Caso Monark: opinião idiota não deve ser crime
Monark já apareceu nesta coluna antes, muito de passagem, em um texto intitulado “Crime de opinião”. Não citei nem esse nome-fantasia, nem seu nome no registro civil, Bruno Aiub. Apenas usei o “vídeo em que o youtuber com nome de bicicleta defende a legalização de partidos nazistas” como exemplo genérico do que a justiça brasileira hoje considera crime de opinião.
De exemplo genérico, Monark converteu-se em caso singular. A singularidade está na punição que o Ministério Público de São Paulo quer impor a uma opinião tida como criminosa: 4 milhões de reais.
Tecnicamente, não se atribuiu um crime a Monark. O MP apresentou à Justiça uma ação civil contra Bruno Aiub. Para fins práticos, porém, a exorbitância da multa solicitada criminaliza a opinião que a antiga estrela do Flow Podcast externou em um programa no qual recebeu os deputados federais Tabata Amaral e Kim Kataguiri. Monark, ao que parece, alcançou certo sucesso com o Flow. Não sei se ele é desses que fez fortuna no YouTube. Talvez quatro milhões seja troco para ele. Para mim e para a maioria dos jornalistas que conheço, seria um baque tremendo. Se a Justiça acolher a multa pedida pelo MP, estará efetivamente cerceando a discussão sobre a legalidade do partido nazista.
Enquanto a sentença não sai e a opinião ainda é livre, vou dizer aqui o que penso sobre a legalização do nazismo: é uma ideia estúpida. Sou contra.
Raramente falo em “limites da liberdade de expressão”. Já temos por aí muitos políticos, jornalistas, juristas e togados querendo apertar esses limites até o ponto em que só lugares comuns professados por políticos, jornalistas, juristas e togados sejam admitidos pela lei. Mas não é preciso se juntar ao coro dos censores para reconhecer que certos limites devem, sim, existir. Não se admite, por exemplo, a pregação aberta do extermínio de judeus, que é uma pedra fundamental do nazismo. Retire o antissemitismo rábido do programa partidário, e o partido já não poderá se proclamar nazista.
Abrigado pelas instituições democráticas, o racismo nazista não seria meramente teórico, nem “estrutural”. Partidos não vivem no éter das formas platônicas: eles têm projetos e se movimentam para realizá-los. Imagine um deputado do Partido Nacional-Socialista propondo emendas à reforma tributária para sobretaxar empresas cujos proprietários são judeus. Ou um senador usando o orçamento secreto para financiar escolas segregadas em seu reduto eleitoral.
“Mas e partido comunista pode?”, dirá alguém. Essa objeção é um cacoete da guerra cultural, sempre travada em esquemas binários. Mas ok, vou arriscar uma resposta: embora seja comprovadamente uma ideia desastrosa que há muito deveria ter sumido do mapa das possibilidades políticas, o comunismo é, mais digamos, plástico em seu programa. Sob as democracias liberais, os partidos comunistas se aburguesaram, preferindo cômodas sinecuras estatais à revolução. Desconfio que muitos jovens comunistas ainda sonham em fuzilar contrarrevolucionários, mas outros tantos desfraldam a bandeira vermelha com a foice e o martelo imaginando que assim defendem a igualdade, a justiça social, as lutas populares – e a Petrobras, patrimônio de todos os brasileiros! Já a mensagem da suástica é estreita e inequívoca: governo autocrático forte em um país livre de judeus.
É natural que o leitor discorde dessas avaliações. Em uma mesa de bar, ele talvez me convencesse de que meus argumentos são falhos (já aviso: sou mais propenso a mudar minha posição sobre os partidos comunistas do que a admitir a legalidade do nazismo). Quero crer que essa conversa hipotética não seria uma reedição do bizantino debate sobre qual é o pior regime totalitário do século XX: todos na mesa concordariam que comunismo e nazismo são monstruosos, e isso basta.
Meu ponto aqui – já muito bem apresentado, aliás, por Lygia Maria, colunista da Folha de S. Paulo – é que defender a legalidade de determinado partido não implica em adesão a esse partido. Monark não fez “apologia do nazismo”. Apenas expressou seu ponto de vista de forma muito desastrada. “Se um cara quiser ser antijudeu, ele tem o direito de ser”, disse. É uma declaração idiota, sim – mas desde quando a idiotia merece multa?
Se a Justiça acatar o pedido do MP paulista, a hipotética conversa de boteco que delineei acima se tornará inviável. Potencialmente, outros debates públicos sobre temas legais sensíveis estarão barrados. Quem se arrisca a desembolsar milhões para participar de um debate?
Sou contrário à existência legal de um partido nazista. Em tese, essa posição não põe minhas finanças em perigo. Ainda assim, a multa limita minha autonomia. No momento em que escrevo este artigo – tarde de terça-feira, 26 de março –, minha opinião sobre o assunto é livre. Se amanhã ou depois a Justiça efetivamente exigir os quatro milhões de Monark, essa mesma opinião se tornará compulsória. Não terei dinheiro para mudar de ideia.
Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor.
As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.
Interessante que o artigo não cita a desastrosa fala do ex deputado e ex guerrilheiro José Genuíno. Esse sim fez uma fala antisemita. Cadê o MP ???????? Só serve para uns ?
Quem já assistiu ao programa do Monark sabe, o homem, pelo menos fisiologicamente, é igual ao Bolsonaro: pensa c/ os intestinos e caga pela boca. Assisti uma única vez qdo soube q Moro era o convidado. Admirei-me do juiz participar de um programa assim, mas audiência Monark tinha: milhões de visualizações. Depois do programa pensei: burrice, ignorância, "asnice", espalhar desinformação, falta de conhecimento, se não se pode proibir, deveriam pagar muito imposto. Acho que a justiça me ouviu.
Parabéns primeiro comentário que extrai a verdade comentario idiota
Infelizmente retrocedemos bastante em matéria de liberdade de expressão. Até pouco tempo a liberdade era a regra, Os limites eram, basicamente, os crimes contra a honra. Agora, pelo que você diz na coluna, o MP não encontra fundamento no Código Penal e tasca uma ação civil em cima do cidadão (cidadão idiota, mas cidadão). O direito de falar ou de escrever livremente está virando exceção. Ou, se a afirmação parece exagerada, o certo é que quem vive de escrever ou de falar está ficando acuado.
Do “Prog. dos 25 Pontos” (A. Drexler e A. Hitler,1920), o 4º “nenhum judeu pode ser membro da nação” e o 25º “combate ao espírito judaico-materialista”, racistas, tornaria ilegal um partido. O prog. é uma bagunça. Alguns pontos “petistas”: 11º “abolição de toda renda não advinda do trabalho”. 13º “nacionalização de todos os negóc. corporativ.” 16º “comunalização das grandes lojas de departamentos” 17º “reforma agrária” Outros ditat.: 20º “est. de ass.cívicos” 23º “combate à inverd. política"
Artigo excelente, não estamos indo por um bom caminho
Sempre ótimo!