Privatizar ou não privatizar, eis a questão
Uma greve no metrô da capital Paulista foi a fagulha necessária para colocar em pauta o debate sobre privatizações. De um lado, grevistas e parte do eleitorado à esquerda, contrários à privatização. Do outro, Tarcísio, o governador do Estado, e o eleitorado mais à direita.
O debate atual não foge à regra. A discussão sobre privatizações sempre foi mais ideológica do que técnica.
A ironia reside no fato de que boa parte das estatais brasileiras são oriundas de governos de direita. A ditadura militar criou mais de 300 estatais. Mas isto pouco vem ao caso no contexto atual.
No mundo, privatizar não é de esquerda ou de direita, como lembra o Partido dos Trabalhadores da Nova Zelândia, o primeiro a implementar a chamada “New Public Management”, ou “Nova Gestão Pública”.
A onda de privatizações que varreu o mundo nos anos 80 e 90, iniciou-se portanto em governos de esquerda. No Brasil, ela ganhou vez com um governo dito liberal (Collor), e outro social-democrata (FHC).
Um dos pontos centrais dos trabalhistas neozelandeses, os pais do que se convencionou chamar de “neoliberalismo”, está na resposta à pergunta: quais os incentivos corretos para entregar um melhor serviço público?
Não há, nem de longe, uma discussão rasa entre público versus privado.
Imagine por exemplo que de início, o governo do país não privatizou suas estatais, mas fez com que competissem entre si ou com o setor privado.
A competição é um fator fundamental no capitalismo. Ela obriga as empresas a se adaptarem para prestar o melhor serviço e entregar o melhor produto.
É uma espécie de “seleção natural”, que contrasta com uma visão existente no Brasil de hoje.
Por aqui, a “falência”, é tratada como algo que deve ser evitado a todo custo.
O problema desta visão é que ela faz com que empresas ineficientes continuem a operar no mercado, tornando todos mais pobres.
Em países desenvolvidos, empresas quebram e, de preferência, rápido. Só assim podem repassar suas máquinas e equipamentos, além de trabalhadores, para outras empresas e funções, que por sua vez tentarão ser mais eficientes, contribuindo para o enriquecimento da sociedade.
Mas de volta à pauta sobre privatizações, a concorrência não é o único fator a determinar o sucesso ou o fracasso de uma empresa em entregar um serviço eficaz aos seus consumidores.
Outra descoberta dos neozelandeses está no fato de que a segurança jurídica é um fator fundamental para o funcionamento de boas empresas, sejam elas públicas ou privadas.
O PT neozelandês, portanto, deu início à criação de agências reguladoras. O Estado sai do papel de agente prestador de serviço e passa a ser o agente que estabelece e faz cumprir as regras.
Um exemplo claro sobre como as regras importam foi visto no Marco do Saneamento.
Em momento algum o Marco obriga a privatização dos serviços de água e esgoto. O que o Marco estabelece, porém, é que os governos deverão licitar os serviços, abertos à concorrência. Em seguida, o prestador que vencer a licitação terá um prazo estabelecido em contrato para entregar metas. É o oposto do que existia antes.
Até a aprovação do Marco, empresas estatais operavam sistemas de saneamento sem passar por concorrência e sem se comprometer a entregar resultados.
Na prática, metade do país ficou sem esgoto e ninguém foi punido por essa ineficiência.
Mas em Estados como São Paulo e Paraná, onde as estatais buscaram novas formas de gestão, fazendo abertura de capital, por exemplo, o resultado era positivo, mesmo antes do Marco. Em suma, mesmo sendo estatal, o serviço era melhor do que a média das demais estatais, mostrando que o “como fazer”, importa mais do que “quem faz”.
Não importa ao cidadão saber se quem irá recolher os dejetos do seu vaso sanitário é uma companhia cujo capital social está nas mãos de governos ou de fundos de pensão do Canadá. Importa é saber que seu filho não terá risco de morrer de diarréia, ou outras doenças agravadas pela ausência de saneamento básico.
E quanto maior o rigor no cumprimento de metas, menor o risco de o serviço não ser o adequado.
Não surpreende que o setor privado portanto tenha uma enorme vantagem. No setor privado, uma companhia que preste serviços ruins, será punida pelo consumidor ao perder o cliente. Já o diretor dessa empresa poderá ser punido pelos acionistas.
No setor público, um diretor que não entrega resultados pode ser premiado, afinal, o serviço é ruim não pela gestão, mas porque “faltam recursos”.
Claro que tudo isso é chover no molhado, mas é preciso que se tenha em mente não uma discussão entre “bem e mal”, e sim sobre os modelos de gestão que queremos.
Queremos serviços melhores, e isso por sua vez demanda incentivos melhores, independente se a gestão será pública ou privada.
Na maior parte do mundo, serviços de metrô são geridos pelo Estado, por uma razão bastante simples: externalidades.
Metrôs são caros. Requerem muita tecnologia de engenharia e elevados custos de desapropriação. Dificilmente são rentáveis por si.
Mas existe uma parte do ganho gerados por metrôs que não é capturada pelo metrô em si.
Em 2017, a CPTM estimou em R$ 9,5 bilhões o ganho em “externalidades”. São horas a menos de pessoas presas no trânsito, acidentes que deixaram de ocorrer, menor poluição e assim por diante.
Estes valores não serão capturados pelo operador público ou privado, mas sim por toda sociedade.
Em resumo, eles mostram que o Estado é uma tecnologia que pode ser útil em determinados aspectos.
Isto, porém, não exclui da discussão a concessão dos trajetos.
Cabe nos perguntarmos: é do interesse do consumidor que o auxiliar de serviços gerais, o maquinista ou outros profissionais envolvidos na prestação de serviço do metrô sejam concursados de uma empresa pública?
É difícil acreditar que isso torne o serviço melhor. Mas é essencial cobrarmos que o Estado faça sua parte no estabelecimento de regras e na cobrança de resultados de quem quer que seja o operador, se uma estatal ou uma empresa privada.
Felippe Hermes é jornalista
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E isso mesmo, a discurso que a estatal e ruim e o privado e bom. Bom tem que ser o serviço público ou privado.
Muito bom artigo.
Excelente artigo, mas não ficou claro a diferenciação entre a construção e operação do metrô. A construção realmente envolve recursos bilionários, mas não está na discussão da privatização. O que está sendo discutida é a privatização ou não da operação.
Boa Felippe, escreva toda semana.
Ótima análise Felippe.