Forças de Defesa de IsraelSoldado israelense caminha na Faixa de Gaza

Israel não pode ficar isolado

A guerra contra o Hamas está sendo uma das menos letais do nosso período histórico
02.02.24

A segunda guerra fria, na qual já estamos imersos, tem uma característica peculiar. Ela não é igual à primeira porque não opõe dois blocos coesionados de países (Leste x Oeste) e sim porque está presente dentro de cada país. A divisão agora não é global e sim glocal. Fomos assaltados, nos anos 20 do século 21, pelo anos 20 do século 20 (a volta de um passado muito anterior ao da primeira guerra fria).

O caso de Israel ilustra bem a situação atual. Israel, a única democracia do Oriente Médio, foi atacado pelo eixo autocrático (na verdade, pelo Irã, conectado à Rússia, por meio de seus braços terroristas Hamas, Hezbollah, Houthis e milícias xiitas do Iraque e da Síria). Mas isso não significa que não exista uma extrema-direita autocrática (e teocrática) na sociedade de Israel e no governo de Israel. Assim como, infelizmente, existe também na sociedade americana (ameaçando voltar ao governo dos EUA com Trump).

Mas não se pode fazer uma conexão mecânica do que acontece em Gaza com os propósitos delirantes dessa força autocrática presente em Israel. Fosse o governo israelense composto por moderados, até por democratas, uma vez colocada em curso uma guerra (não uma ação policial com recursos militares para caçar os terroristas e libertar os reféns, mas uma guerra mesmo), veríamos no teatro de guerra de Gaza alguma coisa muito parecida com o que está acontecendo agora. Ou seja, do fato dos extremistas israelenses estarem no governo e (alguns, pelo menos) terem intenção genocida, não se pode derivar que a ação de Israel na guerra seja orientada por uma intenção genocida.

O Hamas, sim, tem uma intenção genocida. Eliminar um grupo populacional: os judeus (inicialmente os de Israel). A África do Sul, que mantém relações cordiais com o Hamas e atua como fantoche do eixo autocrático, tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio.

Israel tem uma intenção: neutralizar a organização terrorista Hamas, capturando ou desativando seus combatentes e destruir sua infraestrutura bélica em Gaza para evitar que ataquem novamente o território israelense. Israel não tem a intenção de dizimar um grupo populacional inteiro (os palestinos). Se tivesse, com seu poder bélico (sobretudo aéreo), não teria matado pouco mais de 1% da população de Gaza (segundo os números fornecidos pelo próprio Hamas): as vítimas seriam contadas em número muito maior.

Ao divulgar a fake news de que, de todos os mortos em Gaza, cerca de 80% são mulheres e crianças, o Hamas tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio. Isso é uma impossibilidade (demográfica) e uma alta improbabilidade (estatística). Se esses dados fossem corretos, só teriam morrido na guerra de 5 mil a 7 mil homens (englobando civis combatentes do Hamas e civis não combatentes). Seria necesssário acreditar que, por algum motivo milagroso, os combatentes do Hamas praticamente não morrem nos confrontos armados de que participam.

 

Israel diante da bifurcação

A cada bala perdida que mata uma mulher civil não combatente em Gaza, a cada morte de criança palestina como resultado colateral de uma bomba lançada pelas FDI (Forças de Defesa de Israel) para destruir um túnel ou outra instalação da infraestrutura bélica do Hamas, não podemos dizer: “Estão vendo? Se não fossem os tarados supremacistas Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir – abrigados no governo Netanyahu – isso não estaria acontecendo”. Esses são, de fato, militantes autocráticos, mas mesmo que eles e outros extremistas não estivessem no governo, aconteceria, sim, o que está acontecendo – havendo guerra.

Há perdas de civis inocentes em todas as guerras. E há crimes de guerra em todas as guerras. Na Segunda Guerra Mundial, morreram 40 milhões de civis. Na Guerra da Coreia, estima-se que morreram quase 2 milhões de civis. Na Guerra do Vietnã, a mesma coisa: cerca de 2 milhões de civis mortos. Na Guerra da Síria, morreram mais de 300 mil civis. Na guerra civil etíope estima-se que mais de 400 mil pessoas tenham perdido a vida. Em todas essas guerras, repita-se, houve crimes de guerra (impossíveis de não acontecer em qualquer guerra real).

No balanço de mortos para avaliar a letalidade de uma guerra, todas as pessoas (militares e civis) devem ser consideradas. No caso do Hamas, porém, essa distinção não se aplica: todos os mortos do lado do Hamas são civis.

Ainda assim, a guerra de Israel contra o Hamas está sendo uma das menos letais do nosso período histórico (até agora, pois tem pouco mais de 100 dias; se durar oito meses, como avalia o governo Netanyahu, mantendo-se a dinâmica atual, poderá matar cerca de 70 mil pessoas). Ora, a guerra da Rússia contra a Ucrânia já matou mais de 200 mil pessoas. A do Afeganistão matou mais de 170 mil pessoas. A guerra Irã-Iraque deixou 1,5 milhões de mortos.

Israel está agora diante de uma bifurcação que selará o seu destino. Mantendo-se o governo Netanyahu com a composição atual e não havendo um levante da sociedade civil israelense contra esse governo, a democracia de Israel tende a se autocratizar com o esticamento da guerra por motivos políticos internos.

Mas o que os autocratas de Israel não estão levando em conta é que os democratas (o chamado “mundo livre”) defendem Israel enquanto seu regime continuar sendo uma democracia – o que não equivale a dizer que defendem todas as suas ações. Se tais ações saírem muito do habitual em uma guerra, e forem percebidas como uma tentativa de esticar o conflito por razões de política interna, Israel ficará isolado no mundo. Isso será uma derrota do campo democrático como um todo – o que não pode acontecer.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. O perigo para Israel é não conseguir concluir a guerra antes das eleições americanas e o apoio dos EUA ser um peso pra campanha de Biden que ele pode ter de largar.

  2. Ministros do gabinete de Netanyahu já sonham com a limpeza étnica da faixa de Gaza e a anexação definitiva da Cisjordânia, consolidando a Grande Israel, loucura semelhante a da Grande Sérvia de Slobodan Milosevic, carniceiro como Netanyahu.

  3. Forca, Israel. O territorio é seu, desde seculos atrás. Usurpadores são os palestinos primitivos, não evoluem, sempre tiveram a cultura da rixa, da discordia e da morte

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