IRNASegundo os EUA, Soleimani é o responsável por centenas de mortes de americanos e planejava novos ataques

O general do fim do mundo

Quem era Qassem Soleimani, o chefe da Guarda Revolucionária do Irã, cuja morte em um ataque cirúrgico dos Estados Unidos no Iraque deflagrou o temor de uma nova guerra e outra onda de terror
03.01.20

No Oriente Médio, o Irã é o grande criador de encrencas. Mesmo com a economia em crise, a teocracia xiita não deixa de investir os recursos obtidos com o petróleo em uma dúzia de grupos paramilitares e terroristas na Líbia, no Iraque, na Síria, no Iêmen e no Líbano. Mais do que incendiar a região, esses bandos já planejaram e executaram ações e atentados em países tão diversos como a Argentina, os Estados Unidos, a Índia e a Alemanha. A eliminação do general Qassem Soleimani na noite desta quinta-feira, 2, não é apenas a eliminação de um rival ideológico. O que o presidente americano, Donald Trump, ordenou foi cortar a cabeça que comandava toda essa estrutura perversa e letal ao redor do planeta.

Na madrugada da sexta-feira, 3, no horário do Iraque, Soleimani, de 62 anos, desembarcou no aeroporto de Bagdá. Estava vindo de uma viagem à Síria ou ao Líbano. Quem foi recebê-lo foi um dos chefes das Forças de Mobilização Popular do Iraque, Abu Mahdi Mahundis, que também é seu amigo pessoal. Quando eles entraram em dois carros, um drone americano MQ-9 Reaper lançou mísseis contra os veículos. Estava deflagrada, assim, uma crise sem precedentes na relação entre Washington e Teerã nas últimas décadas. A tensão no Oriente Médio, que já estava sensivelmente elevada nos últimos dias, aumentou ainda mais com a expectativa de uma reação do Irã, o que pode deflagrar uma nova guerra e criar nova onda de terror em grande escala no Ocidente.

A circunstância do momento do ataque revela muito sobre o papel que Soleimani desempenhava. Comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária do Irã, ele viajava o tempo todo para outros países do Oriente Médio, a fim de construir redes de apoio e concretizar a influência do Irã. Na prática, o general era o segundo homem mais importante na estrutura de poder iraniana, atrás apenas do líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Desde a Revolução Islâmica, em 1979, o Irã tem buscado a liderança entre os países muçulmanos do Oriente Médio. Aproveitando-se da fragilidade da nação que acabava de sair de uma revolução, o Iraque iniciou, em 1980, um guerra com os iranianos. O conflito geraria consequências que moldariam o modo de ação de Teerã.

Iranianos queimam imagem de Donald Trump após morte de Soleimani
Cercado por países apoiados pelos Estados Unidos, os aiatolás que governam o Irã passaram a adotar a estratégia de expandir tentáculos em outras nações, não apenas para ganhar relevância, mas para evitar ataques ao seu território e resistir melhor em caso de uma nova guerra, alimentando a cizânia nos adversários. O conflito com o Iraque, que durou oito anos, também foi fundamental para que o Irã, mais tarde, buscasse fabricar bombas nucleares. O arsenal atômico é visto como uma forma de dissuadir os rivais regionais e os Estados Unidos.

Soleimani começou a se destacar na hierarquia militar justamente na Guerra Irã-Iraque. Ele se mostrou hábil em missões de reconhecimento no país vizinho. Após a invasão americana do Iraque, em 2003, ele treinou e armou as milícias xiitas que transformaram o território iraquiano em um atoleiro para as tropas americanas. A queda de Saddam Hussein também abriu oportunidades aos iranianos. Hussein era um muçulmano sunita que reprimia a população de maioria xiita no Iraque. Sem o ditador, o Irã ganhou influência no país, junto a primeiros-ministros, parlamentares e, obviamente, grupos paramilitares.

Muito do apoio que o grupo terrorista Estado Islâmico teve ao se expandir pelo Iraque se deve a uma insatisfação das tribos sunitas com essa influência iraniana e xiita no governo nacional. Da mesma forma, a derrota do Estado Islâmico só aconteceu porque o Irã apoiou as Forças de Mobilização Popular. A maior parte dos grupos armados que lutou contra o Estado Islâmico era financiada pelo Irã. Soleimani foi o principal artífice dessa retomada de território. Com o fim do grupo, as Forças de Mobilização Popular foram incorporadas às Forças Armadas do Iraque.

Além de atuar ativamente no Iraque, Soleimani teve papel fundamental na expansão da influência iraniana pela região. Tornou-se o chefe da Força Quds da Guarda Revolucionária do Irã em 1997. Essa força especial foi criada com o objetivo de executar as missões iranianas em outros países. Foi ele quem armou o clã dos houthis no Iêmen com fuzis e foguetes. Soleimani também foi o responsável por financiar, treinar e armar o Hezbollah, no Líbano. Na Guerra da Síria, os soldados do Hezbollah foram essenciais para que o ditador Bashar Assad recuperasse território e se mantivesse no poder.

IRNAIRNASoleimani (o segundo da esq. para a dir.) com Ali Khamenei: relação direta
Na Faixa de Gaza, Soleimani apoiou a Jihad Islâmica e o Hamas. Apesar desse último grupo ser sunita, o Irã sempre esteve muito ligado a sua ala militar, criando conflitos constantes com a ala política, mais próxima da Arábia Saudita. Dessa forma, os iranianos conseguiram evitar a realização de acordos com a Autoridade Palestina, na Cisjordânia, e com Israel.

Nas últimas semanas, Soleimani articulou os protestos que terminaram com a invasão da Embaixada dos Estados Unidos em Bagdá. Os manifestantes picharam o prédio, queimaram a recepção e lançaram pedras contra o complexo. O episódio foi um dos principais motivos que deflagraram o ataque cirúrgico americano ao aeroporto. Mas, segundo o Pentágono, a eliminação do general iraniano também teve um caráter preventivo: Soleimani “preparava ativamente planos para atacar diplomatas e militares americanos no Iraque e na região.”

O líder supremo do Irã, o aiatolá Khamenei, sempre teve no general um súdito fiel. Como autoridade máxima, Khamenei é quem dá as ordens. Soleimani era quem as executava, usando para isso os recursos do petróleo que são direcionados para a Guarda Revolucionária do Irã. A relação entre os dois sempre foi direta, sem intermediários.

Soleimani era até mais poderoso que o presidente o Irã, Hassan Rouhani, cujo poder tem declinado bastante recentemente. Com a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear entre as grandes potências e o Irã, em 2018, Rouhani passou a ser criticado por alimentar falsas esperanças sobre a diminuição da sanções americanas. Enquanto o prestígio do presidente, que cuida mais das questões internas como a economia, foi se dissipando, Soleimani nunca parou de ganhar confiança.

Segundo o Departamento de Defesa dos EUA, Soleimani é o responsável por centenas de mortes de americanos e feriu milhares de soldados. Com ele, o Irã ficou ainda mais beligerante e perigoso. Agora, são os bandos tenebrosos que ele treinou e armou que vingarão sua morte.

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