O jogo de ganha-ganha de Arthur Lira
Com promessas de emendas e cargos, conforme revelou Crusoé em sua última edição, o presidente Jair Bolsonaro mergulhou nas negociatas para interferir nas eleições da Câmara e alçar à presidência da casa o ínclito Arthur Lira, parlamentar e líder do Centrão acusado de integrar uma organização criminosa que causou prejuízos de 29 bilhões de reais aos cofres da Petrobras, de acordo com o Ministério Público Federal. Para alcançar o objetivo, o toma lá, dá cá, reprovado com veemência por Bolsonaro durante a campanha, virou prática corrente. Em vez de abolir os acordos espúrios, como prometeu antes de ser eleito, o presidente da República, no entanto, passou a comandá-los – não para garantir a governabilidade ou a aprovação de pautas relevantes, mas para guindar ao comando da Câmara um réu por corrupção. Em troca, Bolsonaro espera garantir a sua própria sobrevivência política. Leia-se blindagem contra o impeachment e eventuais CPIs.
Como num jogo de ganha-ganha, Arthur Lira também só tem a lucrar com essa parceria: investigado e denunciado em vários processos, o chefe do Centrão conta com a influência de Bolsonaro no Judiciário e no Ministério Público para se livrar de condenações. Desde que se acertou com o governo, ele já obteve pelo menos três importantes vitórias judiciais. Crusoé esmiuçou essas ações. Os três feitos foram alcançados graças à caneta da subprocuradora Lindôra Araújo, pessoa da estrita confiança de Augusto Aras no Ministério Público Federal e próxima do senador Flávio Bolsonaro, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e Gilmar Mendes, com quem o presidente da República articulou a indicação de Kassio Marques para a corte. Após os triunfos nos tribunais, Lira agora tenta emplacar a tese de que, se for eleito, não ficará fora da linha sucessória da Presidência da República, a despeito do entendimento do STF de que réus não podem assumir temporariamente o Executivo.
Sua maior ambição é sepultar definitivamente o processo relacionado ao chamado Quadrilhão do PP, que desde 2015 constrange toda a cúpula de seu partido. Assim como outros processos da Lava Jato, o caso está sob a relatoria do ministro Edson Fachin, conhecido como linha-dura e sem conexões com o Planalto. Mesmo assim, Lira está animado. O parlamentar conta com o lobby da ala do STF contrária à Lava Jato e, claro, com o prestimoso apoio do Palácio do Planalto. Desde que embarcou no barco governista, o comando do PP já conseguiu um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, responsável por adiar a abertura da ação penal relacionada ao Quadrilhão. Em junho do ano passado, a 2ª Turma do STF votou pelo recebimento da denúncia contra vários integrantes do PP, como Lira, Ciro Nogueira e Aguinaldo Ribeiro. Durante o governo Lula, cargos como a cobiçada Diretoria de Abastecimento da Petrobras ficaram com o PP e, segundo o MPF, o domínio dessas vagas teria “o objetivo de arrecadar propina perante os empresários que se relacionavam com essas empresas e órgãos públicos”. Os procuradores apontam que o funcionamento do esquema criminoso ocorreu entre 2006 e 2015 e causou prejuízo de cerca de 29 bilhões de reais à Petrobras. Em agosto do ano passado, os acusados apresentaram embargos de declaração contra o recebimento da denúncia, mas o julgamento dos recursos ainda não foi concluído. Depois de sucessivos adiamentos, o processo entrou em pauta em maio deste ano, quando Fachin votou pela rejeição dos embargos e pela imediata reautuação do inquérito como ação penal. Como o ministro Gilmar Mendes pediu vista e, desde então, não devolveu os autos, o julgamento não foi retomado. Com a retenção do processo no gabinete de Gilmar, Arthur Lira, Ciro Nogueira e outros próceres do PP seguem em um limbo jurídico e, tecnicamente, não podem ser considerados réus no Quadrilhão do PP, ainda que a 2ª Turma do Supremo tenha recebido a denúncia. A demora providencial na conclusão do caso deu esperanças à trupe do PP, que se move no intuito de enterrar mais esse escândalo.
O terceiro êxito no Judiciário obtido pelo candidato de Bolsonaro para a presidência da Câmara ocorreu no mês passado. Em outro processo em tramitação no STF, Arthur Lira obteve triunfo semelhante ao registrado no caso do Quadrilhão do PP. Em outubro de 2019, a 1ª Turma da corte havia decidido, por unanimidade, receber uma denúncia de corrupção passiva contra o parlamentar pelo recebimento de 106 mil reais em propina. O caso narrado na acusação ocorreu em 2012 e envolveu a mais escrachada técnica de transporte de dinheiro ilegal. Um assessor de Lira foi preso com cédulas escondidas na roupa e, ao ser interrogado, revelou que a bolada pertencia ao chefe. Investigações do MPF mostraram que se tratava de propina paga pelo então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos, em troca de apoio político para permanecer no cargo. Assim como no processo do Quadrilhão, a defesa apresentou recursos, que começaram a ser julgados em novembro. Quando já havia maioria para rejeitar os embargos declaratórios e confirmar a decisão que transformou Lira em réu, o ministro Dias Toffoli, um dos principais aliados do governo Bolsonaro no Supremo, pediu vista e adiou por tempo indeterminado o desfecho de mais um processo.
A aproximação entre o Planalto e o Centrão começou em abril, pouco após o início da pandemia. Acuado pelas sucessivas revelações do caso Queiroz e pela prisão dele, o presidente e seus aliados identificaram crescentes clamores por impeachment. A insatisfação popular, traduzida à época por panelaços diários, virou uma ameaça real para o governo. A solução encontrada estava na cartilha mais surrada da política brasileira: a troca de apoio por cargos. O Centrão era o parceiro ideal para esse acerto, já que os partidos fisiológicos do grupo historicamente apoiam todos os presidentes e, desde a posse de Bolsonaro, estavam de malas prontas, como sempre fazem, à espera de uma brecha para assumir o figurino governista. Todas as legendas e boa parte das lideranças do Centrão ganharam seus quinhões na Esplanada, mas a proximidade entre o presidente e Arthur Lira se destacou. O parlamentar passou a ser chamado de “filho 05” de Bolsonaro e se tornou líder informal da articulação política do Planalto. “Os partidos de centro, ou do Centrão, como queiram, do qual fazemos parte, sempre deram a qualquer governo, com muito equilíbrio, o sustentáculo às aprovações necessárias”, reconheceu Lira, em discurso no plenário da casa, logo após faturar órgãos estatais com orçamento bilionário, como a Secretaria Nacional de Mobilidade e o Departamento Nacional de Obras Contra Seca. Desse jogo de interesses mútuos, surgiu a candidatura do líder do Centrão, com as bençãos do Executivo.
A maioria da bancada bolsonarista aceita calada as determinações do Planalto, mas parte dos parlamentares governistas está constrangida com a ficha corrida do candidato escolhido pelo presidente da República, sobretudo em razão da bandeira anticorrupção erguida durante a campanha eleitoral. Os acenos de Lira à esquerda, que incluem promessas de flexibilização da Lei da Ficha Limpa e a recriação de um imposto sindical, também encabulam parlamentares da base. O deputado Paulo Eduardo Martins, do PSC, que é próximo do Planalto, classificou como “inadmissível” a volta do financiamento dos sindicatos e anunciou que não pretende votar no escolhido do presidente. Alguns bolsonaristas ainda pressionam Bolsonaro para que o governo lance um nome mais palatável à opinião pública – os ministros da Agricultura, Tereza Cristina, do DEM, e o das Comunicações, Fábio Faria, do PSD, são há meses citados como opções. Mas, depois de consolidada a articulação com o Centrão, abandonar o grupo equivaleria à implosão do governo. Uma traição a Arthur Lira, ao presidente do PP, Ciro Nogueira, e a outros partidos que estão na expectativa de ganhar espaços na cúpula do poder poderia inviabilizar a administração. Em Brasília, o que se comenta é que o Centrão até pode abandonar o governo, mas a recíproca não é mais verdadeira.
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