Fernando Frazão/Agência BrasilOs filmes, antes de existirem, precisam passar por editais, e lá são julgados por especialistas

A estrutura das revoluções culturais

Como a especialização é uma constante, a tendência é que as pessoas se fechem cada vez mais em seu ambiente especializado e ignore a vida real
16.02.24

Existe um livro clássico publicado em 1962 com uma interpretação bastante singular sobre a história da ciência. O livro é A Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn. Segundo ele, a ciência desenvolve-se em cinco etapas ou fases: 1. A pré-paradigmática; 2. A paradigmática ou ciência normal; 3. Crise do paradigma; 4. As revoluções científicas e…5. Mudança de paradigma.

Foi o próprio Thomas Kuhn, nesse livro, que popularizou o termo “mudança de paradigma”, tão usando hoje em dia, especialmente em ambientes empresariais.

Kuhn entende a ciência regular como um quebra-cabeças: com regras bem definidas, pré-estabelecidas. No livro, ele mostra, em suma, como a ciência tende a fechar-se em si mesma até não descobrir mais nada de novo, só confirmar seus próprios pressupostos. Aí ela entra em crise, e vai ser preciso uma revolução científica e uma consequente mudança de paradigma.

Não é só na ciência que acontece isso. Na arte e na cultura também. E o mecanismo é o mesmo: uma vez que a especialização é uma constante em qualquer área, a tendência é que as pessoas se fechem cada vez mais naquele ambiente especializado, que funciona como um quebra-cabeças (com elementos pré-estabelecidos) e ignorem a vida real.

É por isso que os livros se parecem cada vez mais com outros livros e os filmes cada vez mais com outros filmes, num processo autofágico. É que os filmes, antes de existirem, precisam passar por editais, e lá são julgados por especialistas, ou seja, gente da área. Se passam em festivais, são premiados ou não de acordo com o julgamentos de gente da área. Uma vez que são exibidos eles são julgados também por especialistas, os críticos. No caso do cinema comercial, os filmes, antes de serem feitos, têm também de ser julgados por especialistas, no caso, os executivos dos estúdios. E depois passam pelo mesmo processo do cinema autoral: são julgados em festivais, e por críticos.

Até nas plataformas de streaming existe uma equipe de curadoria, formada naturalmente por gente da área. E ainda por cima, os filmes que serão feitos são inspirados em filmes que já existem, ou seja, já passaram pelo filtro dos especialistas.

O problema é que os especialistas não necessariamente usam de critérios objetivos. Eles, por vezes, têm seus próprios preconceitos de classe. No Brasil, por exemplo, no meio do audiovisual – e na classe artística como um todo – existe uma hegemonia da esquerda. Tudo o que não compactuar com os valores da esquerda – mesmo que seja artisticamente bom – vai ser rechaçado.

O mesmo acontece em outras áreas, como a arquitetura. A arquitetura clássica, por exemplo, é preferida pela população em geral. Entretanto, só se veem novas construções nas cidades brasileiras feitas sob o molde da arquitetura moderna ou contemporânea. Por mais que as pessoas gostem daquele tipo de arquitetura, não conseguem encontrar arquitetos dispostos a realizá-la, nem técnicos construtores.

A internet tem furado um pouco isso. Mas os meios de validação de uma obra de arte permanecem os mesmos: os festivais, a crítica (em jornais ou em sites), a academia. Por mais que um filme tenha sucesso na internet, furando os meios convencionais de validação, ele terá dificuldade em se firmar ao longo do tempo, pois não terá uma recepção crítica.

Se um diretor resolver usar todos os clichês do que os especialistas esperam de um filme, terá sucesso imediato. E constantemente acontece isso mesmo. Mas o meio como um todo vai se enfraquecendo a ponto de não ter muito contato com a vida real nem com a população em geral. É por isso que os artistas brasileiros se sentem cada vez mais gênios incompreendidos – eles não entendem como uma obra que foi aprovada pelos pares não desperta interesse. E a população assiste cada vez menos ao cinema brasileiro.

Os grandes artistas produzem uma injeção de realidade na produção artística. Heitor Villa-Lobos não completou seus estudos musicais, mas trouxe uma vitalidade completamente nova à música brasileira, colocando nela elementos que a academia considerava estranhos. Foi assim que ele descobriu uma linguagem peculiarmente brasileira na música.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Falando apenas de cinema, o sucesso comercial pode ser conseguido mesmo sem apoio dos especialistas e críticos , adeptos da agenda política, por ser possível um acesso muito mais direto e fácil ao produto final. A dificuldade poderá ser aprovar o projeto, após aprovado a sua qualidade irá falar mais alto, felizmente. O contrário também acontecerá, fracassando o filme laudado pela patota mas sem um pingo de qualidade, limitando-se à militância política.

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