Estamos todos superados
Os livros de economia estão superados, diz Lula. É preciso mudar nossa cabeça. Descartar palavras como “gasto” e “despesa“, tão negativas: agora é tudo investimento, dinheiro para o pobre se converter em cidadão de classe média. Essa é a razão de ser do novo governo, de acordo com o velho presidente.
Estava quase vendo a hora de Lula dizer, como dizia sua indicada para a presidência do banco do Brics, que gasto público é vida. Mas não, ele jamais diria isso. Me corrijo: estava vendo a hora de Lula dizer que investimento público é vida.
Mas o tema deste texto não é econômico. Meu interesse é esta única frase: “os livros de economia estão superados”.
Talvez a intenção de Lula fosse dizer que a economia liberal ortodoxa está superada, o que já seria bastante ousado, para não dizer temerário. Mas ele optou por uma afirmação megalômana, que faz tábula rasa de tudo o que veio desde de Adam Smith. Lula incluiu na prateleira das antigualhas até a obra de economistas que em tese estariam no seu campo político. O preço da desigualdade, do Nobel Joseph Stiglitz, que recentemente participou de um sarau econômico promovido por Aloízio Mercadante no BNDES, está mais ultrapassado que o Blackberry. O Capital do Século XXI, de Thomas Piketty, um raro best-seller da área econômica, tornou-se tão obsoleto quanto a internet discada. Lula, o insuperável, suplantou a todos.
E aqueles 44% de brasileiros que temem o comunismo, segundo a pesquisa do Ipec, podem se tranquilizar: a teoria da mais-valia de Marx está mais velha que videocassete betamax.
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Andava à toa em Londres, em um um momento livre durante uma viagem a trabalho, quando decidi visitar o Victoria & Albert Museum, esse belo repositório de objetos superados. Naquele ano de 2014, estava em cartaz a exposição temporária Desobedient objetcs, reunindo cartazes, roupas, veículos e tralhas variadas relacionados a protestos históricos, da luta contra o Apartheid à Primavera Árabe. O espírito do Occupy Wall Street vagava pelo museu da rainha que deu nome à era de ouro do imperialismo britânico. No alto, atravessando toda a sala de exposição, uma faixa trazia uma frase: CAPITALISM IS CRISIS.
Correto: capitalismo é crise. Tudo o que é sólido desmancha no ar, já dizia o Manifesto Comunista, em sua ode à inquietude burguesa que produziu “a revolução contínua da produção, o abalo ininterrupto de todo o sistema social, a insegurança e a movimentação eternas”. As revoluções proletárias não chegaram lá aonde o manifesto previra, e assim a mudança e a insegurança se tornaram nosso modo de vida. É o velho normal.
O que me traz de volta à ideia de superação, que o presidente aventou de forma tão casual. Quantos de nós seremos superados nos próximos anos ou décadas?
Imodestamente, acredito que o ChatGPT ainda levará um bom tempo para conseguir emular as digressões livre-associativas do meu texto. Mas não somos ultrapassados apenas pela tecnologia. Certas atividades outrora celebradas podem perder sua relevância.
A maior parte da minha vida produtiva foi dedicada ao jornalismo cultural, e em particular aos livros. Perdi a conta das resenhas que escrevi. Sigo me exercitando nesse gênero. Mas às vezes me surpreendo que ainda haja público para isso.
É bem provável que eu já esteja superado. Só não contem isso para meus editores.
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Estou assistindo só agora à The New Pope, série de 2020 criada e dirigida por Paolo Sorrentino. O americano John Malkovich faz João Paulo III, um papa inglês, dando sequência à história de The Young Pope, série na qual o inglês Jude Law interpretava Pio XIII, um papa americano.
No quinto episódio, Sharon Stone, no papel dela mesma, é recebida em audiência pelo papa, que é seu fã. A atriz pede, entre outras coisas, que a Igreja Católica reconheça o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. João Paulo III diz que a Bíblia não permite isso. Sharon Stone sugere que a Bíblia seja atualizada. Não, diz o papa, a Bíblia não é um iPhone para que se possa fazer nela um update.
Religião. Arte. Precisamos dessas coisas que nos dão a ilusão da permanência. Mas também elas entram em crise.
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Os livros de economia estão superados, diz Lula.
A declaração foi feita no relançamento do Mais Médicos, parte dessa turnê nostálgica que é o terceiro governo de Lula. Projetos, slogans e marcas do passado petista seguem vivos e atuais, enquanto todas as teorias e modelos econômicos caducaram.
Há um sub-reptício apelo populista na frase: homem do povo, o presidente sabe do que o brasileiro pobre precisa, entende seus anseios, e assim pode dispensar o conhecimento dos economistas, gente elitista e esnobe.
O desprezo pelo conhecimento, a retórica que se passa por espontânea mas é sobretudo irresponsável, o populismo: diziam que havíamos superado essas coisas.
Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor
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É uma triste constatação. O PT sempre achou que é invador, mas suas ideias são retrógradas e cruéis com os pobres.
Grande Jerônimo, em humildade e coragem. Falando do que já caducou ou se tornou obsoleto, e contrapondo a fantasia da modernidade populista.
A humanidade não melhora com o tempo. Cada geração nasce com a mesma natureza e sem saber nada, pode adotar erros já considerados superados.
Lula quer nos convencer de que o certo está de volta. Quando leio um texto como este, e todos desta revista, fico aliviada por saber que ainda há pessoas que, por enquanto, ainda não são consideradas superadas. Então, sem culpa, me pergunto: por que não consigo ouvir o que lula fala?
Que credibilidade tem alguém que nunca leu um livro de economia quando diz que esses estão superados? Zero Populismo barato da rejeição do modelo econômico "da elite" e revolucionarismo de meia tigela querendo arrasar o velho para fazer brotar algo novo. Desprezível
O Descondenado é semi alfabetizado e indigente intelectual, num ataque de jumentite crônica que acomete disse essas joia sobre a superação dos livros de Economia.
Lula não deve nem ter lido gibi na sua história, e na sua casa nem deve ter prateleiras, senão para colocar enfeite.
Basta comparar com os países que seguem a cartilha econômica lulopetista.
A mentira adredemente preparada dita mil vezes vira "verdade" mas não numa comunidade superpopulosa com liberdade de expressão incontrolável pelo poder opressor e a verdade chega ao povo ou às vítimas rapidamente bem informados apesar das muitas tentativas de desinformação feitas por quem demais conhecemos ... assim não por acaso os $240bi de deficit viraram $160 e já se fala em $104 por simples não poderão roubar pois a Lava Jato lhes fechou as portas .. eis o motivo de tanto ódio.
.. o símbolo deste desgoverno seria a PICAnha mas até o momento rudo que o ignaro canelau recebeu foi o Falo de Príapo que imperadores romanos enfiam na plebe rude e ignara ..., como a história se repete na tragédia.
O Brasil é um museu de grandes novidades, já cantava Cazuza.
Ultrapassado está ele e sua trupe!