Ai de ti, Volta Redonda!

Há mentiras tão evidentes que é preferível omiti-las, sob o risco de chamar atenção para as verdades que elas pretendiam esconder. É melhor ficar calado do que dizer, por exemplo, que o Campeonato Carioca é o mais difícil entre os estaduais do Brasil. Se você pensar bem, Tite, o carioca não é nem o segundo torneio mais competitivo entre os regionais.

Após o Flamengo golear o Audax-RJ por 4×0, seu treinador disse que o Campeonato Carioca “é o mais forte do Brasil“. “Antes era São Paulo, agora é o Carioca. Ele é muito difícil. A busca nossa é pelo título carioca. Esse processo de evolução visa esse objetivo“, completou o ex-técnico da seleção brasileira, antes de partir com seu time para uma pré-temporada nos Estados Unidos, enquanto o “Flamengo Fake”, como foi apelidada a equipe sub-20 que permaneceu no Brasil, disputava partidas do estadual mais forte do país.

“Cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras”, diz Rubem Braga a Copacabana na clássica crônica. Eu digo para o Volta Redonda, único clube carioca na Série C do Campeonato Brasileiro. O Rio de Janeiro tem quatro times na Série A, nenhum na Série B e três na Série C. São Paulo tem quatro na Série A (empatou), sete na Série B (humilhou) e quatro na Série C (superou).

A distância entre os dois campeonatos está expressa de forma clara também nos incentivos e premiações oferecidos. Os quatro clubes grandes de São Paulo receberão, cada um, 40 milhões de reais apenas para participar do torneio. Os menores ficarão, cada um, com 8 milhões de reais.

O campeão paulista receberá outros 5 milhões de reais. Já os times do Rio não ganharão prêmio por rendimento no campeonato estadual pelo terceiro ano seguido. O Flamengo, maior clube do estado, faturou 23 milhões de reais com direitos de TV da competição no ano passado, metade do que os rivais paulistas receberão neste ano.

Enfim, não há comparação entre os dois mais renomados campeonatos estaduais. O Campeonato Carioca compete hoje com a Copa do Nordeste, que uniu os maiores times da região para promover uma disputa mais acirrada. O desafio para gigantes regionais como Bahia, Vitória, Fortaleza, Ceará, Sport e Náutico, entre outros, se tornou muito maior.

A Copa do Nordeste ditou — e vai consolidando — uma alternativa para o exaustivo calendário do futebol brasileiro, como já tentou em outra época o Torneio Rio-São Paulo. É mais relevante hoje para os participantes do que um campeonato que os maiores clubes do Rio usam como pré-temporada, que não justifica mais nem ao rótulo de “mais charmoso” do país.

Ao dizer que o Campeonato Carioca é o mais forte do Brasil, Tite acabou expondo que, da forma como é disputada atualmente, a competição nem sequer deveria existir mais. Fica um recado de Rubem Braga:

“Antes de te perder eu agravarei a tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão“.