UN Photo/Ariana LindquistJornalistas e fotógrafos na ONU: grande imprensa virou agência de checagem

As estranhas obsessões dos jornalistas

Eles querem falar de dois ou três assuntos com uma fixação assombrosa, que parece indicar desequilíbrio mental
02.02.24

Toda vez que passo na frente de uma tevê ligada, algum jornalista está preocupadíssimo com um assunto que, a essa altura, me parece uma obsessão particular dele e só dele.

  • Carlos Bolsonaro curtiu uma postagem da assessora do…
  • A Abin na época de Ramagem servia café da marca…
  • Em pleno ato de incomodar uma baleia…
  • Um dos golpistas que mais participava do grupo de Whatsapp…
É como visitar uma tia levemente senil e ver que, como sempre nos últimos anos, ela só consegue falar da vizinha do fim do corredor, que é fascinantemente maligna para ela, um assunto que absorve a sua alma completamente e que transborda da sua alma de tia solitária numa lamentação contínua.

— Sexta, sábado, domingo, às vezes até durante a semana essa aí sai pra beber com os namorados dela, um diferente cada semana, e na volta, bêbada, o que ela faz? Ela para o carro bem na faixa da minha vaga…  Só porque eu não tenho carro não posso reclamar?

— Claro que pode, tia.

— Porque e se eu tivesse carro? Se eu tivesse carro, como é que eu ia parar ali se o pneu do carro dela está invadindo a faixa que separa as vagas? Está certo isso?

— É, não está, tia.

Ou é como visitar um historiador excêntrico que se aposentou, se isolou no campo e nos últimos anos de vida deixou que a sua obsessão por algum reinado específico na Capadócia no século 13 virasse seu único assunto.

— Tem certeza que não foi seguido?

— Seguido? Por quem?

— Por quem! Seljúcidas, cruzados, capadócios, otomanos! Toda a corja! Estão sempre ali de tocaia no estacionamento do Habib’s.

Em seguida faz com que você entre antes que os emissários do rei Solimão II (1196-1204), visivelmente agachados atrás de uma Pajero, disparem suas balestras.

Enfim, jornalistas têm as suas obsessões. Não são as obsessões de toda a gente. As pessoas querem saber de alguns assuntos, sei lá eu quais, pois são muito variados, e poderia haver jornais e revistas sobre todos esses assuntos, veja que lindo mercado — mas os jornalistas querem falar de outros assuntos, geralmente só dois ou três, e repisando esses dois ou três com uma fixação assombrosa que parece indicar, às vezes, alguma espécie de desequilíbrio mental.

***

Já que estamos falando de imprensa, um negócio que ocorre e que nunca vi ser comentado é este: muitas vezes a grande imprensa serve menos como fonte de informação do público do que como um mecanismo de confirmação de informações que todos já conhecem. A pequena imprensa é a fonte de informação (certa, errada, todo tipo); a grande imprensa é só uma imensa agência de checagem: algo já está tão conhecido que até a grande imprensa já ouviu falar, e até vai começar a divulgar se não houver outra alternativa (às vezes anos depois, como no caso do laptop de Hunter Biden). O público usa a grande imprensa não tanto para saber o que está acontecendo agora, mas mais neste sentido: se até a grande imprensa já sabe, é porque o caso está repercutindo além do ignorável.

***

Posso dizer que admiro Reinaldo Azevedo, de um jeito irônico, talvez, mas não completamente irônico? Que há de fato alguma coisa admirável no seu desprendimento em relação à verdade — ao que você acha que é verdade, ao que ele acha que é verdade, e até ao que ele sabe que é verdade?

As pessoas gostam de mostrar as mudanças de opinião dele. Dez anos atrás ele disse, com firmeza e aos gritos, uma coisa, e agora está dizendo, com firmeza e aos gritos, o oposto. Não acho que sejam mudanças de opinião, porque no fundo acho que ele jamais expressou alguma opinião. Ele não é bobo como eu ou você de simplesmente sair dizendo o que pensa. Não, não. Ele deve ter as opiniões lá dele debaixo do suado chapéu panamá. Mas isso é um segredo entre ele e o Criador. Se é conveniente, tanto faz para ele o que ele pensa: escreve o oposto do que acredita, ou, às vezes, se calhar, algo que só por acaso coincide com o que acredita.

É quase sublime. E digo isso um pouco a sério. Há no nosso apego às nossas opiniões alguma coisa de muito cretino. Se acreditamos em algo, agarramos essa coisa com mãos agarrativas de bebê, e não soltamos mais. Nosso apego às nossas ideias é algo pesado, bronco, estúpido, e mostra o seu lado tosco e tenso todas as vezes em que ficamos bravos, até com pessoas que amamos, por divergências muitas vezes bem pequenas de opinião.

Reinaldo Azevedo não, parece ter um desapego budista, um desapego de mestre zen ao que quer que ele pense realmente. Ele grita defendendo alguma coisa, e gotas de saliva saem da sua boca, mas dentro dele, o tempo todo, ele está sentado de pernas cruzadas no alto dos Himalaias, vendo o cuspe se afastando em câmera lenta da sua boca e pensando com um leve sorriso de bodisatva:

“Isto que estou dizendo aos gritos é uma grande tolice. Ou na verdade, percebo agora, eu até concordo com o que acabei de dizer. Como é engraçado quando eu digo alguma coisa com a qual eu concordo. É raro isso acontecer, mas eu aprecio cada um desses momentos.”

E eu realmente, e sem excessiva ironia, admiro isso.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. O Reinaldo é uma grande decepção como jornalista. Escreveu um livro falando do PT , e agora é só elogios para este governo imoral.

  2. Esse Reinaldo é um apresentador que vai atrás de patrocínio pra sustentar o lixo de programa dele na Band. Como agora quem tem a verba á turma dos Petralhas( expressão dele, bora falar bem do Nine e dos cupinchas. sds

  3. A tal Daniela Lima , agora na Globo, é exemplo típico do primeiro artigo. Ela chega a ficar eufórica, excitada e sem fôlego para confirmar uma notícia "que acabou de chegar" e todo mundo já sabia. Quando é coisa dos "Bolsonaros" então ela quase enlouquece , transpira e entra em êxtase. Muda-se de canal e as outras emissoras (com exceção da JP) estão dando exatamente as mesmas notícias, com o mesmo roteiro , parece combinado. Reinaldo Azevedo? Perfeito o diagnóstico: abjeto!

  4. Só posso dizer que adorei esse texto. Está com um estilo de Revista de Fofoca, mas acho que estamos precisando ler isso também. Principalmente quando todos percebemos que algumas fofocas são verdades escondidas sem vergonha nenhuma de serem descobertas.

  5. Comentaristas são extremamente vaidosos. Prostituem-se sem pudor por uma plateia atenta, fiel e generosa em aplau$o$

  6. Reinaldo Azevedo, essa figura abjeta que muda de opinião como quem muda de roupa. Há anos atrás ele odiava Lula agora o idolatra, como pode isso?

  7. É mesmo interessante como algumas pessoas querem enfatizar sua opinião quase aos gritos, achando que o mundo inteiro tem interesse por elas. E, jornalistas, comentaristas, têm aquele jeito de escandir sílabas, todos num padrão irritantemente igual. Bons são o botão off e o seletor de canais.

  8. A sexta feira com o Alexandre na Crusoé é sempre prazerosa. Esse texto, então, é ótimo porque escreveu o que eu penso a respeito do "tio Rei". Algo de muito grave ocorreu com o cérebro do autor dos dois O país dos petralhas. No segundo, tio Rei diz que "Lula é a Doença" ; "Ele (Lula) é o pior político do Brasil" . Agora, ele virou um tocador de tuba (segundo ele próprio) do governo lulista. É um mistério: o que aconteceu com o cérebro de José Reinaldo Azevedo e Silva , o famigerado tio Rei?

    1. Gostava do Tio Rei nos primeiros tempos da Veja. Ele mudou...prá muito pior. Intragável atualmente.

Mais notícias
Assine agora
TOPO