RuyGoiaba

Nas redes sociais, todo mundo é Muttley

07.06.19

Há um esquete clássico do Monty Python chamado “Four Yorkshiremen” — é fácil achar versão legendada em português no YouTube. Nele, quatro cavalheiros ingleses conversam, e um deles diz: “Quem imaginaria, há 30 anos, que hoje estaríamos aqui bebendo Château de Chasselas?” Os outros respondem: “Naquela época, eu ficava feliz de ter como pagar por uma xícara de chá.” “Uma xícara de chá frio.” “Sem leite nem açúcar.” “Nem chá.” “Numa xícara rachada.” “Nunca tive xícara! Nós usávamos uma folha de jornal enrolada.”

E assim vai, com os quatro gentlemen empenhados nesse torneio de quem, entre eles, havia sido o mais abjetamente miserável. Caso vocês não frequentem muito as redes sociais – no que fazem muito bem –, informo que o Twitter hoje é basicamente isso (Facebook continua sendo mais textão, Instagram é “curtindo a vida adoidado”). Toda hora a gente vê tuiteiros fazendo algum campeonato de doença ou da desgraça familiar mais comovente. Ou — o que vale para as três redes sociais — mandando bala na evasão de privacidade e contando coisas que Nelson Rodrigues não diria nem ao médium depois de morto.

Tudo isso em troca de quê? Da validação e/ou do aplauso de amigos, conhecidos ou completos estranhos, que se traduz em coraçõezinhos no Twitter e likes no Facebook. Não se passa um segundo nas redes sem que apareça alguém fazendo o que sua avó chamava de “pedir confete” e os jovens chamam de “pedir biscoito”. Como sou velho, minha referência é Muttley, o cachorro de Dick Vigarista que vivia pedindo “medalha, medalha, medalha” nos desenhos. Todo mundo quer medalha — e, como quase nenhum tuiteiro tem papai presidente que dá medalhas reais, a turma vai lá mendigar likes nas redes.

O grande assunto da semana — a acusação de estupro contra Neymar — foi perfeito para observar essa dinâmica. É uma acusação grave, que requer investigação correta e minuciosa: tudo que o Supremo Tribunal do Twitter, excelente para promover linchamentos virtuais, não faz. Em vez de seguir o exemplo de Glória Pires no Oscar e calar um pouco a boca, o tuiteiro-padrão toma partido (“a acusadora é vítima” X “a acusadora é golpista”) e leva em conta só as informações que corroborem o que ele já pensa. Sobretudo, sobe no caixotinho virtual para deixar claro que está DO LADO CERTO da história.

Dá até saudade do tempo em que, para julgar os vivos e os mortos, era preciso ser crucificado, morto e sepultado, descer à mansão dos mortos, ressuscitar, subir aos céus, sentar à direita de Deus Pai Todo-Poderoso etc.; trabalho considerável. Hoje, um smartphone com conexão à internet é suficiente.

Talvez o Brasil não ganhe a Copa América. Mas, no dia em que fizerem uma Olimpíada da Sinalização de Virtude, não tem pra ninguém: topo do pódio é nóis.

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A GOIABICE DA SEMANA

O Troféu Goiaba foi disputado cabeça a cabeça por dois ministros. Abraham Weintraub, sempre bem colocado, prosseguiu com seu Show de Calouros, desta vez tocando Luiz Gonzaga na gaita (que falta faz uma Aracy de Almeida, com seu sotaque do subúrbio carioca, para dizer que o minissshtro atravessa e desafina). Mas a campeã da semana é Damares Alves e sua luta sem tréguas contra o MAU INZEMPLO dos desenhos animados dos anos 50 — Popeye e Pica-Pau, aquele personagem malcriado de nome duplamente sugestivo.

Damares, que já alertou para os “hotéis-fazenda em que os hóspedes transam com os animais”, é a Dona Bela de Bolsonaro. Só. Pensa. Naquilo.

Alessandro Dantas/PT“Ministra, o que a sra. acha do desenho do Pica-Pau?” “Aaaai, seu indecente!”

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