O ministro do STF Luis Roberto BarrosoBarroso: tirando os outros poderes para dançar - Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A nova arma do STF

Corte importa da Colômbia teoria que lhe permite ordenar ao Executivo que elabore em seis meses uma política nacional para os presídios
05.10.23

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) inaugurou a gestão de Luís Roberto Barroso mostrando que a disputa entre os poderes brasileiros se manterá acesa nos próximos anos. Ao acolher de maneira unânime a tese do  “estado de coisas inconstitucional” no ordenamento jurídico, para descrever a situação dos presídios brasileiros, o STF não apenas apontou que existe uma falha sistêmica do poder público ao lidar com os encarcerados, como também encontrou um novo instrumento para cobrar ações do Executivo e do Legislativo. Em um momento de escaramuças entre os Três Poderes, o primeiro acórdão da era Barroso amplia ainda mais o arsenal dos 11 ministros para “concretizar direitos” por meio do ativismo jurídico.

O tema escolhido por Barroso para dar a largada em seu mandato como presidente do STF não é controverso. É sabido que as prisões brasileiras, superlotadas e de má-qualidade, são de fato um local onde ocorrem violações seguidas a direitos humanos, praticamente impedindo a ressocialização dos detentos. Sem qualquer acesso a equipamentos de higiene pessoal, dividindo celas com mais de 20 pessoas e sujeitos à cooptação ou à violência das facções criminosas, os internos do sistema prisional padecem com falhas sistêmicas do Estado brasileiro. O entendimento do STF, nesse caso, é que cabe a ele tirar os outros poderes para dançar.

É o Executivo quem terá de arregaçar as mangas primeiro: em seis meses, o Ministério da Justiça terá de apresentar um plano nacional para controle “da superpopulação carcerária e da entrada de detentos no sistema prisional”. Os conceitos devem ser interpretados com cuidado, pois costumam ser distorcidos. É fato que os presídios têm mais gente do que sua capacidade permitiria. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, há pouco mais de 596 mil vagas no sistema prisional, para uma população carcerária de quase 827 mil detentos. Ou seja, há um déficit de cerca de 230 mil vagas  o que é sinônimo de superpopulação. A partir daí é possível tirar duas conclusões opostas. A primeira é que o Brasil prende demais e de maneira errada. A segunda, que Crusoé defende (veja a reportagem nesta edição), é que embora seja necessário tornar mais eficientes mecanismos de triagem, como as audiências de custódia com detentos provisórios, a criminalidade violenta, que requer o encarceramento, é um fenômeno real, que demanda mais e melhores prisões. Seja como for, a proposta do governo federal deverá ser apresentada em seis meses, discutida com a sociedade, executada com apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e monitoramento do STF. Em até três anos o plano tem de estar em ação, decretaram os ministros do Supremo. Além disso, até o fim de 2024, os estados e o Distrito Federal devem apresentar seus próprios planejamentos, com base no que a pasta de Flávio Dino sugerir.

Invasão de atribuições

O conceito de “estado de coisas inconstitucional” estreou no direito brasileiro justamente nessa ação apresentada pelo Psol em 2015. O STF, que com frequência vai buscar inspiração nas supremas cortes dos Estados Unidos e da Alemanha, desta vez pegou carona na jurisprudência da Corte Constitucional da Colômbia, considerada vanguardista em temas relacionados aos direitos fundamentais.

Em 1997, ao dar a sentença SU-559, a corte colombiana entendeu que a distribuição de recursos para a educação entre diferentes departamentos (equivalente aos nossos estados) deveria atender às necessidades de cada um deles e que, naquele momento, a repartição do bolo da educação configurava “um determinado estado de coisas que contrariava os preceitos constitucionais”. Uma decisão semelhante à brasileira, reconhecendo violações nas prisões, veio em 1998. Em 2004, no caso com maior repercussão até hoje, os juízes colombianos afirmaram que 5 milhões de pessoas, ou mais de 10% de toda a população do país, haviam sido deslocadas de suas residências devido à ação de guerrilhas e milícias e sofriam com um “estado de coisas inconstitucional”.

A suposição de que o instrumento do estado de coisas inconstitucional pode ampliar os poderes do Supremo é discussão que se arrasta desde 2015, mas ganhou fôlego entre juristas e acadêmicos com a aprovação unânime da ADPF 347 nesta quarta-feira. Para alguns, trata-se de um caminho para que o Poder Judiciário viole as competências dos poderes Executivo e Legislativo, interferindo no timing das decisões políticas ou na utilização de verbas públicas. Assim como agora obriga o Executivo a formular uma política para os presídios, em 2015, como medida cautelar, o STF ordenou que o dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional, Funpen, fosse descontingenciado pelo governo, independentemente de outras considerações sobre a execução orçamentária.

Como contraponto, outra ala de pesquisadores e professores acredita que a utilização do conceito de estado de coisas inconstitucional representa uma busca de diálogo e cooperação do STF com os demais Poderes. Afinal de contas, o tribunal não teria formulado uma política, teria apenas exigido que o poder competente o faça sob sua supervisão. “Não se trata, a priori, de invasão de competência. A crise carcerária existe e não é nova. Em um país como o Brasil, que optou por ter na Constituição um regramento pormenorizado das garantias fundamentais e do modo de sua efetivação, o Poder Judiciário tem um papel preponderante na hora de estabelecer os meios necessários para a concretização desses direitos”, explica o professor Beclaute Oliveira Silveira, da  Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Segundo Silveira, o órgão mais capacitado para a função de zelar pelos sistema prisional é o Poder Executivo. Porém, se há falhas na execução das políticas públicas, é natural que se recorra ao Poder Judiciário, que também possui atribuições executivas, uma vez que é responsável pela administração da Justiça. A questão que surge seria mais relacionada à eficiência operacional do que à legitimidade. “Em nossa Constituição o Congresso Nacional não só legisla, também julga e executa em determinadas circunstâncias. A Presidência também atua nas esferas legislativas e também julga. Não é diferente com o Poder Judiciário”, diz ele.

Para o professor e doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antônio Sepúlveda, sob a perspectiva da tradicional separação de poderes há chance de agigantamento do STF e de desequilíbrios institucionais com a aprovação da ADPF 347.

De acordo com Sepúlveda, há, pelo menos, quatro principais críticas à aplicação da Teoria do Estado de Coisas Inconstitucional pelo Poder Judiciário: o aspecto antidemocrático, a capacidade institucional, a questão orçamentária e a possível usurpação de poder. Quanto ao primeiro ponto, o pesquisador argumenta que a intervenção do Judiciário nas atribuições do Executivo e do Legislativo poderia ser considerada antidemocrática, pois afetaria áreas consideradas de atuação legítima dos poderes democraticamente eleitos. “O Judiciário carece de legitimidade ou representatividade para essa atuação”, diz.

O segundo aspecto apontado pelo pesquisador seria a falta de conhecimento e expertise por parte do Poder Judiciário para intervir em questões técnicas. “As cortes são incapazes de prever adequadamente os efeitos sistêmicos decorrentes de suas decisões”, diz Sepúlveda.

E o jurista da UFRJ conclui sua crítica: “O Judiciário atua de modo imprudente ao adotar a teoria do estado de coisas inconstitucional, pois interfere no orçamento público sem poder definir com clareza o alcance e desdobramentos de suas decisões. Por fim, é possível dizer, sim, que o Supremo Tribunal Federal estaria usurpando uma parcela das atribuições dos demais poderes.” 

Como dizem os caipiras, “as abóboras se acomodam na carroça enquanto ela anda”. Na semana em que a Constituição de 1988 completa 35 anos, nota-se que a carroça dos Três Poderes chacoalha como nunca. Sabedoria para ajustar o passo e permitir que as abóboras se assentem também é produto escasso no Brasil.

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  1. Vai fazer o plano do lula 🦑 soltar a bandidagem que ajudou a eleição 🗳️ coitados dos policiais 👮‍♀️ prendeu o stf solta pode roubar

  2. Com barrilote roubar, matar, traficar, atirar na polícia 👮‍♀️ não tem aonde por a bandidagem, nem no stf tem espaço mais né Barroso 🤔. Isto é o plano do pt soltar quem financiou opa ajudou a se eleger.

  3. Em pouca palavras quem está preso vai ser solto, e quem matar,roubar, traficar, atirar na política não poder ser preso porque que não tem lugar, coitados, à população que está presa acorda Brasil, agora vem advogada de terrorista.

  4. A prática de "justiça criativa" é grande na suprema corte o que faltam são membros com notável saber jurídico e moral irretocável, sem esses requisitos o que se tem é um show de horrores.

  5. O Congresso foi deixando, deixando e agora chegamos ao ativismo judiciário extremo. Juízes escolhidos, não por notável saber jurídico, mas por ter laços de amizade íntima ou ideológica com o governante de plantão. Decisões monocráticas que não são contestadas porque o colegiado é corporativista. Então pra que 11 ministros se um toma uma decisão errada e os outros não contestam para não melindrar o colega? Sinceramente, esse país não vai dar certo, não vai terminar bem essa história.

  6. Faz sentido. Essa pode ser uma boa reação aos ataques que sofre o STF. E coloca também, o legislativo e o executivo no lugar deles, que é de fazer lei, planejar e fazer acontecer as coisas. Mas certamente essas serão cenas dos próximos capítulos. Veremos até que ponto o maldito compadrio de conveniências pessoais não vai colocar tudo abaixo. Mas a ideia é, na origem, benéfica ao país. Quando começar na saúde pública...

  7. O criminalidade aumenta nos dias de saidão. Os presos se treinam nos presídio. Muito difícil de serem reinseridos na sociedade

  8. O problema começa com uma constituição que versa sobre tudo, adensa-se com um legislativo que é incompetente para atuar em nada que não seja seu próprio interesse e finaliza com uma composição do supremo que é vaidosa e se considera iluminada. O caldo entorna e o país bate cabeça. Cabe ao povo apenas calar a boca e pagar os impostos que sustentam os corruptos,os incompetentes e os usurpadores

    1. Em três frases concisas, vc sintetizou com perfeição a nossa desdita.

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