ReproduçãoNicolás Maduro: Lula ainda não sabe que a Venezuela é uma ditadura?

O governo brasileiro não está convertido à democracia

Quem está convertido à democracia não fecha os olhos para as barbaridades cometidas por Putin, Maduro, Ortega ou Díaz-Canel
29.03.24

Diz-se que Lula e o PT são democráticos porque, ao contrário de Bolsonaro, não pretendem dar um golpe de Estado. Mas não querer dar um golpe de Estado (à moda antiga) não transforma ninguém em democrata se as razões forem estratégicas.

A estratégia pode ser outra (e será, em essência, igualmente contra-liberal): se delongar no governo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido. Nesse caso, a força política dominante, por razões estratégicas e, inclusive, táticas (falta de força político-militar para inverter, num ato explosivo, a correlação de forças), respeitará as normas do Estado de direito (para ganhar tempo, pois sua estratégia é de longo prazo), mas isso não significa que esteja convertida à democracia.

As tentativas de ruptura institucional por meio de um golpe de Estado (à moda antiga, com tropas nas ruas) são manifestações destrutivas e com poucas chances de sucesso no século 21 em países grandes e complexos. Podem até conseguir derrubar um governo, mas não conseguem se manter por muito tempo no poder. A principal ameaça à democracia contemporânea surge de governantes eleitos democraticamente que corroem gradualmente as normas democráticas (sobretudo as normas não escritas) e fazem isso sem violar abertamente as leis. É o caso do PT.

Para identificar futuros autocratizadores antes que eles ganhem o poder nas eleições, o conceito chave é o de antipluralismo. Quando o pluralismo político (e a decorrente alternância democrática) deixam de ser um valor e passam a ser uma ameaça para um partido, é sinal de que estamos diante de um adversário da democracia liberal.

Não adianta falar em pluralidade social, não adianta propor a inclusão de minorias sociais — negros, mulheres, LGBTs etc. — se não se admite o pluralismo político. Defender negros, mulheres e LGBTs só se forem “progressistas” é antipluralismo. O modo como um partido encara as minorias políticas e valoriza a sua participação como peças fundamentais do regime é fundamental para definir se ele é — e continuará sendo — democrático.

Há, entretanto, um critério de aplicação mais rápida, para saber se uma força política no governo está convertida à democracia. Basta ver como o governo se posiciona no conflito mundial (a segunda grande Guerra Fria) entre o eixo autocrático em ascensão e as democracias liberais. Se fica do lado das grandes ditaduras (Rússia, China, Irã e seus braços terroristas) ou se apoia as democracias que estão sendo atacadas por essas forças.

Quem está convertido à democracia não fecha os olhos para as barbaridades cometidas, por exemplo, por Putin, por Maduro, pelo nicaraguense Daniel Ortega, pelo cubano Díaz-Canel, pelo angolano João Lourenço e pelo Irã. Em qualquer caso, nunca fica ao lado de ditaduras e não hesita em classificar grupos terroristas como terroristas (o que é o caso do Hamas).

O caso mais quente agora é o da Venezuela, em que a candidata da oposição, María Corina Machado, que venceu com expressiva votação as prévias, foi impedida de concorrer pela “Justiça” da ditadura – sob acusação de traição à pátria – e sua indicada substituta não conseguiu se registrar na plataforma eleitoral do regime em razão de um “bug” seletivo, que não aceitava seu nome, mas aceitava os nomes de Maduro e dos seus “concorrentes” autorizados.

Ora, se estivesse realmente convertido à democracia, o governo brasileiro deveria saber que a Venezuela é uma ditadura. E que ditaduras não fazem eleições democráticas: do contrário seriam democracias. Quando uma ditadura promove eleições, mesmo que não haja qualquer irregularidade perceptível por observadores no dia do pleito, elas não serão democráticas: a) se o governo selecionou os candidatos que poderiam concorrer e vetou os que tinham chances de vencer; b) se não havia liberdade de expressão, organização e imprensa durante a campanha e no período anterior. É o caso de Maduro.

Ignorando tudo isso, o Itamaraty soltou uma nota sobre a situação. A peça está sendo elogiada pela imprensa chapa-branca como um grande avanço na nossa política externa. Mas não há muito o que elogiar. A nota continua apostando na eleição fraudulenta forjada pela ditadura esperando que ela “constitua um passo firme para que… a democracia se fortaleça na Venezuela” –  o que é uma enganação. Impossível, a esta altura, que haja eleições democráticas na Venezuela, pois o ditador eliminou os candidatos competitivos e restringiu as liberdades que são fundamentais para que se realizem eleições democráticas.

De passagem, a nota legitima os candidatos permitidos por Maduro dizendo que “onze candidatos ligados a correntes de oposição lograram o registro” – o que é falso: em sua imensa maioria são candidatos-fantoches. Além disso, a nota solerte do governo brasileiro “manifesta seu repúdio a quaisquer tipos de sanção“. Isso, no fundo, é – objetivamente – uma defesa da ditadura da Venezuela, pois as sanções, embora nunca funcionem 100% (como vemos nos casos do Irã, da Rússia e da própria Venezuela) são um dos únicos instrumentos das democracias contra regimes que violam direitos políticos e liberdades civis.

Em resposta à nota do governo brasileiro, a Venezuela soltou um comunicado boçal, acusando funcionários da chancelaria do Brasil de estarem a serviço do imperialismo ianque, mas no final agradeceu as “expressões de solidariedade do presidente Lula da Silva, que condenam direta e inequivocamente o bloqueio criminoso e as sanções que o governo dos Estados Unidos impôs ilegalmente, com o objetivo de produzir dano ao nosso povo”. Quase as mesmas expressões da nota brasileira. Passou recibo.

 

Augusto de Franco é escritor.

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  1. Parabéns pelo Artigo 🎯 Hoje tudo é em “defesa da democracia” O Brasil já está avaliado como uma democracia capenga, será que um dia conseguirá ser de fato uma Democracia Plena?

  2. "Não cora o saber por chamá-lo irmão ..." (Castro Alves) ------ Ora senhores ditadores se protegem, confraternizam e e travestem de anjos para melhor enrabar a e escravizar a manezada igual em todo o mundo e a diferença são os "agrados" dos donos.

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