Alan Santos/PR via FlickrBolsonaro em discurso em 2022: apoiadores foram, na verdade, cosplayers do trumpismo aqui

O verdadeiro golpe de Bolsonaro começou em 2019

Na terceira onda de autocratização em que estamos imersos (no século 21), a erosão democrática de governos em todo o mundo é predominante
16.02.24

As quatro maneiras conhecidas de matar a democracia são: a) a invasão estrangeira (por uma força autocrática beligerante de ocupação); b) o golpe militar ou policial-militar; c) o autogolpe; e d) a erosão democrática.

Na terceira onda de autocratização em que estamos imersos (no século 21), a erosão é predominante. Segundo levantamento dos especialistas do V-Dem (Universidade de Gotemburgo), em valores aproximados, entre 1900 e 1993, os golpes militares representavam 40% dos episódios de autocratização, a invasão estrangeira 30% e o autogolpe os outros 30%. Entre 1994 e 2017, a proporção de golpe militar caiu para 30%, a invasão estrangeira e o autogolpe praticamente desapareceram, surgindo no seu lugar, com 70% dos casos, a erosão democrática.

É o que está acontecendo com o regime político brasileiro, parasitado por dois populismos: o neopopulismo lulopetista e o populismo-autoritário bolsonarista. Há, entretanto, uma singularidade no caso do bolsonarismo. Embora tenham contribuído, de fato, para erodir nossa democracia, Bolsonaro e seus sequazes queriam dar um golpe à moda antiga.

Tramava-se um golpe de Estado com tropas militares no governo Bolsonaro (ainda perdido em algum lugar do século 20). Essa articulação ou armação nunca chegou às vias de fato. Não houve movimentação de tropas, nem ações preparatórias para uma quartelada por parte dos oficiais militares que comandam tropas.

Se considerarmos a trama, a armação, o planejamento, como uma tentativa, foi, sim, tentativa de golpe. Mas, a rigor, não foi uma tentativa que, colocada em prática, fracassou. Ela não chegou a trocar forças e nem mesmo a medir forças com as forças do Estado de direito. Foi uma tentativa que não contava com força político-militar suficiente para sair do planejamento para a ação.

Assim, durante o governo Bolsonaro não houve golpe de Estado, mas o país foi colocado em uma espécie de estado de golpe. Ainda que não tivesse havido redução significativa de direitos políticos e liberdades civis (os dois indicadores principais de democracia), houve um processo continuado de erosão da democracia (a nova forma de golpe do século 21).

A retórica golpista do chefe de governo e de seus seguidores, assim como o uso do Estado por parte de uma facção, contribuíram para desacreditar as instituições e para derruir as bases sociais que sustentam o regime democrático, sobretudo por meio da polarização exacerbada.

Mas a polarização que esgarçou o tecido social não é culpa apenas do bolsonarismo e sim do embate do tipo “nós contra eles” entre os dois populismos que parasitam o regime democrático brasileiro (um no governo e outro tentando voltar ao governo).

O verdadeiro golpe de Bolsonaro não foi o golpe à moda antiga (o golpe militar que não se consumou) e sim a nova forma de golpe do século 21: a erosão democrática. Essa nova modalidade de golpe não ocorreu no final do governo e nem depois que Bolsonaro saiu do governo (tendo como auge os atos cenográficos golpistas de 8 de janeiro). Ela começou em 2019, com a sua posse e foi sendo processada durante todos os anos do seu mandato.

Os bolsonaristas foram, na verdade, cosplayers do trumpismo aqui no Brasil. Trump também queria dar um golpe (nem tanto à moda antiga, que lá não cola). Mas ele denunciou falsamente uma fraude eleitoral, não reconheceu a vitória do adversário e incentivou a invasão do Capitólio para impedir a certificação de Biden e nada conseguiu. Bolsonaro imitou tudo com atraso e igualmente fracassou.

Mas ao contrário dos EUA, em que o trumpismo é uma ameaça crível de voltar ao governo para dar continuidade aos seus ataques à democracia, no Brasil de hoje o bolsonarismo não representa mais uma ameaça de morte à democracia, por absoluta falta de condições objetivas e subjetivas. Portanto, ficar agitando o espantalho do golpe bolsonarista nas circunstâncias atuais tem apenas objetivo eleitoreiro. O problema do governo Lula e do lulopetismo em geral – e eles sabem disso – não é a volta de Bolsonaro, impossível no curto prazo e sim a forte rejeição social ao PT que, esta sim, não se desfez e pode surpreender nas próximas eleições nacionais.

É por isso que as forças governistas (incluindo parte do STF e a imprensa chapa-branca), têm que esticar a exploração do golpe bolsonarista pelos próximos anos. Como, para Lula e o PT, Bolsonaro nunca foi um problema e sim a solução, eles querem que essa solução continue valendo no futuro, pelo menos até 2026.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Será que apenas o Bolsonarismo é responsável? E a nossa elite burocrático-judiciária, que define as regras a seu favor, desrespeitando todos os anseios e valores da população, não é responsável? Somos vítimas de valores sociais colonial-mercantilistas incrustados por uma lógica positivista, em que a elite egoísta e cheia de privilégios acredita que deve guiar o País rumo a uma Utopia inexistente.

  2. O processo eleitoral americano teve muita fraude. O Bolsonaro foi refém da rachadinha, nem governou. O STF corroeu a democracia intervindo nos outros poderes.

    1. STF corroer a democracia não é a causa: é consequência da indicação política, uma interferência direto do Poder Civil EXECUTIVO no Judiciário. Essa aberração constitucional que mantém o Sistema da Impunidade é que precisa acabar. 🤨

    2. "Bolsonaro refém da rachadinha" é dose de ler. Tem-se a impressão q rachadinha é um ser concreto e que durante todo o governo dele apontou a arma na cabeça do representante do Centrão e da direita tresloucada, do ladrão de jóias árabes e dos salários alheios... 😒

  3. O PT já está extremamente desgastado e, na ausência de LULA, não sei quem mais terá a força de retórica que esse ex-metalúrgico e atual descondenado possui. Estou aqui torcendo para que o atual presidente não consiga chegar ao final de seu mandato. Seja por qual via for.

  4. Os golpes acontecem de forma brusca ou lentamente. Num caso com o uso da força e noutro pela corrupção e a mentira. A corrupção envolve não apenas troca de dinheiro mas, também, de favores entre amigos e familiares. Cria aquela rede de cumplicidade e fidelidade. O uso da mentira começa nas eleições e continua após a posse do vencedor com a criação de novas narrativas. Estamos vivendo um golpe lento. A violência retorna após a queda da democracia para manutenção do poder (Venezuela e Russia).

  5. Faço minha as suas palavras Augusto. Os dois populistas incompetentes e mentirosos precisam da sua Nêmesis à altura. Some-se a esse quadro uma massa de ignorantes que se informam apenas através de blogueiros de crachá e da imprensa chapa-branca e está feito o caldo de cultura que vivemos.

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