A teologia da prosperidade intelectual
A nova direita nasceu e se desenvolveu especificamente na internet. Enquanto as instituições tradicionais eram hegemonicamente ocupadas pela esquerda após a redemocratização – especialmente a grande imprensa e as universidades, que foram expelindo o pensamento divergente – esse novo espaço de convivência e difusão deu nascimento a uma grande quantidade de cursos, publicações de nicho, editoras (cuja venda é baseada na internet), produtos digitais, e por aí vai.
Isso tudo a princípio foi ótimo à medida que trazia novos autores ao debate público brasileiro, novos livros eram escritos, traduzidos, e ampliava-se o espectro do pensamento, com autores libertários, liberais e conservadores, que não eram estudados na academia em nosso país.
Mas o sucesso de todos esses empreendimentos depende do marketing. E o marketing depende de palavras-chave, de storytelling. Ou seja, depende de uma lógica própria em que o conteúdo não importa tanto. E com um imenso público potencial de pessoas carentes e ávidas – que não são atendidas pela grande imprensa, pelas universidades, pela produção cultural mainstream. Só que esse novo meio não tem os métodos convencionais de legitimação – bancas julgadoras na academia, crítica cultural, a organização de uma redação de jornal convencional – e tudo acaba sendo baseado em viralização das redes sociais.
O livro de Ronald Robson Contra a vida intelectual parte exatamente desse contexto. Lá ele diz: “A voga online da educação (ou autoeducação), que permitiu a disseminação da posição política da direita, acabou por acrescentar novos males aos já conhecidos malefícios da educação oficial brasileira e dos meios culturais de prestígio dominados pela esquerda”.
Que males são esses? Ele enumera: “A confusão de educação com doutrinação conservadora, a autoridade intelectual com riqueza financeira, e a substituição da produção cultural autêntica pela louvaminhice dos ‘clássicos’, da ‘vida intelectual’, das virtudes, tudo conjugado aos mais antigos – e aos mais novos, porque algorítmicos – meios de autopromoção e promoção mútua de uma súcia de empreendedores virtuais”.
Ronald chama de teologia da prosperidade intelectual a ideia de que a vida de estudos ou vida intelectual traz naturalmente o sucesso material. Pode parecer estranho para quem não frequenta esse meio, mas essa ideia de fato foi bastante difundida por influenciadores, e por um motivo específico: na venda online de cursos é necessário mostrar um benefício palpável para aquele que compra. Nesse sentido, parece um esquema de pirâmide: a pessoa compra um curso porque quer se educar e dar cursos, e assim obter a prosperidade que vê no professor.
A instrumentalização do conhecimento é um dos alvos do livro: tudo que você lê ou aprende deve servir a uma função prática. Só que a produção de cultura tem um elemento de gratuidade fundamental. É muito difícil fruir – e assimilar de fato – um livro ou filme quando se usa isso para um objetivo imediato.
Uma das palavras-chave dessa instrumentalização é a tal da formação do imaginário, um dos hits dos cursos online na direita. As pessoas leem obras de arte buscando uma lição de moral ou mensagem edificante – o que elimina boa parte da fruição estética, mais baseada na forma da obra de arte, ou na relação entre a forma e o conteúdo.
Ronald Robson se pergunta no livro se não é válido que as pessoas tenham deixado de acompanhara as novelas da Globo ou jogo de futebol e tenham ao menos um lampejo de vida intelectual acompanhando o especial de Natal da Brasil Paralelo, por exemplo. A conclusão que ele chega é: não. É que em vez de elevar as pessoas à chamada alta cultura, o que foi feito foi trazê-las à “baixa altitude dos interesses, vícios e banalidades que permeiam a vida da nossa classe média mal-educada”.
Contra a instrumentalização da vida intelectual, Ronald Robson propõe a educação tendo como objetivo a criação de cultura. Tudo isso pode ser muito bem resumido pela frase por ele citada de Schelling, que diz: “Todas as regras para o estudo se resumem nesta: estude apenas para criar”.
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A maior apetência do brasileiro por conteúdo educacional/cultura é uma virada positiva à nossa costumeira estagnação. Infelizmente nosso baixo grau de educação não permite contestar nem duvidar do conteúdo que consumimos, o que nos deixa vulneráveis à manipulação e propaganda.
Bem interessante essa análise sobre educação. E acho que ela deve estar sendo considerada no conjunto de propostas para uma virada na forma de educar e, também, de SE educar.
Obrigado pelo heads-up... não dá nem pra pensar em ler algo com esse nível...
Bom ver uma análise crítica e desapaixonada da direita fanática sem ser de esquerda.
Vi tudo isso surgir, entre perplexo e desconfiado, numa época em que o olavismo habitava as catacumbas digitais e ainda não merecia o sufixo irônico. Hoje, em retrospecto, constato que tudo isso sempre esteve lá, não como a fruta dentro da casca, que a árvore é estéril, mas como o pus dentro da ferida. A bolha (ou furúnculo?) só podia arrebentar em picaretagem intelectual e oportunismo político.
Perfeito.