O balcão de negócios no Congresso
A cada dois anos, nas eleições municipais e presidenciais, políticos saem às ruas em busca dos votos dos brasileiros para conquistar mandatos no Executivo e no Legislativo. As campanhas falam em redução de despesas, compromisso com o combate à corrupção e fim dos privilégios – ainda que a maior parte das promessas seja depois descumprida. Outra disputa bienal mobiliza o meio político, mas com dinâmica inversa. No dia 1º de fevereiro, deputados federais e senadores vão escolher os próximos presidentes da Câmara e do Senado. Ao contrário das eleições gerais, em que os candidatos apresentam abertamente as suas plataformas, a corrida pelo comando do Congresso é silenciosa. Envolve negociações corporativistas, promessas de cargos comissionados e ministérios, a garantia de manutenção de benesses, além de alguns arranjos políticos nada republicanos. Por isso mesmo, todas as alianças são tratadas nos bastidores, bem longe dos holofotes. E a maioria das promessas é cumprida.
A história se repete este ano. Nos últimos dias, a eleição para as presidências da Câmara e do Senado se transformou num grande balcão de negócios. Na mesa, promessas de liberação bilionária de emendas, ofertas de vagas em ministérios na reforma programada para o início de 2021, juras de dinamitar o que resta da Lava Jato, assunto do interesse dos encalacrados com a Justiça, e até garantias de criação de um novo imposto sindical, o que adoça o paladar de setores do PT e da esquerda.
No domingo, 6, após o Supremo Tribunal Federal barrar a tentativa de golpe branco para reeleger ilegalmente Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, a corrida pelo comando do Parlamento foi retomada do ponto de partida. Graças ao apoio da máquina governista, o nome de maior projeção até agora é o do candidato do governo, o líder do Centrão, Arthur Lira, do Progressistas. Como a disputa pelo comando da Câmara é um grande conchavo corporativista para garantir a manutenção do status quo das excelências, não é de surpreender a escolha de um deputado enrolado como boa parte dos colegas. Lira tem uma coleção de processos judiciais, alguns encerrados, outros em andamento. As denúncias – entre as pretéritas e as atuais — vão de violência doméstica a rachadinha, passando pela contratação de funcionários fantasmas e pela cobrança de propina investigada na Lava Jato. Há duas semanas, o Supremo formou maioria para manter o deputado como réu por corrupção passiva, no processo em que é investigado por receber 106 mil reais em propina. A folha corrida de Lira é tão constrangedora que até mesmo alguns bolsonaristas sentem-se envergonhados de declarar voto publicamente no escolhido do Planalto. E o que faz então do líder do Centrão um candidato competitivo para a sucessão de Rodrigo Maia? Do ponto de vista dos colegas, há a convicção de que seus privilégios permanecerão intocáveis pelos próximos dois anos e que os acordos políticos serão regiamente cumpridos, ainda que isso cause desgastes perante a sociedade. “Sabe aquela história do deputado que disse se lixar para a opinião pública? O Lira é um cara que vai honrar os acertos porque é calejado com as críticas e com as porradas nas redes sociais”, disse um parlamentar que faz oposição a Bolsonaro.
Para garantir a vitória do aliado, o Palácio do Planalto e os emissários de Bolsonaro mergulharam na campanha do líder do Centrão com o empenho de quem trabalha pela própria eleição. Em troca de voto do preferido do governo, parlamentares têm recebido promessa de liberação de 6 bilhões de reais em emendas. A menos de dois anos da eleição, essa é a forma mais eficaz de seduzir um político e o governo tem reservado recursos de créditos suplementares recém-aprovados para fazer agrados. Mas o Planalto vai além para emplacar o às do Centrão no comando da Câmara. A barganha bolsonarista inclui ainda ofertas de ministérios “com verba, caneta e tinta” para os líderes dos principais partidos que compõem a base de apoio governista. No leilão de cargos, tem até uma possível vaga no primeiro escalão para aliados de Luciano Bivar, presidente do PSL, e até outro dia desafeto do governo: o comando do Ministério do Esporte, que seria recriado.
As trocas na Esplanada em prol da eleição de Lira devem envolver inclusive pastas da chamada “cozinha” do Planalto. Uma mudança considerada bastante provável é na Secretaria de Governo. Para contemplar o Progressistas, Bolsonaro avalia nomear para a pasta responsável pela articulação política o atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros. Com a mudança, o general Luiz Eduardo Ramos, que hoje comanda a Secretaria de Governo, seria deslocado para a Secretaria Geral, que ficará vaga com a saída de Jorge Oliveira para assumir o cargo de ministro do TCU. Bolsonaro considera ainda alterar o comando do Ministério da Cidadania, já que tem demonstrado insatisfação com o desempenho do ministro Onyx Lorenzoni. Para abrir mais espaço na Esplanada, na última quarta-feira, 10, Bolsonaro demitiu um de seus mais fiéis assessores: o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi defenestrado do cargo com requintes de humilhação. “Deu problema aí”, disse o presidente da República, em conversa com apoiadores, na noite da demissão. Oficialmente, o estopim teriam sido as ofensas dirigidas a Luiz Ramos por Álvaro Antônio num grupo de whatsapp, mas até as emas do Palácio do Planalto já sabiam que Bolsonaro já havia decidido apear o ministro do Turismo do cargo. Para o seu lugar, foi nomeado interinamente Gilson Machado, presidente da Embratur.
No grupo de Rodrigo Maia, as negociações estão bem mais atrasadas porque não houve ainda a escolha de um candidato. Além do DEM, o atual presidente da Câmara conta com o apoio de outras bancadas, como o MDB, o PSDB, o PSL, o PV e o Cidadania. Entre os nomes preferidos de Maia, estão Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba, e Baleia Rossi, presidente nacional do MDB. Relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro não ostenta um perfil capaz de amedrontar o Planalto – é defensor das reformas econômicas e integra um partido aliado, apesar de não ter apoio do Progressistas. Para o governo, já seria um upgrade com relação a Rodrigo Maia. Baleia Rossi, que se destacou na atual legislatura como autor da PEC da reforma tributária, já é um pouco mais independente e enfrenta a resistência da oposição, sobretudo do PT, que ainda guarda um pote até aqui de mágoas com o MDB em razão do impeachment de Dilma Rousseff. O DEM de Maia tem dois cotados: Elmar Nascimento, da Bahia, e Fernando Coelho Filho, herdeiro do líder do governo no Senado. A principal estratégia de Maia é relacionar a possível eleição do líder do Centrão à perda de independência da Câmara. Na quinta-feira, 10, ele comentou as promessas de pagamento de emendas para atrair parlamentares. “A gente sabe que o governo vai rasgar seu próprio discurso e jogar pesado para eleger seu próprio candidato”, disse.
No Senado, a eleição é ainda mais imprevisível, já que o governo não tem um candidato declarado e o atual presidente da casa, Davi Alcolumbre, do DEM, só nos últimos dias começou a se organizar para tentar fazer seu sucessor. Se Rodrigo Maia disfarçava suas intenções de disputar a reeleição antes do desfecho do julgamento do Supremo, Alcolumbre era candidatíssimo havia mais de um ano e já articulava com colegas para tentar permanecer no cargo. A decisão do STF que barrou o golpe branco no Congresso pegou o presidente do Senado no contrapé.
Rodrigo Pacheco, do DEM mineiro, apresentou-se para a partida. O senador de 44 anos cultiva boas relações com o Palácio do Planalto e foi recebido na terça-feira, 8, pelo presidente da República, para tratar de assuntos de interesse de Minas Gerais, mas é considerado pouco experiente por setores do Senado. Antônio Anastasia, do PSD, outro possível escolhido de Alcolumbre, goza da simpatia de grupos mais diversos porque é visto como independente, equilibrado e com mais bagagem política. Ex-governador de Minas, ele deixou o PSDB no início do ano e desvinculou sua imagem do ex-correligionário Aécio Neves. Durante a pandemia, relatou propostas importantes, como a da PEC do Orçamento de Guerra, e está alinhado com a agenda de reformas. O temor do Planalto, no entanto, é que Anastasia se torne “independente demais”.
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