O Diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rorigues e Alexandre de MoraesO Diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rorigues e Alexandre de Moraes, na sede da PF, em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Duelo na PF

Divisões políticas na corporação põem em risco sua credibilidade. Agora existe até a "PF do Xandão"
02.02.24

Quando Flávio Dino tomou posse como Ministro da Justiça, em 1º de janeiro de 2023, ele fez um discurso calcado na ideia de pacificação. Disse que iria “mostrar que a Lei é o trilho correto” e que essa seria a tônica de sua gestão à frente de órgãos como Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. “Ninguém pode ideologizar, politizar, partidarizar a atuação do sistema de Justiça e do sistema de segurança pública”, declarou ele. Nesta semana, Dino se despediu do governo para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Simultaneamente, como que utilizando uma porta-giratória, e para garantir que o coeficiente de lulismo continuasse inalterado nas duas instituições, o ex-integrante da corte Ricardo Lewandowski assumiu o Ministério da Justiça. No balanço realizado por um e nas promessas do outro, surgiu novamente a garantia de que os órgãos de investigação estão blindados contra interferências externas. O fato, porém, é que ao longo do primeiro ano do governo Lula 3 não houve esforço verdadeiro para desfazer a velha crença de que as corporações são uma arma a ser empunhada em função de interesses políticos.

Nos últimos meses foi se consolidando, especialmente dentro da PF, a percepção de que em vez de ser um órgão de Estado, técnico e neutro, ela simplesmente passou a refletir a polarização entre petismo e bolsonarismo existente no país. Além disso, nada foi feito para modificar uma situação anômala, porque ela obviamente agrada ao PT: a existência de um grupo de delegados sob influência direta do ministro do STF Alexandre de Moraes, conduzindo inquéritos sobre os atos antidemocráticos e sobre o 8 de Janeiro. Neste começo de 2024, esse núcleo produziu investigações confusas sobre o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição, e sobre Carlos Bolsonaro, ensejando diligências de grande impacto. Ele vem sendo chamado em voz baixa de “PF do Xandão”.

Nos Estados Unidos, o Federal Bureau of Investigation, FBI, desempenha papel similar ao da PF no Brasil. James A. Wray dirige o órgão desde 2017, quando foi nomeado pelo presidente Donald Trump e teve o nome aprovado pelo Senado. Ao chegar à Casa Branca, Joe Biden manteve Wray no cargo. Os eventos de 6 de janeiro de 2020, quando uma turba invadiu o Capitólio e tentou impedir a certificação da vitória eleitoral do democrata, não fizeram que ele sentisse a necessidade de encaixar um “nome seu” no FBI. O Brasil está muito longe desse grau de confiança no funcionamento normal das instituições. Os políticos brasileiros operam segundo a lógica do petista José Dirceu, que cerca de 20 anos atrás, quando era uma figura poderosa no primeiro mandato de Lula, disse que seu partido só se tornaria realmente dono do governo quando controlasse a PF. Misturam-se aí o temor de ser alvo de inimigos e os desejos de blindar-se ou promover as próprias causas, valendo-se do aparato policial.

Jair Bolsonaro, patologicamente desconfiado segundo dizem, promoveu uma sequência tragicômica de trocas no comando da PF enquanto esteve no Planalto. Foram quatro diretores-gerais durante o seu mandato. O evento mais marcante desses anos, contudo, foi o pedido de demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro, em 24 de abril de 2020, alegando que o presidente insistia em interferir na PF. A celebre reunião ministerial tornada pública por ordem do STF mostra de fato o presidente esbravejando contra Moro e dizendo que demitiria o ministro se isso fosse necessário para ter gente de sua confiança ocupando postos-chave, em particular na superintendência do Rio de Janeiro, cidade de residência e base eleitoral dele e dos filhos. Cinco dias depois da saída de Moro, o ministro Alexandre de Morais impediria a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da PF. A escolha de um amigo da família Bolsonaro, em particular de Carlos, o filho 02, confirmaria o propósito de interferir na corporação e representaria uma agressão ao princípio da impessoalidade na administração pública.

Lula voltou a Brasília em 2023 com dois grupos da PF sob a mira: os delegados ligados à Lava Jato e os identificados como bolsonaristas. Ele apontou para a direção-geral um velho conhecido, o delegado Andrei Rodrigues, que cuidou de sua segurança pessoal na campanha de 2022 e já havia desempenhado a mesma função em 2014, na reeleição de Dilma Rousseff. Embora tenha mais de 20 anos de carreira e experiências na Amazônia, na vigilância de grandes eventos (como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016) e no setor de tecnologia e inovação, também é fato que ainda não havia ocupado nenhum cargo de superintendência na PF, ao contrário de todos os outros diretores-gerais anteriores a ele. Foi uma daquelas situações em que o desejo do presidente atropelou o que seria o natural sob o ponto de vista dos integrantes da carreira (algo parecido com o que ocorre quando a lista tríplice do Ministério Público é ignorada na escolha do Procurador Geral da República).

 

Flavio Dino e Ricardo LewandowskiFlavio Dino e Ricardo LewandowskiDino e Lewandowski: porta-giratória entre ministério e STF – Foto: Jamile Ferraris / MJSP
 

Logo ficou claro que a nova gestão estava disposta a realizar pequenos atos de represália e vingança. Identificado como bolsonarista, o ex-superintendente da PF em São Paulo, Rodrigo Bartolamei, teve de voltar a fazer inquéritos, como se estivesse no começo da carreira. Uma reportagem publicada por Crusoé em agosto do ano passado mostrou que delegados que participaram da Lava Jato haviam sido transferidos para posições apagadas. Ela citava uma nota divulgada pela Associação dos Delegados da Polícia Federal, ADPF, em defesa da autonomia funcional e investigativa da categoria. “É inaceitável o estabelecimento de quaisquer rótulos sobre os profissionais atuantes na polícia judiciária, independentemente da ocupação de funções e cargos públicos em governos anteriores ou da coordenação de grandes operações policiais”, dizia um dos trechos do documento.

Ao mesmo tempo, delegados tidos como alinhados à esquerda ganharam cargos estratégicos. Um exemplo citado com alguma frequência é Rodrigo Morais Fernandes, nomeado em fevereiro do ano passado como diretor de Inteligência Policial da PF. Conhecido como Rodrigo Mineiro, ele presidiu o inquérito do caso Adélio Bispo e concluiu que o homem que quase matou Jair Bolsonaro com facadas no abdome em 2018 agiu absolutamente sozinho. O setor de Inteligência Policial está diretamente ligada a outro braço importante: a coordenação de inquéritos especiais, responsável pelas investigações de pessoas com foro privilegiado.

Lula pediu expressamente a Ricardo Lewandowski que mantivesse Andrei Rodrigues à frente da PF ao assumir o Ministério da Justiça. O planalto avalia bem o seu trabalho, em particular o fato de comandar com mão de ferro os  delegados. A ordem é evitar qualquer medida que possa ser qualificada como “espetacularização” das investigações. Suspeitas de vazamento de informações para a imprensa, sobretudo se causarem algum desconforto interno, resultam em procedimentos administrativos. Em contrapartida, o governo permitiu que Andrei levasse algumas boas notícias para a categoria: um aumento de salário em 2023 e a liberação de concurso público para o preenchimento de até 2 mil vagas nos próximos anos.

Para Jair Bolsonaro, a ideia de que a espetacularização foi proscrita nos trabalhos da PF evidentemente não procede. Em live realizada no último domingo, 28 de janeiro, ele disse que desejam associá-lo a todo custo ao assassinato da vereadora Marielle Franco, mesmo depois de a proposta de delação premiada do miliciano Ronnie Lessa apontar como mandante do crime o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão. “Já se começa outra narrativa”, disse Bolsonaro. “A PF, a PF do B, igual existe PC do B, já trabalha com a hipótese de um segundo mandante. Ou seja, eles não cansam.”

Diversos deputados federais alinhados ao ex-presidente, como Ubiratan Sanderson, Marcel Van Hatten e Carla Zambelli temem ser alvos da PF num futuro próximo. Suas preocupações se voltam, no entanto, para “a PF do Alexandre de Morais”, que atuaria de maneira autônoma, ainda que em sintonia política com o governo petista. Essa estrutura é comandada pela delegada Denisse Ribeiro e conta com mais 15 agentes, conforme apurou Crusoé. O peculiar nesse aparelho de investigação é que ele faz lembrar o modelo de força tarefa policial da tão execrada Lava Jato. O contato entre Moraes e os delegados, no entanto, é muito mais direto do que a de Sérgio Moro com os agentes da PF no Paraná jamais foi.

Em 2020, em meio ao embate sobre a nomeação de Alexandre Ramagem por Jair Bolsonaro, Moraes determinou que a equipe que já havia dado início aos inquéritos das fake news e dos atos democráticos não poderia ser desfeita. Mais tarde, quando o delegado Igor Romário (com histórico na Lava Jato) deixou Brasília, ele mesmo designou Denisse Ribeiro para dar prosseguimento aos trabalhos. O ministro do STF também influi na escolha dos outros integrantes da equipe. “É algo muito atípico, que foge ao nosso regimento interno e à maneira como os casos são atribuídos via de regra”, diz um ex-diretor-geral da PF. “Formou-se uma pequena casta em Brasília. É uma situação que poderia ser discutida juridicamente pela Advocacia Geral da União ou abordada a nível político pela cúpula da PF. Mas não parece haver interesse em encarar essa discussão esse desgaste.”

 

Carlos Bolsonaro, Alexandre Ramagem e Jair Bolsonaro – Foto: Reprodução/X Carlos Bolsonaro
 

O problema é que, ao contrário da Lava Jato, as investigações dessa “PF do Xandão” têm tido tropeços. Depois de mais de um ano do 8 de Janeiro, ainda não se conseguiu montar um caso sólido sobre possíveis financiadores dos acampamentos em Brasília e das caravanas que rumaram à capital naquele domingo. Há quinze dias, um avanço nessa direção pareceu acontecer. Agentes foram enviados à residência e ao gabinete parlamentar do deputado federal Carlos Jordy, líder da oposição. Ele teria comandado o transporte de pessoas desde o Rio de Janeiro para participar do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Em seguida ficou claro que a polícia concluiu que o suposto braço direito de Jordy havia estado em Brasília no 8 de Janeiro com base numa foto adulterada. Um erro de investigação que inaceitável numa operação de alta voltagem política.

Nesta semana, Alexandre de Moraes autorizou diligências em endereços da família Bolsonaro, tendo por alvo específico o filho 02 do ex-presidente, Carlos. O que está sendo investigado é a formação de uma “Abin paralela”, um sistema clandestino de monitoramento de dezenas de adversários, durante o governo passado. Mais uma vez, os dados transcritos do inquérito policial pelo Procurador Geral da República Paulo Gonet, em parecer favorável à operação, e pelo próprio Moraes, eram confusos. O enredo descrito tinha inconsistências nas datas.

Falha ainda mais primária ocorreu na logística da operação. Na manhã da segunda-feira, 29, uma equipe da PF se dirigiu à casa de Carlos Bolsonaro no Rio de Janeiro. Ao chegar, descobriu que o vereador estava com o pai e os irmãos em Angra dos Reis. Decidiu-se acionar outro time nessa cidade, mas eles encontraram a casa dos Bolsonaro sem ninguém eles haviam saído para uma pescaria. O ex-presidente e a prole negam veementemente que tenham sido avisados ou tentado escapar ao encontro com os policiais. Mas, novamente, a operação mal planejada deixou espaço para isso acontecer.

Houve caso parecido recentemente. No começo do ano, na 23ª fase da operação Lesa Pátria, Miguel Ritter, pai da advogada Gabriela Ritter, presidente da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro, foi alvo de uma busca e apreensão. Os agentes, contudo, erraram o endereço de Miguel, na cidade de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul. Em uma primeira batida policial, eles abordaram uma família que morava em um imóvel de propriedade de Miguel, mas que estava alugado. Foi a locatária quem informou aos agentes da PF o endereço correto.

Segundo agentes da PF ouvidos por Crusoé em Brasília, o que esses episódios todos denotam é pressa. Os agentes foram mandados para a rua sem que a preparação estivesse madura.

Nada disso significa que exista uma “perseguição” absolutamente imotivada ao bolsonarismo, como querem fazer crer muitos políticos da direita. Tanto o 8 de Janeiro quanto existência da Abin paralela são eventos gravíssimos, que exigem elucidação. O trabalho policial, no entanto, tem ficado aquém do necessário para isso.

Os atropelos da “PF do Xandão” não são motivo de risada. Essa ligação direta entre um ministro do STF e uma equipe de investigação policial é uma novidade que não pode ser naturalizada ou vista com despreocupação. Os esforços de presidentes da República para ter a PF às suas ordens, por sua vez, são bem antigos. Mas também não devem ser naturalizados. Políticos como Lula, Flávio Dino e Ricardo Lewandowski querem convencer o país de que não há nada pior do que a “espetacularização” das ações da PF. Ocorre que ações descritas dessa maneira são, em geral, aquelas que atingem o poder. Por isso o poder as odeia. A captura silenciosa da PF por interesses políticos particulares é, na verdade, um mal muito maior. Eliminar esse hábito é um pré-requisito para que a PF possa se tornar de fato uma instituição de Estado para que um dia um diretor-geral da corporação possa sobreviver a uma mudança de governo, como nos Estados Unidos de Biden e Trump.

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  1. O problema do Brasil é a forçada (e muito indesejável) polarização dos petistas com o chefão Lula e os bolsonaristas/Bolsonaro e todos esses bandos de corruptos e incompetentes traidores da pátria que grudam neles como carrapatos para sugar nosso dinheiro. Poucos programas de TV são apresentados com objetivos claros para tirar tais elementos do poder e mostrar os cidadões bons que existem no Brasil e que mereceriam ocupar os altos cargos da Nação.

  2. A Lava Jato foi destruída segundo os destruidores por graves erros, mas é com preocupação que vejo os destinos da PF, totalmente manipulada

  3. Lambança de incompetentes que usam o estado para fins particulares. Enquanto isso o crime de colarinho branco está solto e atuante quer no Executivo e principalmente no Judiciário, onde perdoam-se multas bilhonárias, de ladrões confessos. Estamos assistindo a troca de interesses pessoais nas indicações de Ministros de ambos poderes.

  4. Bolsonaro é uma doença grave para o Brasil, porém, com remédios adequados, pode ser curada. O Lula é um câncer para o Brasil. Ou o Brasil acaba com ele, ou ele vai levar o país ao socialismo.

  5. Bem temos muitas ONGs que recebem dinheiro para defender bandidos. A ONG NOSSAS, dentro outras. Em 2021, recebeu em torno de 6,3 milhões. Inclusive tem uma que defende o DESENCARCERAMENTO. Estranho nosso ex min da justiça e atual STF, também defende a mesma bandeira, inclusive esteve no início de sua gestão numa favela do Rio, sem grandes dificuldades, assim como no seu ministério recebeu alguém ligado ao crime, muiito estranho.

  6. Difícil solução e recurso impossível de ser tentado… até por total inexistência de um destinatário competente!!! O Brasil está num beco sem saída, desarmado, de mãos amarradas e rodeado de perigosos e mal-intencionados elementos ameaçadores…

  7. Saber que esta mudança depende do Congresso Nacional, tornando a PF independente. Porém, como não interesse do parlamento, nem tão cedo o cenário mudará, infelizmente. Somente com o voto consciente da população o país conseguirá sair deste caos que se encontra. Não temos Polícia Federal, não temos Ministério Público, não temos judiciário. Difícil.

  8. O assunto aqui é outro mas,...... Este sim, 1 verdadeiro acordo-conluio, verdadeiramente espúrio e verdadeiramente cínico, q sempre ocorreu e agora se agravou, o entre o corvo-totó e o continua-corvo-lêvândóvisquí-trazêndóvisquí, 2 marginais canalhas q deveriam estar na cadeia no mínimo pelos crimes de formação de quadrilha, organização criminosa, falso testemunho, calúnia, difamação, desrespeito à autoridades legalmente constituídas, por bandidagem explícita e implícita, etc...etc...etc...etc..

    1. .... mas """descongelado""' também define.... 😆😆😆😆😆😆🤣🤣🤣

    2. E o crime organizado """prítíza""" ser combatido a partir do descongelado, dos seus grunhidos perniciosos e dos seus asseclas.

    3. Que o BRASIL se livre dessas """drauzes""" dessa bandidalha generalizada que o grassa!!!!

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