aylor Swift via InstagramA artista coleciona números impressionantes porque, bem, não se fazem mais números como antigamente

Nem tudo é Taylor Swift 

Cantora é uma máquina nos negócios e na política, mas não pode ser comparada com os grandes artistas do passado 
15.02.24

Uma audiência recorde de 123 milhões de pessoas ligou a televisão para assistir ao Super Bowl, a final da liga de futebol americano no último domingo, 11. Nessa noite, o número de espectadores ultrapassou em oito milhões o recorde de 2023, porque um novo público compareceu para ver a final do jogo. Eram os fãs da cantora Taylor Swift.

O número impressiona ainda mais porque Taylor nem sequer cantou no evento. A artista de 34 anos voou de um show em Tóquio até Las Vegas para assistir de camarote ao jogo do seu namorado, Travis Kelce, um dos principais atletas do Kansas City Chiefs. Durante a partida, sua imagem sentada apareceu doze vezes. No total, ela ficou quase um minuto na tela. Quando o time do seu amado venceu, a câmera não apontou para os bicampeões da NFL, mas para ela e suas amigas.

O episódio ajuda a dar uma dimensão do fenômeno. Taylor Swift é a artista que mais lucrou com uma turnê na história do showbiz americano. Que mais tem Grammys para melhor disco (um recorde que, até dois domingos atrás, ela dividia com cânones americanos como Stevie Wonder, Paul Simon e Frank Sinatra). Que mais… Que mais… bem, nem tudo é Taylor Swift. Embora tenha esses números impressionantes para mostrar, quem não é fã da cantora não consegue entender por que ela é tão popular. Além disso, as peculiaridades da era digital em que vivemos torna injusto compará-la com artistas famosos do passado.

A cantora que flutua entre o country, o alternativo e o pop surfa num vácuo que nunca foi bem preenchido desde a morte de Michael Jackson, há quase 15 anos — ela é a superstar global, tietada em qualquer canto do planeta. Seu tamanho foi inflado pelos milhões de seguidores e bilhões de reproduções de seus vídeos. Mas os números de hoje não podem ser colocados na mesma régua que os números do passado. Não há como comparar, por exemplo, as 3,4 bilhões de visualizações de seu clipe mais famoso no YouTube com Thriller, de Michael Jackson, lançado na MTV há quatro décadas. Nessa rede social, o clipe de 1983 tem apenas um quarto dos números de Taylor. “Estamos em um momento da história da música que se quebram recordes com tanta facilidade que não se pode entender qual será a contribuição disso para o futuro”, diz o jornalista e crítico musical Sérgio Martins, editor sênior da revista Billboard Brasil.

Entender o sucesso da cantora é uma tarefa simples olhando para seus números — e complexa, historicamente falando. “Ela é uma artista competente, com uma carreira muito forte. É uma compositora talentosíssima, com um bom gerenciamento de carreira”, continua Martins. “Mas não consigo entender, musicalmente falando, essa histeria.”

No Olimpo do pop, sua ascensão se deu no momento em que estrelas antigas morreram (Michael Jackson em 2009, Whitney Houston em 2012), ou possíveis pretendentes ao estrelato também não chegaram lá (como Amy Winehouse, morta aos 27 anos em 2011). Alguns dos artistas mais vendidos entraram em fases decadentes de suas carreiras (Madonna, Elton John e Tina Turner, para citar alguns). Os cantores de K-pop fazem barulho em todo o mundo, mas a  barreira idiomática ainda atrapalha sua expansão. Não havia ocupantes à altura no trono, e com isso Taylor se apossou desse espaço vazio com facilidade.

Em suas composições, escritas de próprio punho, a cantora aborda temas caros a seu público, como romance, amor, a sensação de um coração partido e uma versão “vanilla” do feminismo. O que a diferencia é uma capacidade extra de se conectar com seu público, que se vê tão representado em seus versos que entende estar ouvindo não uma música, mas uma confissão pessoal da superestrela. “E lá estamos nós outra vez, no meio da noite / Dançando pela cozinha sob a luz da geladeira / No andar de baixo, eu estava lá / Eu me lembro disso tudo muito bem”, diz a letra da “All Too Well”, lançada em 2012. É um texto simples, descritivo, que no entanto tem motivado inúmeras análises em fóruns virtuais, escritas por seu séquito de fãs. Nas canções pop, contudo, o que importa muitas vezes não é algo intrínseco às letras, mas o significado que cada um dos ouvintes projeta nelas. “As canções populares parecem nos encontrar no instante em que precisamos delas“, escreveu o colunista da Crusoé Jerônimo Teixeira, no artigo “Em defesa das canções simples“. “Se às vezes uma canção banal parece falar à nossa alma, será talvez porque a música pop aceite que lhe sejam atribuído sentidos que ela não carrega por si própria.”

Outra parte da equação que beneficia Taylor é igualmente relevante: ouvir música era, há 20 anos, um ato ritualístico, que envolvia a compra de uma mídia física (um CD, um disco de vinil, uma fita K7) e uma atenção concentrada à obra — muitas vezes, na companhia de amigos, com vários ouvidos para uma única reprodução. Hoje, com a hegemonia de serviços de streaming, isso se perdeu.  A discografia de qualquer artista pode ser acessada rapidamente a qualquer momento, individualmente, servindo como pano de fundo para atividades comezinhas: o clássico do Guns’n’Roses serve para embalar o treino; a obra da orquestra sinfônica é um ruído branco para concentração em estudos, e por aí vai.

Viver numa era em que a música vem até você influencia no tamanho das canções, cada vez menores. Pensadas para caber em vídeos de redes sociais, elas raramente passam de quatro minutos — nos últimos anos, com o avanço do TikTok, é possível encontrar músicas de pouco mais de um minuto, assim como novas versões aceleradas de composições antigas.

Ou seja: Taylor coleciona números impressionantes porque, bem, não se fazem mais números como antigamente. Por exemplo: o rapper Drake, aos 37 anos, tem 244 milhões de singles vendidos online nos EUA, mais do que os 183 milhões de álbuns que os Beatles levaram sete décadas para alcançar. Eminem (166 milhões de singles) ultrapassaria Elvis Presley (146.5 milhões)— mas não é difícil dizer quais deles têm maior influência na cultura.

A cantora vive num mundo à parte. Com 281 milhões de seguidores no Instagram e uma base de fãs ávida por qualquer migalha da sua vida pessoal, ela é a sua própria imprensa e pode se dar ao luxo de evitar entrevistas, coisa que nem os Rolling Stones puderam em seu auge. E com o lançamento de um novo disco, planejado para abril, os holofotes não sairão de Taylor tão cedo. Até na eleição americana, seu nome parece ter um peso relevante.

Isso porque a eleição presidencial promete demorar para esquentar, com os mesmos candidatos do pleito anterior. Com o debate sobre as idades dos dois candidatos, o possível papel de Taylor Swift nesse processo ocupa esse espaço da mídia.

Novamente ela, seu namorado e o Super Bowl foram arrastados para uma história absurda. Parte da direita radical ligada a Donald Trump passou semanas acreditando que o Super Bowl seria armado para a vitória do time do namorado da cantora, para que ela pudesse descer ao gramado e anunciar publicamente seu apoio a Joe Biden, em um plano de controle mental montado pelo Pentágono. Vivek Ramaswamy, que foi um pré-candidato nas primárias do partido Republicano neste ano, sugeriu isso, e até mesmo a Fox News deu espaço em seu canal para a teoria da conspiração sem pé nem cabeça (o time venceu, ela desceu ao gramado e beijou seu namorado — mas sem abrir a boca).

A excitação ou apreensão, a julgar para qual partido se pergunte, parece contra a lógica. Na eleição de 2022, Crusoé indicou que o apoio de artistas a campanhas eleitorais nem sempre dão resultados. No Brasil, os cantores sertanejos foram em massa com Bolsonaro, enquanto Anitta saiu de cima do muro para apoiar, meio de lado, a candidatura petista — mas nunca se viu grupos de eleitores que se decidiram por isso. Nos Estados Unidos, um estudo apontou que um apoio da cantora Beyoncé —vista como a outra grande força hegemônica da indústria musical do país— seria mais prejudicial do que benéfico perante o eleitorado.

O furacão Taylor, no entanto, é uma força a ser testada. Em 2023, um simples link postado por 24 horas em seu Instagram, convidando a seus fãs (os “Swifties”) para se registrarem e votar nos EUA, levou a um pico de 35 mil novos eleitores — em um único dia. Uma pesquisa feita na semana passada para a revista Newsweek mostra que 18% dos entrevistados poderiam “provável ou muito provavelmente” votar em um candidato apoiado pela cantora.

O que ela foi capaz de conseguir foi fazer jovens acreditarem que eles têm uma voz e que eles deveriam ter uma voz nas próximas eleições, e isso é profundamente poderoso”, disse à época o governador da Califórnia, o democrata Gavin Newsom.

Ela, no entanto, se mantém espertamente reticente nessa arena pública. Apesar de uma página na Wikipedia em inglês se dedicar longamente apenas ao “impacto político” da cantora, nos últimos anos raras foram as vezes que ela abordou o tema. Apenas um alvo é claro: em 2019, disse ao jornal inglês Guardian que “Trump claramente pensa que isso é uma autocracia”. No ano seguinte, ela apenas disse: “Votaremos você para fora em novembro”.

Nas eleições de 2024, ela ainda se mantém silente sobre o virtual candidato republicano. Antes do Super Bowl, foi Trump quem cobrou o seu apoio, com o argumento de que mudanças sancionadas por ele na lei de direitos autorais permitiram que ela enriquecesse. Não se sabe se ambos trocarão farpas novamente neste ano — nem mesmo se a loirinha, como seus fãs a apelidaram, terá esse poder sobre a política do país.

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  1. Boa voz, compositora medíocre na melhor das hipóteses. A máquina de marketing, produção e empresarial sim é genial. Impossível comparar com artistas do passado, o mercado mudou completamente e o consumidor de música também. Seria anacrónico.

  2. É difícil, sim, comparar essa explosão de sucesso em termos numéricos em tão pouco tempo de atuação. Acho que o dirá se ela é uma notória artista serão os próximos anos. Se manter nas paradas daqui a 10, 20 anos. Lotar palcos quando estiver velha, como fez Paul McCartney. Só saberemos se é o povo carente de estrelas ou ela realmente é uma estrela que brilhará para sempre. Por hora ela está ganhando muito dinheiro e eu nem conheço suas músicas.

  3. Será que a magnanimidade do notório saber jurídico de ministro de tribunal do Bananal é capaz de brecar esses números bilionários do furacão Taylor, também? Te cuida, Swift, e não se atreva a incomodar em suas canções os amigos dos amigos de algum supremo bananense.

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