Agência SenadoMoro no Senado: plano para sequestrá-lo envolvia gastos de 564 mil reais

Na mira do PCC

Tentativa do PCC de assassinar Sergio Moro, familiares e outras autoridades é frustrada e fortalece o senador em disputa com Lula
23.03.23

Ex-juiz da maior operação contra a corrupção na história do Brasil, Sergio Moro despertou o ódio de vários políticos e empresários envolvidos em desvios milionários. Mas não é só isso. Por ter atuado como ministro de Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, ele também atraiu a raiva da maior organização criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital, PCC. Com dinheiro de sobra, métodos empresariais e presença em todo o Brasil, a facção colocou em andamento um plano para sequestrar Sergio Moro, seus familiares e autoridades. Na quarta (22), a Polícia Federal conseguiu desbaratar a ação, que se fosse adiante só teria paralelos com o período sangrento da guerrilha na Colômbia ou com os anos de combate à máfia na Itália.

Batizada de Operação Sequaz, a investigação da Polícia Federal durou 45 dias e prendeu nove integrantes do PCC. A ordem para que fosse iniciada foi dada pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Entre os alvos dos criminosos também estavam o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o grupo criminoso há vinte anos, agentes penitenciários e policiais de Mato Grosso e Rondônia. O motivo do planejamento do PCC é que os líderes da organização, como Marco Williams Herbas Camacho, o Marcola, estavam furiosos por terem sido transferidos para presídios federais. Em 2019, ele e outros 21 integrantes do PCC foram levados, a pedido de Gakyia e durante o tempo em que Moro foi ministro, para uma prisão de segurança máxima, onde não tinham privilégios e a chance de resgate era nula.

É disso que se trata. Enquanto era ministro, uma das primeiras medidas adotadas por Moro no início do governo Jair Bolsonaro, em 2019, foi isolar os líderes da facção criminosa em presídios de segurança máxima. Quando você deixa essas pessoas perigosas sem contato com o mundo externo, isso acaba dificultando o trabalho deles. A gente está falando de retaliação“, disse Rosângela Moro em conversa no Papo Antagonista. Ela, o senador e os dois filhos estavam sendo seguidos pelo setor de operações especiais do PCC, o Sintonia Restrita.

Os documentos obtidos por Crusoé, após a juíza Gabriela Hardt levantar o sigilo sobre o inquérito, mostram que membros do alto escalão do PCC com outros criminosos mapearam a rotina e endereços do ex-juiz da Lava Jato. O inquérito revela que a facção teve acesso a informações pessoais de Moro e de sua família e que planejava alguma ação contra o senador no segundo turno das eleições do ano passado. Um levantamento indica rotas de acesso, câmeras de segurança, e entrada e saída do Clube Duque de Caxias, local de votação do parlamentar em Curitiba.

Em busca realizada na internet, verificou-se que o Clube Duque de Caxias realmente foi o local de votação do senador Sergio Moro, restando claro que foi cogitado uma ação contra ele no segundo turno da eleição presidencial de 2022”, relata trecho da investigação.

Há indícios de envolvimento da alta cúpula do PCC na operação. Patrick Uelinton Salomão, conhecido como “Forjado”, membro do topo da hierarquia do PCC, e Valter Lima Nascimento, o “Guinho” seriam os líderes do esquema. Guinho é considerado o braço-direito de “Fuminho”, um dos mais graduados dentro da organização, e responsável por um plano para libertar Marcola em 2014. Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan também aparece em uma videochamada entre os criminosos, mas não consta da lista de presos pela PF. Conhecido como “El Sid”, ele também integraria a cúpula da facção criminosa e teria histórico de homicídios após sua saída da prisão.

Um print anexado aos documentos do Judiciário mostra que o PCC mantinha anotações do controle de gastos, indicando a destinação de valores para a execução do sequestro. A imagem mostra um diálogo entre os investigados Aline Maria Paixão e Janeferson Aparecido Mariano Gomes, o Nefo, no qual o homem pede que Aline faça um print e guarde, “pois são importantes”. Em linguagem cifrada, criada para dificultar a identificação da ação criminosa, os membros da facção se referem a Moro como “Tokio” e “Flamengo”, para sequestro.

A reprodução de tela mostra que Nefo pediu para Aline guardar o controle de gastos que indicava a destinação do dinheiro para a execução do plano: R$ 110 mil para a compra de um fuzil, R$ 50 mil para o sequestro, R$ 35 mil para aluguel de carro para a ação, R$ 100 mil para alugueis e R$ 35 mil para motorista. Os gastos envolvem ainda outros valores com códigos cifrados, que totalizam os R$ 564 mil.

À medida que brasileiros tomavam conhecimento — estupefatos — do plano do PCC, políticos antipáticos a Moro foram para as redes sociais e procuraram jornalistas não para prestar solidariedade ao senador que quase foi sequestrado com membros de sua família, e sim para insinuar que ele estaria por trás do plano da organização criminosa. O presidente Lula foi o destaque entre eles. “Eu não vou falar porque eu acho que é mais uma armação do Moro. Mas eu quero ser cauteloso e vou descobrir que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”, disse o presidente nesta quinta (23), durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro.

Os comentários de Lula levaram algumas pessoas a sugerir que ele não estaria em seu juízo perfeito. “Todas as evidências indicam que não temos na chefia do Estado e do governo brasileiros alguém à altura da tarefa. Seja porque jamais vai ser capaz de pacificar e unir o país – dado que, afogado em ressentimentos, insiste em insuflar a revanche, apostando na vingança e num acerto de contas final com um inimigo (real ou imaginário) –, seja porque não conseguiu se desvencilhar da vibe da Guerra Fria (tomando os EUA como o grande satã), seja porque, é forçoso desconfiar, parece não estar batendo muito bem da bola“, escreve Augusto de Franco nesta edição da Crusoé.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também seguiram nesta toada. “O senador Moro tinha conhecimento das investigações da Polícia Federal. Tentar politizar esse tema é mau-caratismo”, disse Randolfe em seu Twitter. “Juiz parcial, que não se importou com o ódio que alimentou com a Lava Jato, tem aula de civilidade e democracia do governo Lula”, arrematou Gleisi, também pelas redes sociais.

Dois dias antes, Lula ainda tinha deixado evidente seu ressentimento para com Moro, durante uma entrevista para a TV Brasil 247. Na presença de jornalistas amigos em uma conversa ao vivo, ele soltou a língua. “De vez em quando, ia um procurador (na prisão) para visitar e ver se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores lá e perguntavam: ‘Tudo bem?’. Eu falava: ‘Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro”, disse Lula, arrancando risadas dos entrevistadores.

Vale observar que todas as sentenças de Moro foram validadas por juízes na segunda e terceira instâncias. “Moro foi o primeiro juiz a condenar Sua Excelência, mas não foi o único. Uma simples leitura do noticiário bastará para comprovar esta afirmação“, escreve José Nêumanne Pinto nesta edição da Crusoé. Se o petista tem tanta fixação pelo atual senador é porque, além de vê-lo como o ex-algoz, também o enxerga hoje como um rival político.

E foi no plano da política em que as declarações de Lula mais tiveram impacto. Até a semana passada, o ex-juiz mantinha uma atuação relativamente discreta no Senado. Como mostramos há duas semanas em uma reportagem de capa, o ex-ministro atuava basicamente nos bastidores. Ele ainda estava tateando em sua nova função pública, embora conte com o apoio de lideranças importantes como Efrain Filho (PB), do União Brasil.

Contas do PCC: 564 mil reais para o sequestro
A tentativa do PCC de sequestrá-lo e as declarações infelizes do presidente apenas revigoraram a atuação política do ex-ministro, catapultando suas duas principais bandeiras: o combate à criminalidade e à corrupção. Líderes partidários ouvidos por Crusoé, tanto da Câmara quanto do Senado, admitiram que Moro saiu mais forte deste episódio e que ele agora tem a chance de ser o principal nome da oposição a Lula. Isso dependerá, porém, da forma como ele irá explorar politicamente o antagonismo com o atual presidente da República.

Os parlamentares já têm ciência desse movimento e pretendem surfar essa onda ao lado do ex-magistrado. O ex-presidente da CCJ na Câmara Felipe Francischini (União-PR) apresentou um requerimento solicitando que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acompanhe as ameaças à integridade física do ex-juiz. Na prática, esse tipo de acompanhamento fará com que esse assunto ganhe um destaque ainda maior.

Além disso, a Comissão de Segurança da Câmara – composta basicamente por bolsonaristas — vai apresentar, na semana que vem, um pedido de investigação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para saber se Lula ou seus aliados petistas teriam algum tipo de ligação com o grupo que articulou o assassinato de Moro. Apesar desse vínculo, neste instante, ser uma ilação, a base bolsonarista tem ciência que pode desgastar o presidente da República e associá-lo a grupos como o próprio PCC. Um componente explosivo que será explorado pela oposição nas próximas eleições gerais.

É preciso entender todas as relações dos petistas com grupos criminosos. Não é normal um presidente da República dizer que pretende ‘f.’ com um senador e isso ficar impune. Vamos apurar isso a fundo”, declarou o deputado Ubiratan Sanderson, presidente da Comissão de Segurança da Câmara.

Moro já é um grande líder. E é natural que ele tenha evidência em virtude de tudo que ele fez como juiz, como outros como Marcelo Bretas. Dentro da oposição temos vários outros nomes dentro desse grupo [de enfrentamento ao PT], como Rogério Marinho, líder da oposição no Senado, mas é óbvio que o nome de Moro ganha peso nesse processo”, disse o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), vice-líder do bloco parlamentar vanguarda, que reúne partidos como o PL e Novo no Senado.

Mas as repercussões políticas, quaisquer que sejam elas, são secundárias diante das evidências da ação do PCC. A questão fulcral é que nenhum brasileiro pode tolerar que uma organização criminosa esteja a ponto de sequestrar um representante do povo, familiares, promotores ou agentes penitenciários. Foi por muito pouco que uma tragédia não aconteceu — e naturalmente é prematuro achar que esse risco foi totalmente eliminado. Que um presidente faça troça dessa situação mostra o grau de imaturidade e até de falta de lucidez de um político que, em vez de assumir o papel que lhe cabe, inventa conspirações apenas para atacar um adversário — que com isso só ficou mais forte.

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