Lula Marques/ Agência BrasilLira: em busca de um caminho para manter a relevância política depois de deixar a presidência da Câmara

Lira sob pressão

Faltando um ano para o fim de seu reinado na Câmara, o deputado alagoano sabe que tanto adversários quanto "aliados" observam cada movimento seu em busca de sinais de fraqueza
15.02.24

No começo de fevereiro, na abertura do ano legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) voltou suas baterias contra o Palácio do Planalto. Pouco antes, Lula havia vetado a destinação de 5,6 bilhões de reais do Orçamento de 2024 às  emendas de comissão, uma das modalidades das emendas parlamentares. “O Orçamento é de todas e todos brasileiros e brasileiras”, disse o deputado no trecho de seu discurso com maior repercussão. “Não é e nem pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo e muito menos de uma burocracia técnica que, apesar do seu preparo, não foi eleita para escolher as prioridades da nação e não gasta a sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós, parlamentares.” É sabido que as emendas cresceram muito de importância no relacionamento dos parlamentares com suas bases eleitorais (a respeito disso, leia também o artigo de Leonardo Barreto nesta edição), mas esse não é o único fator que explica o tom alterado da fala de Lira. Ele está preocupado com seu próprio futuro político, pois sabe que tanto adversários quanto “aliados” (que têm seus próprios interesses) observam atentamente cada movimento seu, faltando um ano para o fim de seu mandato no comando da Câmara. Nas últimas duas semanas, Crusoé conversou com diversos líderes partidários, principalmente do Centrão, que Lira empoderou – e de onde também tira sua força. Se nas monarquias vale a máxima “rei morto, rei posto”, Brasília está mais próxima da lei da selva: basta que o rei esteja manco para virar caça. E, como disse à reportagem um veterano das articulações da capital, “poder não se conquista rugindo”.

Lira fez política durante o Carnaval. Na última sexta-feira, 9, pouco antes do início da folia, encontrou-se a sós com Lula para discutir a relação. Depois da reunião, o governo espalhou a versão de que tudo correu muito bem. Lira, por outro lado, manteve silêncio e viajou para a Bahia. Lá, foi recebido pelo amigo Elmar Nascimento (União-BA), candidato a sucedê-lo na presidência da Câmara. O compromisso seguinte foi no Rio de Janeiro. Ele desfilou na Beija-Flor como convidado de honra, aproveitando que seu pupilo João Henrique Caldas, o JHC, comprou o enredo da escola de samba usando 8 milhões de reais da prefeitura de Maceió, a capital de Alagoas. Nada disso, contudo, deve ter qualquer relevância em Brasília, agora que as atividades do Congresso começam para valer. A Beija-Flor, por sinal, ficou oitavo lugar na apuração das campeãs.

São várias as razões por que nem mesmo o tête-à-tête com Lula foi muito valorizado. A primeira é que neste ano de eleições municipais, o governo federal decidiu não mandar para a Câmara matérias de grande vulto, que demandem intensa articulação política. Deputados acreditam que o ano parlamentar acabará em 17 de julho. Com isso, Lira terá menos chances de exercer liderança.

A segunda é que Lula, ao mesmo tempo que fez um gesto de deferência a Lira na última sexta, sinalizou aos parlamentares que há outros canais de comunicação com o Planalto. Alexandre Padilha, ministro de Relações Institucionais, foi mantido no cargo, embora tenha sido obrigado a fazer um périplo pelos gabinetes de deputados do Centrão, prometendo que acordos serão cumpridos ao longo de 2024. Lira queria muito derrubar Padilha, que apontou como culpado pelos conflitos em relação a emendas. Além de dar respaldo ao titular da pasta de Relações Institucionais, Lula escalou Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, para receber demandas do Congresso. É difícil saber qual será o resultado desse novo arranjo. Talvez o clima entre Executivo e Legislativo fique mais ameno. Mas também pode ser que Padilha, que é mais afável, e Costa, um sujeito mais seco, acabem desenvolvendo uma dinâmica parecida com aquela dos filmes policiais, em que um tira é bonzinho e o outro  enfezado. Se for assim, Lira poderá ter uma nova chance para intervir.

A terceira razão para que a posição de Lira seja tida como vulnerável é que se disseminou em Brasília o rumor de que ele almeja ocupar um ministério no governo Lula a partir do ano que vem, de modo a chegar às eleições de 2026 numa posição de destaque (em tese, ele está de olho em uma das vagas de Alagoas no Senado e deve enfrentar seu arquirrival Renan Calheiros, do MDB). Nunca é bom para um político ser visto como dependente da boa vontade de um outro líder.

Finalmente, observa-se a fragmentação do blocão instituído por Lira no ano passado. Em 2023, o presidente da Câmara conseguiu reunir tanto partidos de centro quanto os de esquerda em um megabloco parlamentar com PP, União Brasil, a federação PSDB-Cidadania, PDT, Solidariedade, PRD, Avante e PSB. Na semana passada, contudo, o PSB deixou o bloco; o PDT também ameaça fazê-lo, em um movimento que tende a ser acompanhado ainda por Solidariedade e Avante. “Sei que essa decisão surpreendeu a todos. Mas não se faz omelete sem quebrar ovos. Estamos buscando uma maior autonomia. Em bloco, nós dependíamos da decisão do líder do bloco para falar em plenário ou apresentar destaques [sugestões de mudanças em textos parlamentares]”, explicou nesta semana o líder do PSB na Câmara, Gervásio Maia (PB). Ele é considerado ainda mais governista que o antigo líder Felipe Carreiras (PE).

Lira evita dar sinais concretos de quem será seu candidato à presidência da Câmara, pois sabe que isso aceleraria ainda mais o esvaziamento de seu poder. A visita a Elmar Nascimento no Carnaval foi um aceno, mas não uma bênção definitiva. Sem essa definição, os postulantes ao cargo começaram a fazer suas campanhas. Fizeram um acordo de cavalheiros: sem ataques pessoais, sem ofensas e, no final da campanha, sem tentativas de sabotar o trabalho do vencedor. Então está bem. Estão no páreo, além de Elmar, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Doutor Luizinho (PP-RJ) e Antônio Brito (PSD-BA). O Palácio do Planalto assegura que não terá candidato próprio. Nos bastidores, porém, Lula tem conversado bastante com o presidente do Republicanos e vice-presidente da Câmara Marcos Pereira (SP). Na semana anterior ao Carnaval, Pereira pegou o mesmo voo de Lula para ir ao anúncio de uma parceria com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para construção de um túnel submerso que ligará as cidades litorâneas de Santos e Guarujá. O apoio de Lula pode fazer com que Marcos Pereira perca votos à direita, mas alguns deputados acreditam que isso pode ser compensado por uma articulação com partidos como PSD e MDB.

O fantasma que assombra Lira é o de Rodrigo Maia. Ele exerceu enorme influência na primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro, freando por diversas vezes as iniciativas do presidente. Depois de deixar o comando da Casa, foi praticamente foi defenestrado da Câmara. Demorou algum tempo até encontrar um novo caminho: atualmente, ganha bastante dinheiro como lobista em Brasília, embora não tenha poder. Será que Lira ficaria satisfeito?

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  1. O que falta aos parlamentares é um mínimo de dignidade e vergonha na cara. Maia não foi defenestrado por nada. Simplesmente era um deputado medíocre e irrelevante que deu a maior k gada no mandato tampão. Foi presidente do PFL (por prestígio político do maluco do pai) esfacelou e destruiu o partido. Suas votações eram pífias. Ele, lira, eduardo Cunha tem em comum o fato de aceitar a corrupção como forma de governar. O destino do lira deverá ser o do eduardo. Ulisses Guimarães era altivo,digno

  2. O ocaso de Lira seria uma excelente notícia se não tivéssemos a certeza que virá algo pior. Esse é o condão da política brasileira: gente ruim rompe com normas e decoro institucionais, fazendo com que gente pior que o suceda possa esticar ainda mais a corda.

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