ReproduçãoO youtube Monark, na época em que disse sua asneira sobre o nazismo

Caso Monark: opinião idiota não deve ser crime

Ao pedir uma multa milionária para o youtuber que defendeu a legalização do nazismo, o MP limita a liberdade até de quem discorda desse ponto de vista
29.03.24

Monark já apareceu nesta coluna antes, muito de passagem, em um texto intitulado “Crime de opinião”. Não citei nem esse nome-fantasia, nem seu nome no registro civil, Bruno Aiub. Apenas usei o “vídeo em que o youtuber com nome de bicicleta defende a legalização de partidos nazistas” como exemplo genérico do que a justiça brasileira hoje considera crime de opinião.

De exemplo genérico, Monark converteu-se em caso singular. A singularidade está na punição que o Ministério Público de São Paulo quer impor a uma opinião tida como criminosa: 4 milhões de reais.

Tecnicamente, não se atribuiu um crime a Monark. O MP apresentou à Justiça uma ação civil contra Bruno Aiub. Para fins práticos, porém, a exorbitância da multa solicitada criminaliza a opinião que a antiga estrela do Flow Podcast externou em um programa no qual recebeu os deputados federais Tabata Amaral e Kim Kataguiri. Monark, ao que parece, alcançou certo sucesso com o Flow. Não sei se ele é desses que fez fortuna no YouTube. Talvez quatro milhões seja troco para ele. Para mim e para a maioria dos jornalistas que conheço, seria um baque tremendo. Se a Justiça acolher a multa pedida pelo MP, estará efetivamente cerceando a discussão sobre a legalidade do partido nazista.

Enquanto a sentença não sai e a opinião ainda é livre, vou dizer aqui o que penso sobre a legalização do nazismo: é uma ideia estúpida. Sou contra.

Raramente falo em “limites da liberdade de expressão”. Já temos por aí muitos políticos, jornalistas, juristas e togados querendo apertar esses limites até o ponto em que só lugares comuns professados por políticos, jornalistas, juristas e togados sejam admitidos pela lei. Mas não é preciso se juntar ao coro dos censores para reconhecer que certos limites devem, sim, existir. Não se admite, por exemplo, a pregação aberta do extermínio de judeus, que é uma pedra fundamental do nazismo. Retire o antissemitismo rábido do programa partidário, e o partido já não poderá se proclamar nazista.

Abrigado pelas instituições democráticas, o racismo nazista não seria meramente teórico, nem “estrutural”. Partidos não vivem no éter das formas platônicas: eles têm projetos e se movimentam para realizá-los. Imagine um deputado do Partido Nacional-Socialista propondo emendas à reforma tributária para sobretaxar empresas cujos proprietários são judeus. Ou um senador usando o orçamento secreto para financiar escolas segregadas em seu reduto eleitoral.

“Mas e partido comunista pode?”, dirá alguém. Essa objeção é um cacoete da guerra cultural, sempre travada em esquemas binários. Mas ok, vou arriscar uma resposta: embora seja comprovadamente uma ideia desastrosa que há muito deveria ter sumido do mapa das possibilidades políticas, o comunismo é, mais digamos, plástico em seu programa. Sob as democracias liberais, os partidos comunistas se aburguesaram, preferindo cômodas sinecuras estatais à revolução. Desconfio que muitos jovens comunistas ainda sonham em fuzilar contrarrevolucionários, mas outros tantos desfraldam a bandeira vermelha com a foice e o martelo imaginando que assim defendem a igualdade, a justiça social, as lutas populares – e a Petrobras, patrimônio de todos os brasileiros! Já a mensagem da suástica é estreita e inequívoca: governo autocrático forte em um país livre de judeus.

É natural que o leitor discorde dessas avaliações. Em uma mesa de bar, ele talvez me convencesse de que meus argumentos são falhos (já aviso: sou mais propenso a mudar minha posição sobre os partidos comunistas do que a admitir a legalidade do nazismo). Quero crer que essa conversa hipotética não seria uma reedição do bizantino debate sobre qual é o pior regime totalitário do século XX: todos na mesa concordariam que comunismo e nazismo são monstruosos, e isso basta.

Meu ponto aqui – já muito bem apresentado, aliás, por Lygia Maria, colunista da Folha de S. Paulo – é que defender a legalidade de determinado partido não implica em adesão a esse partido. Monark não fez “apologia do nazismo”. Apenas expressou seu ponto de vista de forma muito desastrada.Se um cara quiser ser antijudeu, ele tem o direito de ser”, disse. É uma declaração idiota, sim – mas desde quando a idiotia merece multa?

Se a Justiça acatar o pedido do MP paulista, a hipotética conversa de boteco que delineei acima se tornará inviável. Potencialmente, outros debates públicos sobre temas legais sensíveis estarão barrados. Quem se arrisca a desembolsar milhões para participar de um debate?

Sou contrário à existência legal de um partido nazista. Em tese, essa posição não põe minhas finanças em perigo. Ainda assim, a multa limita minha autonomia. No momento em que escrevo este artigo – tarde de terça-feira, 26 de março –, minha opinião sobre o assunto é livre. Se amanhã ou depois a Justiça efetivamente exigir os quatro milhões de Monark, essa mesma opinião se tornará compulsória. Não terei dinheiro para mudar de ideia.

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor.

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  1. Interessante que o artigo não cita a desastrosa fala do ex deputado e ex guerrilheiro José Genuíno. Esse sim fez uma fala antisemita. Cadê o MP ???????? Só serve para uns ?

  2. Quem já assistiu ao programa do Monark sabe, o homem, pelo menos fisiologicamente, é igual ao Bolsonaro: pensa c/ os intestinos e caga pela boca. Assisti uma única vez qdo soube q Moro era o convidado. Admirei-me do juiz participar de um programa assim, mas audiência Monark tinha: milhões de visualizações. Depois do programa pensei: burrice, ignorância, "asnice", espalhar desinformação, falta de conhecimento, se não se pode proibir, deveriam pagar muito imposto. Acho que a justiça me ouviu.

  3. Infelizmente retrocedemos bastante em matéria de liberdade de expressão. Até pouco tempo a liberdade era a regra, Os limites eram, basicamente, os crimes contra a honra. Agora, pelo que você diz na coluna, o MP não encontra fundamento no Código Penal e tasca uma ação civil em cima do cidadão (cidadão idiota, mas cidadão). O direito de falar ou de escrever livremente está virando exceção. Ou, se a afirmação parece exagerada, o certo é que quem vive de escrever ou de falar está ficando acuado.

  4. Do “Prog. dos 25 Pontos” (A. Drexler e A. Hitler,1920), o 4º “nenhum judeu pode ser membro da nação” e o 25º “combate ao espírito judaico-materialista”, racistas, tornaria ilegal um partido. O prog. é uma bagunça. Alguns pontos “petistas”: 11º “abolição de toda renda não advinda do trabalho”. 13º “nacionalização de todos os negóc. corporativ.” 16º “comunalização das grandes lojas de departamentos” 17º “reforma agrária” Outros ditat.: 20º “est. de ass.cívicos” 23º “combate à inverd. política"

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