cândido bordel e das belas meninas da Jane Córner de antanho.

  7. Tudo muito suspeito, com muita gente graúda da política e da Globo envolvidas. Com a Globo no Poder e com nossa " justiça" como é, em breve tudo isto estará enterrado e desaparecido da mídia. Olha o L lá!

    1. Isso já vem de anos. Bozistas, vocês não podem falar nada, o Estado foi todo aparelhado para o interesse de poucos, políticos e empresários como sempre.. então boca fechada é melhor. Não sou Lulista.

  8. Os espertalhões vão tomando conta dos tesouros da terra brasileira e destruindo tudo, como nuvem de gafanhotos… dói lembrar que a Praia do Sancho, eleita a mais linda do planeta, faz parte da joia de nome ILHA FERNANDO DE NORONHA! Se liga, governo pernambucano!!!

  9. Uma vergonha a facilidade com que as regras não são obedecidas nesse nosso Brasil. A visão curta dos “ empresários “, vai acabar com maravilhosa ilha.

  10. Estão transformando Fernando de Noronha num Guarujá ou Camboriú, só que para a mais alta das altas castas. E o grande ex-ministro Salles envolvido nessa também. o que poderemos acreditar?

  11. Meu discurso desde há muito é exatamente o que retrata essa situação: não há ideologia que sobrepuje o interesse materialista do ser humano. Só os tolos ficam como moscas, rodeando seus bandidos, seus politicos e celebridades como as moscas sobrevoam os monturos de lixos.

  12. Enquanto os gananciosos, os grotescos tubarões não destruírem completamente o BRASIL, não sossegarão. E com mais um tenebroso desgoverno de obtusos aproveitadores, de larápios ignorantes, que como o anterior adora invadir e desmatar, a devastação total caminha ainda mais rapidamente. É assustador e revoltante!!!!

  13. Devagar vão enfiando as mãos sujas nestas áreas. Com ajuda de Agentes Públicos venais, que com certeza estão amealhando alguma vantagem. Nada sai de graça nestas situações e assim vão avançando sob esta áreas. E todo mundo fica na zona de conforto com discursos os mais variados de que algo está sendo feito para impedir a devastação do ilha.

  14. Como sempre , os bandidos travestidos de gente boa Infelizmente neste país é assim , os poderosos querem levar vantagens Usam subterfúgios para ganhar dinheiro, não pagar impostos , ter preferência. Brasil terra que classe trabalhadora paga as contas para sustentar os que precisam e os banqueiros e ladinos

    1. Mais um paraíso que graças a safadeza e bandidagem travestida de "boa gente" estará com as praias destruídas, aterros sanitários imensos operando ilegalmente, e com esgoto jogado diretamente no mar, pois aquele lugar não tem infraestrutura para suportar esse tipo de desenvolvimento.

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