Geraldo Alckmin e Fernando HaddadAlckmin e Haddad: elogiados em público, mas a confiança é baixa - Foto: Cadu Gomes / VPR

O déficit fiscal deveria forçar uma moderação liberal no PT 

Por mais anúncios e promessas que se faça, não é sustentável a fantasia de que o Estado será protagonista de um novo ciclo de desenvolvimento
02.02.24

Embora o governo queira manter um tom otimista para a economia, deve-se reconhecer que o modelo de desenvolvimento calcado em investimento público simplesmente não é possível com a atual situação fiscal do país. Ou o PT se entrega a essa realidade, e vai buscar criar boas condições para o investimento privado, ou esquece.

Por mais anúncios e promessas que se faça, simplesmente não é sustentável manter a fantasia de que o Estado será protagonista de um novo ciclo de desenvolvimento. Não há condições materiais para isso, como revela a inegável crise de confiança dos agentes econômicos em relação ao governo.

Mesmo que, em público, grandes gestores de fundos de investimentos e líderes empresariais saúdem o ministro Fernando Haddad e a liderança do vice Geraldo Alckmin, na base a coisa não anda boa. Segundo a FGV, a confiança de todos os agentes econômicos monitorados está no vermelho: indústria, construção, comércio e consumidor apresentam índices inferiores a 100, que é o ponto neutro em uma escala que varia entre zero e 200. Pesquisa da Quaest divulgada no ano passado mostrou que 100% de uma amostra de operadores do mercado financeiro não acredita que será possível zerar o déficit neste ano, sugerindo um problema de credibilidade da autoridade econômica.

De forma simples, o governo quer estimular desenvolvimento colocando dinheiro no bolso dos consumidores (bolsas, auxílios, aumento real do salário-mínimo) e em setores da economia (Minha Casa, Minha Vida, subsídios para a indústria, política dirigida de compras governamentais, entre outros). O problema é que não há garantias de que o Tesouro dará conta de tanta coisa por muito tempo (nem por pouco tempo). Para zerar o déficit em 2024, será preciso, se não houver qualquer redução de despesas, um aumento nominal de arrecadação de quase 10%! Trata-se de uma tarefa que, normalmente, só se faz em tempos de guerra.  

E o que é possível fazer? Hoje, muito pouco. Como boa parte dos gastos é obrigatória e o PT não quer nem ouvir falar de enfrentar uma pauta de redução de despesas, o peso fica todo para o lado da arrecadação. Haddad tem se concentrado em combater o que ele chama de “erosão fiscal”, isto é, desmontar um mundo de subsídios que explodiu na gestão Dilma Rousseff e veio desde então. Mas é difícil, porque não há avanço sem contrariar grupos políticos, o que torna o processo custoso, e porque o próprio governo manda mensagens contraditórias ao continuar dando vantagens para outros setores.

Hoje, a principal agenda econômica é passar a perna na meta fiscal. A Fazenda está preocupada em (i) obter um parecer do TCU que lhe permita interpretar o Arcabouço Fiscal de tal maneira que o governo é “obrigado” a promover um aumento real das despesas e, com isso, fixar um limite máximo de contingenciamento; (ii) manter a MP da reoneração em vigência para conseguir relatórios bimestrais menores e empurrar o contingenciamento exigido por lei para depois das eleições e (iii) em estimular a transformação de créditos tributários em precatórios para que eles possam ser pagos fora da meta fiscal.

Nenhuma dessas questões ataca as dúvidas dos agentes econômicos. Mesmo a MP da reoneração, que revoga medida aprovada em 2024 que reduz a contribuição previdenciária de 17 setores econômicos e de pequenas cidades, se aprovada, o que politicamente é improvável, resolveria apenas 32 bilhões de reais do buraco (13% do total).

Se a economia tem dúvida, não adianta despejar um caminhão de dinheiro público porque a coisa não vai andar. O empresário da construção civil não vai comprar um equipamento a mais do que o necessário para entregar o que foi contratado pelo governo se não tiver confiança de que a maré boa vai continuar. O consumidor vai usar o desenrola para pagar conta e não para fazer outro crediário. O industrial vai transformar o subsídio em proteção, em vez de aumentar sua exposição ao risco.

Por isso o déficit é importante. Sem enfrentá-lo, a taxa de juros vai permanecer alta. Sem o fiscal, a percepção dos investimentos governamentais no longo prazo não se sustenta e tudo continuará sendo o eterno “da mão para a boca”. Tudo vai dependendo do governo, dos seus planos e pacotes, até que, uma hora, essa capacidade se esgota, seja porque o mercado não acredita mais na autoridade, seja porque uma crise internacional vai absorver todos os recursos para outros mercados.

Está na hora do PT reconhecer duas questões objetivas. A realidade econômica e fiscal não vai mudar apenas em função de vontade política e os empresários e agentes econômicos que buscam o governo querem condições de se protegerem do próprio governo, e não apoiar um projeto no qual eles simplesmente não acreditam, como as pesquisas de confiança indicam. A partir daí, é preciso reorientar a política a partir de bases mais realistas e pragmáticas, inclusive revisitando alguns pontos da cartilha liberal para devolver confiança a quem verdadeiramente faz roda da economia girar.
 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. O PT sabe nada de economia pois se baseia em preceitos que fracassaram em todo o século passado. Mas não vão mudar, vão dobrar a aposta e arrecadar sem parar, estuprando o cidadão para levar adiante sua matriz económica fadada ao fracasso

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