Grandes esperanças
Endrick tem 17 anos e dois gols pela seleção brasileira de futebol. Apenas outros três jogadores marcaram com menos idade pelo Brasil, entre eles Pelé e Ronaldo. O atacante já se tornou o principal jogador do Palmeiras e em alguns meses vai tentar a sorte no Real Madrid.
A facilidade para fazer gols já rendeu comparações com Romário. As semelhanças são evidentes e vão muito além do físico — o jovem tem seis centímetros a mais que o senador. Endrick aparece sempre bem posicionado para receber a bola em direção ao gol e tem instinto para finalizar.
Romário espantou a comparação — e não seria Romário se não o fizesse. “Um bom atacante, com certeza a gente pode esperar muito dele no futuro. Está muito cedo para a gente fazer comparações, principalmente com o Romário. Para chegar ao Romário tem que correr atrás para caralho ainda, enfim”, comentou.
Mas o fato é que há tempos não surgia no futebol brasileiro alguém com tanta capacidade de vencer goleiros — a exceção é Pedro, do Flamengo, mas esse não emplacou na seleção. Vinícius Jr. se tornou o principal jogador do Real Madrid, Rodrygo também se destaca no mesmo time, Vitor Roque tateia o futuro no Barcelona, mas nenhum deles abre o horizonte de esperança representado por Endrick.
Tem algo em sua expressão, na confiança, no foco para o gol. Pode ser que não vingue, claro. O futebol, como a vida, tem muito mais histórias de fracasso do que de sucesso. “Futebol não foi apenas o meu sonho, mas o sonho do nosso pai, do nosso avô, o sonho de toda família”, diz Endrick em texto publicado em seu nome no Players Tribune, dirigido ao irmão mais novo.
O jogador conta que, quando jovem, seu pai foi a pé de Brasília a São Paulo para participar de peneiras. Dormiu na rua, não deu sorte nas tentativas e voltou para casa, para viver do dinheiro que ganhava jogando futebol na várzea. Endrick já passou há muito desse ponto. Ele próprio reconhece que o pai sofreu muito mais, apesar de destacar os sacrifícios que sua mãe fez para lhe dar a chance de ter uma carreira.
Agora, as esperanças daquele que surge como o futuro camisa 9 da seleção já subiram para outro patamar, para citar o clássico Bruno Henrique. Endrick se apresenta como o homem capaz de marcar gols decisivos, como foram Romário e Ronaldo nas últimas Copas do Mundo conquistadas pelo Brasil.
Lamenta-se muito, como comentei na coluna passada, o sumiço dos camisas 10. Pois, na seleção brasileira, também estava faltando um 9, que não falta à Inglaterra de Harry Kane, à França de Olivier Giroud ou à Noruega de Erling Haaland. Gabriel Jesus virou alvo de deboche por sair zerado da Copa de 2018, de tanto marcar lateral para Tite, e teve de admitir outro dia que marcar gols não é seu forte.
Vencida a barreira social e econômica, Endrick ascendeu nos dois últimos amistosos da seleção, com seus dois gols contra Inglaterra e Espanha, ao posto de grande esperança do Brasil para a próxima Copa do Mundo.
Pip, o narrador-protagonista trágico de Grandes Esperanças, de Dickens, tem um conselho: “À medida que me acostumei com minhas esperanças, comecei insensivelmente a notar o efeito delas sobre mim e sobre as pessoas ao meu redor. Disfarcei ao máximo para mim a influência delas sobre meu caráter, mas eu sabia muito bem que nem tudo era bom”.
Não é como se Endrick precisasse de mais avisos. No texto que escreveu para o irmão, ele conta o seguinte: “Mamãe sempre diz que um único erro pode fazer com que tudo desmorone, e ela está certa”.
Se o atacante ouvir a mãe, desta vez o hexa vem.
Rodolfo Borges é jornalista
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O melhor do Endrick é quão centrado ele é. Com o talento que tem, no clube onde vai, com a mentalidade certa tem tudo para ser um grande craque. Mas daí a garantir hexa vai um largo passo